"O TTIP limita a soberania dos povos reforçando o poder do capital para impor globalmente as normas que lhe interessam"

Mobilización en Ourense contra o TTIP Dominio Público @EsquerdaUnida

Bernardo Valdés e X. Manuel Carril, en 'O TTIP. Un cabalo de Troia contra a nosa soberanía' (Laiovento) chegam a conclusons semelhantes a Carlos Taibo em 'Para entender el TTIP' (Catarata). Falamos, por separado, com Bernardo e Carlos, misturando depois as suas respostas, que se complementam. No livro de Laiovento, mais recente, escrevem também Carlos Aymerich, Alba Nogueira, Maria do Mar Pérez e David José Soto.

O TTIP levaria a uma convergência e harmonización à baixa das normas que regulam o comércio entre a UE e Estados Unidos. De que tipo de aranceis e obstáculos não tarifários trata?

Bernardo Valdês (BV): Quando falamos de obstáculos nom tarifários estamos referindo-nos a normas que por serem distintas a ambos lados do Atlântico limitam a circulaçom de mercadorias. Por exemplo o facto de que UE se siga o princípio de precauçom na normativa para a avaliaçom e autorizaçom de substâncias químicas fai que o número de substâncias cujo uso em cosmética está proibido seja muito maior na UE que nos EUA. Este é só um exemplo mas na realidade estariamos a falar dum amplo abano de campos: alimentaçom, autorizaçom de substâncias químicas, normas sobre embalagem e rotulaçom, normas sobre segurança, etc

Sem dúvida a assinatura do TTIP favoreceria umha harmonizaçom normativa à baixa. Por exemplo nos EUA está permitida a utilizaçom de hormanas no engorde animal enquando na UE está proibida. Desta forma o custo de produçom é menor nos EUA. No caso de permitir-se a entrada dessa mercadoria no mercado comunitário colocaria aos produtores da UE numha clara situaçom de desvantagem competitiva; provavelmente acabasse dando lugar a que se modificasse a norma comunitária para permitir a  supervivência das exploraçons comunitárias.

A convergência normativa pode ir mais alá, o TTIP pode servir para introduzir um Conselho de Cooperaçom Regulatória para que qualquer projeto de modificaçom normativa que poda afetar ao comércio tenha que sera objeto de consulta prévia com as grandes transnacionais, mesmo antes de ser abordado nas instituiçons elegidas polos povos.

“Sem dúvida a assinatura do TTIP favoreceria umha harmonizaçom normativa à baixa”

De que jeito funciona esse princípio de precauçom seguido na UE?

Carlos Taibo (CT): Na UE, para comercializar um produto agrícola, precísa-se demonstrar que não é nocivo, ou ao menos isso é o que diz a teoria, que na prática pode ser outra coisa. Em Estados Unidos pode-se comercializar o produto e, só quando se apresenta a posteriori alguma amostra da sua perigosidade, abre-se caminho para a sua investigaçom. Isto supõe, claro, um retrocesso salvagem no que diz respeito a garantias para os produtos agrícolas e ganadeiros. Mas apenas há que lembrar o caso das vacas loucas para ver que na UE as normas também são violentadas.

"Na UE, para comercializar um produto agrícola, precísa-se demonstrar que não é nocivo"

Qual seria, em realidade, o impacto económico do acordo? Como afectaria aos investimentos estrangeiros?

BV: Um dos argumentos mais utilizados polo organismos comunitários para defender o TTIP é o seu impacto económico. O trabalho mais citado, um do Centre for Economic Policy Research encarregado pola própria Comissom, estima um crescimento do PIB de 0’48% em 2027 no cenário mais ambicioso de eliminaçom de barreiras ao comércio. Supondo que se cumprem estas previsons, estamos falando dum impacto mínimo, um incremento de 0’48% num período de 10 anos.

Sem embargo estes estudos resultam pouco críveis porque se fundamentam nuns supostos fantasiosos. Assomem, por exemplo, que os possíveis efeitos negativos sobre o mercado de trabalho som temporários. No citado estudo do Centre for Economic Policy Research entre 430 mil e 1’1 milhons de pessoas perderám o seu emprego temporalmente mas volverám a empregar-se de forma quase instantânea.

No caso do Tratado de Livre Comércio de América do Norte entre Canada, EUA e México podemos ver como os estudos realizados ex-ante sobreestimárom o efeito positivo do TLCAN. É de sinalar que a metodologia empregada nesses estudos segue sendo a mesma que empregárom a maioria dos estudos sobre o TTIP que se utilizam para defendê-lo. Outra dos argumentos para defender estes tratados de “novo tipo” que incorporam mecanismos destinados a proteger ao investidor estrangeiro e que favorece a chegada de investimento estrangeiro. Sem embargo tampouco há provas que corroborem essa afirmaçom.

“Os estudos sobre o impacto do TTIP no PIB resultam pouco críveis porque se fundamentam nuns supostos fantasiosos”

Em que sentido é o TTIP resposta as necessidades do capitalismo trás a relativa perda de capacidade da OMC? E dizer, por que agora e que impacto se lhe aguarda em termos geopolíticos?

BV: O TTIP nom é capricho dumhas empresas malvadas ou duns políticos corruptos. Os tratados de livre comércio respondem à lógica do capitalismo. Nas economias capitalistas o Estado assegura no seu território o respeito às normas que garantem a acumulaçom de capital. A nível internacional, sem embargo, a insegurança é maior que no país de origem. 

O capital necessita instituiçons que permitam que a sua tendência à expansom se plasme na realidade minimizando os riscos de operar a escala global e nom unicamente a nível estatal. A Organizaçom Mundial do Comércio estava chamada a cumprir esse papel. Sem embargo a emergência de novos atores no cenário internacional (Sudáfrica, Russia, Brasil, outros países em América Latina,...) com posiçons nom subordinadas às de EU-EUA e os enfrentamentos por distintas matérias entre estes blocos nas negociaçons impedirom que concluísse com um acordo a Ronda de Doha da OMC. Neste cenário de fracasso nas negociaçons da OMC os acordos de livre comércio regionais convertérom-se na alternativa para garantir a expansom do capital. Ademais o TTIP tem também outra vertente, consolidar um polo económico e político que reforce o poder da UE e dos EUA a nível mundial, a sua capacidade para impor globalmente as normas que lhe interessam ao grande capital num momento em que potências emergentes começam a questionar a sua liderança internacional.

"O TTIP nom é capricho dumhas empresas malvadas ou duns políticos corruptos. Os tratados de livre comércio respondem à lógica do capitalismo"

CT: O miolo do TTIP é uma tentativa de reduzir a capacidade das economias emergentes, de dificultar a entrada na UE e em Estados Unidos das suas empresas e produtos. Nesse sentido, o TTIP é de facto uma espécie de NATO económica, que não promove sem mais um aumento das relações comerciais, senão que defende uma genuína guerra comercial de resultados imprevisíbeis.

“O miolo do TTIP é uma tentativa de reduzir a capacidade das economias emergentes”

Dentro de Europa, por que seria peor para as economias do sur, como a espanhola, a grega ou a portuguesa?

CT: Porque as empresas desses países são menos competitivas, pelo que têm mais difícil competir com as empresas norte-americanas, pelo que dificilmente vão poder beneficiar da entrada no comprado norte-americano, como sim poderão fazer as empresas norte-americanas ao poder penetrar mas facilmente no comprado europeu.

Detrás do TTIP estão empresas americanas e européias. A UE, diz Carlos no seu livro, não é modelo de nada. E a esquerda européia tende a idealizala enquanto ignora a autoorganizaçom, autogestom, democracia directa, o decrescentismo....

CT: É que eu penso que o TTIP provoca uma deturpaçom da realidade, pois assume-se que a UE é preferível aos Estados Unidos, e eu não digo que não o seja, o que acontece é que detrás disto há uma idealizaçom da UE que leva a pensar que é todo uma imposiçom de Estados Unidos, e não o é.

Num determinado momento, empregou-se uma estatística que concluía que nas reuniões de negociaçom do TTIP, 93 por cento dos participantes representavam em realidade as grandes empresas. Isso alimentou a superstiçom de que o 7% restante, que são sindicatos, ONG... eram contrárias ao sistema. Mas o que eu acredito é que essas entidades quizais questionam o regime, mas não o sistema de fundo.

"Há uma idealizaçom da UE que leva a pensar que é todo uma imposiçom de Estados Unidos, e não o é"

Um dos objectivos das empresas americanas é poder aceder sem restrições a contratação pública na União européia. Tal como se formula, permitiria eliminar qualquer consideração social ou ambiental ou medidas de reserva de contratos as empresas locais ou PME. De que maneira e com que impacto?

B.V: Nom só para as empresas estadunidenses, para a UE a abertura da contrataçom pública é um dos objetivos das negociaçons do TTIP, assim se explicita do mandato de negociaçom da UE. De facto na atualidade no caso da contrataçom pública a UE oferece umha maior abertura aos operados estadunidenses da que oferecem os EUA aos agentes comunitários.

Efetivamente com o TTIP persegue-se oferecer uma acesso irrestrito ás empresas comunitárias e estadounidenses a ambos mercados de contrataçom pública impedindo primar às empresas locais. Um acordo neste sentido afetaria nom só à contrataçom das distintas administraçom centrais senom também as administraçons locais. Embora os documentos oficiais da UE estejam inçados de boas palavras sobre a promoçom das pequenas e medianas empresas na realidade este acordo favoreceria a concentraçom do negócio nas empresas que operam a escala global, as grandes empresas transnacionais.

No seu artigo Carlos Aymerich evidencia ademais que o TTIP pode impedir que as consideraçons de carácter social ou ambiental se tenham em conta nos critérios de adjudicaçom de contratos primando unicamente o preço mais baixo ou a proposta economicamente mais vantajosa.

“Este acordo favoreceria a concentraçom do negócio nas empresas que operam a escala global, as grandes empresas transnacionais”

Trás parar-se o projecto de Corcoesto, Edgewater ameaça o Estado se não a compensa por perda de investimento. Que significa este exemplo no que diz respeito a defesa por parte do TTIP de uma sorte de direito das empresas a cobrar  do estado cando mudam as suas expectativas de benefício num projecto?

B.V: No seu artigo Alba Nogueira lembra-nos que Edgewater ameaça com demandar ao Estado Espanhol reclamando 20 milhons de euros pola cancelaçom dos seus direitos minérios. Esta demanda ampararia-se num tratado bilateral de investimento entre Panama e o EE.

No caso de que o TTIP contemple a possibilidade de que as empresas recorram à arbitragem multiplicariam-se as possibilidades de que as grandes transnacionais recorram a esta possibilidade, blindando assim as suas expetativas de lucros frente as açons dos governos para proteger os interesses sociais ou ambientais.

No que diz respeito a eliminação de aranceis e obstáculos não tarifarios no sector agroalimentario, produz-se um aliñamento de posturas entre a grande indústria americana e a européia mas, que impacto teria no produtor e no consumidor galego?

B.V: Ainda que as incógnitas que persistem sobre o possível acordo som muitas (concreçom dos possíveis produtos sensíveis, determinaçom das barreiras nom comerciais que se eliminam, como se concreta a aproximaçom regulamentar,...), os diferentes estudos realizados indicam que no caso de produzir-se umha reduçom substancial das barreiras tarifárias e nom tarifárias dos produtos lácteos e, especialmente, da carne e produtos cárneos, o impacto nos mercados comunitários desses produtos seria significativo. Dada a especializaçom ganadeira da agricultura galega a repercussom na nossa agricultura seria relevante.

O impacto nom se limitaria aos produtores senom que a eliminaçom de barreiras nom tarifárias teria consequências em âmbitos muito diversos afetando polo tanto aos consumidores e ao conjunto da sociedade comunitária. Poderiamos estar falando da utilizaçom de antibióticos, de hormonas ou de fármacos como a ractopamina no engorde animal, da autorizaçom de organismos geneticamente modificados, da autorizaçom de agroquímicos nas culturas, dos limites de resíduos permitidos nos alimentos, da normativa sobre bem-estar animal,... enfim um amplo abano de questons que poderia afetar de forma importante à segurança alimentar, ao meio ambiente ou a valores que como sociedade assumimos -bem-estar animal-.

"Dada a especializaçom ganadeira da agricultura galega a repercussom na nossa agricultura seria relevante"

E na energia? Pode prever-se a maior importação de petróleo e gás de Estados Unidos, onde se está a estender a prática do fracking.

C.T: E não só isso. Há uma terceira questão, que é que se se cumprem os prognósticos de crescimento anunciados pelos defensores do TTIP, a UE não vai satisfazer os compromissos que contraiu em matéria de luta contra a mudança climática, o qual nos colocaria numa situaçom muito delicada. As relaçons comerciais colocam-se por diante desses compromissos.

E que ocorre cos serviços financeiros?

C.T: O TTIP outorga garantias de benefício às empresas e não aos cidadãos. É um âmbito no que a legislação americana é mais séria que a da UE. Além disso, há quem intúe que no caso de quebra da zona euro poderia produzir-se uma dolarizaçom da economia da UE, e também é lógico pensar que o TTIP será um obstáculo maior dos de hoje para eventuais distinções entre dívida ilegítima e que não é.

No caso dos direitos laborais, estabelece remisións genéricas as normas da OIT. De que modo o TTIP poderia fazer que a normativa laboral que se aplique seja a pior para os direitos do trabalhador dos dois países que estabeleçam relação comercial?

B.V: Efetivamente as diretrizes para a negociaçom da UE remitem-se às normas laborais básicas da OIT da Declaraçom Internacional da OIT de 1998. Sem embargo estamos ante umha declaraçom que carece de força vinculante, apresentado-se como um simples recordatório. Ademais os EUA nom ratificárom a maioria dos convénios fundamentais da OIT.

Devemos ter em conta que nas citadas diretrizes para a negociaçom o apartado sobre o comércio de serviços remite ao Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços. Poderia-se desta forma abrir a porta à utilizaçom do denominado “modo 4” na prestaçom de serviços, é dizer, a utilizaçom do pessoal estrangeiro que o provedor do serviço considere necessário. Que condiçons laborais se lhe aplicariam a esta gente? As do país de destino ou as do país de origem? Isto poderia contribuir a baixar os salários e a piorar as condiçons laborais.

Lembremos que isto é o que procurava a directiva Bolkstein no espaço comunitário, ao que de facto se está introduzindo via sentenças do Tribunal de Justiça comunitário. Pensemos numha empresa estadunidense que gestiona um hospital privado. O modo 4 na prestaçom de serviços aplicando, se lhe interessa à empresa, às condiçons do país do origem poderia levar a traer trabalhadores dos EUA aplicando-lhes às condiçons laborais desse país se som mais vantajosas para a empresa.

Estados Unidos, comenta Carlos, não assinou a convençom sobre eliminaçom da discriminaçom das mulheres. Que impacto pode ter o TTIP na desigualdade de género?

C.T: As mulleres serán vítimas dos novos recortes que anuncia o TTIP, da precarización do traballo que se estenderá e probablemente do intento de impoñer un escenario legal como o norteamericano, que é máis negativo, polo menos formalmente, que o da UE en materia de dereitos das mulheres.

Em que consiste a arbitragem, como se aplica e em q sentido e um ataque não só contra a soberania dos estados, senão contra a democracia?

B.V: Os tratados de livre comércio de “novo tipo” estám incorporando um mecanismo de arbitragem investidor-estado. Trata-se dum mecanismo polo que os investidores privados poderiam demandar os Estados se entendem que os seus “direitos” som vulnerados. O investidor poderia obviar a justiça do Estado em questom e dirigir-se a um tribunal internacional. Nom se trata do que habitualmente entendemos por tribunais de justiça mas de tribunais privados formados por advogados dos grandes bufetes, um grupo muito reduzido de árbitros em muitos casos vinculados pola sua atividade às grandes empresas.

Neste tipo de acordos a interpretaçom que se está fazendo do conceito de ativo e dos direitos dos investidores é muito ampla, no extremo poderíamos dizer que consideram um ativo as expetativas de obtençom de lucros. Deste jeito achamos exemplos de grandes empresas transnacionais que demandárom a Estados por subir o salário mínimo, por entender que a normativa para autorizar fármacos é demasiado estrita, por limitar os lucros das empresas de sanidade privada, pola normativa meio ambiental, por sancionar a empresas pola sua contaminaçom reiterada, por obrigar às empresas que se beneficiavam dum determinado programa público a adquirir umha percentagem dos seus abastecimentos de provedores locais, etc.

Em Setembro de 2015 a Comissom apresentou umha proposta para que na vez dum mecanismo de arbitragem privado o TTIP inclua um denominado International Court System que os organismos comunitários qualificam de tribunal público. De facto o CETA, o tratado com Canada, foi modificado para incorporar esta ICS na vez do mecanismo de arbitragem que comtemplava inicialmente. Com esta proposta a Comissom pretende calar as críticas modificando um dos aspectos mais questionados do TTIP. Porém boa parte das críticas dirigidas ao mecanismo de arbitragem investidor-estado manteriam-se no caso deste novo mecanismo.

Estas reclamaçons questionam normas aprovadas democraticamente e ponhem em causa a capacidade dum Estado para decidir o tipo de sociedade que quer construir. Condicionam as políticas públicas e obstaculizam a adopçom no futuro de medidas que limitem o poder dos investidores, baixo a ameaça de demanda. Em definitiva limitam a soberania dos povos, o seu direito a decidir sobre os seus próprios recursos, reforçando o poder do capital para impor globalmente as normas que lhe interessam.

Ademais, diz Carlos no seu livro, é um “acordo vivo” que obrigará a que as leis futuras não contradigam o TTIP. Mesmo se abre uma porta, via sistema de arbitragem, para que os estados tenham que consultar com as grandes empresas as leis que queiram impulsionar, para não arriscar-se a que os demanden se as leis não lhes convêm a estas. Seria case como que fizessem as leis as empresas em lugar dos parlamentos.

C.T:  É um processo de reduçom dramática de uma soberania que já experimentara ataques anteriores, pois qualquer norma legal aprovada por um corpo legislativo teria que ser revista para avaliar se contradiz ou não o TTIP, o qual colocaria os poderes legislativos numa situaçom extrema de incapacidade.

Un cartaz contra o TTIP, durante unha sesión na Eurocámara CC-BY-NC-SA Parlamento Europeo

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