A outra cara do crescimento brasileiro: "A Copa e as Olimpíadas estão sendo aproveitadas para executar uma limpeza social das cidades"

Placa Cidade Olímpica – Porto Maravilha (Zona Portuária) © Paêbirú Realizações

Praza Pública conversou com Fausto Mota, Raoni Vidal e Henrique Ligeiro, realizadores do documentário "Domínio público: o país está em jogo", no qual se denunciam as manobras por trás das obras da Copa do Mundo e as Olimpíadas. "Os grandes investimentos para a Copa e as Olímpiadas proporcionaram os instrumentos necessários para os governos municipal, estadual e federal executarem o plano de limpeza social da cidade", afirmam a respeito da realidade que vive o Rio de Janeiro e que fazem extensiva ao resto do país.

O filme, que por enquanto é um curtametragem, já foi assistido por mais de meio milhão de pessoas e agora a produtora independente Paêbirú está arrecadando dinheiro atravês de uma campanha de crowdfunding para convertê-lo em longametragem e exibi-lo nas próprias comunidades afetadas, além de difundi-lo nas redes sociais e em parceria com os movimentos sociais. Desde esta mesma página é possível assistir o filme e aceder ao site de crowdfunding para apoiar o projeto.

Uma das coisas que mais chama a atenção no filme “Domínio público” é que se observa como diversos moradores expressam o seu medo a serem gravados.

É uma democracia sem voz, baseada no medo e na repressão violenta

A população carioca, principalmente a população que mora nas favelas, vive sob o regime do medo, seja do tráfico, da milícia ou da polícia. A violência contra o morador ocorre em qualquer uma das situações, com suas devidas peculiaridades. As pessoas têm medo de sofrer represálias por causa da expressão das suas idéias. É uma democracia sem voz, baseada no medo e na repressão violenta. Duas semanas atrás saiu uma notícia no Extra: “Quem vai pacificar a polícia?”, após mais uma morte de morador pela polícia do “atira primeiro e pergunta depois”. Basta forjar um ato de resistência, dizer que ele reagiu e o corpo nem passa na mão do médico legista.  Notícias de assassinatos por conta de milicianos a gente não vê mais. Antigamente era à luz do dia, mas depois de algumas prisões passaram a dar um sumiço bacana nos cadáveres: as estatísticas de morte diminuíram, mas o número de desaparecidos disparou no Rio de Janeiro.

Existe um plano de aproveitar as obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas para expulsar os moradores pobres de áreas que interessam às grandes imobiliárias?

Os grandes investimentos para a Copa e as Olímpiadas proporcionaram os instrumentos necessários para os governos municipal, estadual e federal executarem o plano de limpeza social da cidade

Os grandes investimentos para a Copa e as Olímpiadas proporcionaram os instrumentos necessários para os governos municipal, estadual e federal executarem o plano de limpeza social da cidade, onde a mando de grandes empresários, populações inteiras de favelas localizadas em áreas de interesse imobiliário estão sendo expulsas para periferias distantes, onde se pretende criar bolsões de miséria e violência em áreas dominadas pelas milícias e sem acesso decente a transporte, educação, saúde e mercado de trabalho. O Rio de Janeiro é uma das poucas metrópoles do mundo onde o pobre mora na parte alta da área nobre da cidade. Quem mora no morro, geralmente são os mais ricos, por causa da vista, como por exemplo Beverly Hills ou Bel Air. Basta observar a escolha dos locais destinados a receber as UPPs, que fica bem mais claro a motivação por trás da “pacificação”.

No documentário se faz referência às UPPs (Unidades Policiais Pacificadoras). Que papel estão tendo em todo este assunto?

O objetivo da polícia não é combater o crime e sim dar suporte para os investimentos e todo o processo de especulação imobiliária que está sendo realizado

As UPP’s representam o poder do estado nessas favelas onde o poder público esteve ausente por anos, dando segurança e suporte logístico para o processo de limpeza social que vem acontecendo nas comunidades do Rio de Janeiro. O mapa das UPP’s  é muito claro: as unidades se localizam em regiões de grande interesse imobiliário, em locais que receberão grandes investimentos, visando à Copa e às Olímpiadas. A intenção não é acabar com o tráfico, que continua agindo de forma discreta. Ou seja, o objetivo não é combater o crime e sim dar suporte para os investimentos e todo o processo de especulação imobiliária que está sendo realizado. Quando há qualquer tipo de resistência dos moradores às remoções, é a UPP que impõe o despejo.

Qual está a ser a reação das comunidades de moradores e que repercussão conseguiram até agora?

Algumas comunidades estão se organizando juntamente com associações de moradores, acadêmicos, comitês populares, organizações de defesa dos direitos humanos, defensoria publica, etc... para debater, pensar e lutar contra as remoções ilegais e as violações de direitos humanos. Este filme tem sido um importante aliado nessa luta, gerando grande polêmica e estimulando a reflexão. Mais de 500.000 pessoas já assistiram ao filme e diversos blogs, sites, movimentos sociais, sindicatos, ongs e até os hackers dos Anonymous divulgaram o vídeo.

Estamos perante um problema específico do Rio de Janeiro ou que afeta o conjunto do Brasil?

Em todas as cidades sede da Copa temos as mesmas características: remoção de comunidades, superfaturamento nas obras e contratos suspeitos com as empreiteiras

De jeito nenhum, em todas as cidades sede da Copa temos as mesmas características: remoção de comunidades, superfaturamento nas obras e contratos suspeitos com as empreiteiras. Assim como  os incêndios criminosos que vêm acontecendo em São Paulo em favelas situadas em região de grande interesse imobiliário, ou como o acarajé na Bahia, que pode ser proibido perto dos estádios através da “Lei Geral da Copa”, devido a um contrato de exclusividade de venda de alimentos  entre o McDonald’s e a Fifa. Os megaeventos apenas aceleram esse processo por causa da grande massa de investimentos que necessitam. O conceito de cidade-empresa onde o governo se transforma apenas num balcão de negócios para administrar os interesses dos grandes empresários não é exclusividade do Rio de Janeiro, nem do Brasil: percebemos essa lógica se repetindo em diversas cidades.

Partindo de que a Copa do Mundo e as Olimpíadas são uma magnífica oportunidade para o Brasil, qual seria a alternativa para que beneficiassem o conjunto da população brasileira?

A grande questão não é se a Copa e as Olimpíadas devem ou não acontecer. O que queremos é que sejam eventos pensados para benefício do povo brasileiro, com a participação dos vendedores ambulantes, com respeito aos moradores das favelas e aos índios da Aldeia Maracanã e com ingressos populares. O que não pode acontecer é o benefício de uma minoria de empresários envolvidos direta ou indiretamente com esses megaeventos. Os investimentos têm que gerar benefícios reais para a população, deixar um legado de fato, através de melhorias na infraestrutura da cidade, seja no transporte, na saúde, na educação, na qualidade de vida de todos e não de uma minoria rica. Ao invés disso, o dinheiro está sendo gasto para ”maquiar” a miséria aos olhos dos turistas.

Vocês fazem parte da produtora independente Paêbirú, que se caracteriza por realizar cinema de intervenção. Como levam em frente o seu trabalho?

Queremos transformar o filme num longa e exibir nas ruas, praças e favelas. Qualquer ajuda é bem-vinda!

Justamente por fazermos filmes de intervenção e denúncia da corrupção, é muito complicado conseguir financiamento através de leis de incentivo, editais do governo ou grandes empresas. Por isso buscamos o financiamento coletivo (crowdfunding) através do site http://catarse.me/dominiopublico, que tem sido uma importante ferramenta de resistência, apoiando projetos independentes que não seriam realizados de outra maneira. A população pode apoiar projetos em que acredita com doações a partir de 10,00 reais em troca de recompensas bacanas. Queremos transformar o filme num longa e exibir nas ruas, praças e favelas. Aproveitamos para chamar todos para fazer uma contribuição ao projeto Domínio Público: dia 16 de novembro é a data limite no Catarse! Qualquer ajuda é bem-vinda! Basta fazer um cadastro no site de forma rápida e segura. Se a gente não alcançar o valor total até o prazo, perdemos tudo que já conseguimos e o filme morre por aqui. Não deixem de participar, é muito importante.

O seu trabalho está muito vinculado aos movimentos sociais. Qual a fortaleza que têm hoje em dia esses movimentos no Brasil e a sua capacidade de influência e em que medida a web é essencial para esse trabalho?

Os movimentos sociais foram essenciais para “viralizar” o filme nas redes sociais. Porém, a capacidade de influência poderia ser maior se houvesse mais união entre esses movimentos. Eles não são articulados entre si, defendem interesses individuais ou de pequenos grupos e por isso não conseguem mobilizar uma grande quantidade de pessoas para protestar nas ruas. A internet é fundamental nessa articulação, pois as informações circulam livremente e em rede. Acreditamos nesse poder para divulgar e chamar a atenção da sociedade sobre o tema com nosso filme, e quem sabe gerar um debate e reflexão que articule melhor os movimentos sociais. Nossa distribuição é livre e o vídeo está disponível para download. Assistam e repassem para sua rede de contatos.

 

Victor Zaiden e Henrique Ligeiro (Mirante Dona Marta) © Paêbirú Realizações

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