Internacionalismo carcerário

“Os reclusos são… outro povo num mesmo
povo que tem os seus hábitos, os seus
instintos, as suas costumes à parte”.

J.J. Marquet-Wasselot, L’ethnographie des prisions

Insistia  Claude Lévi-Strauss em que os objetos de estudo da antropologia se devem procurar na lixeira da história. A lixeira da história somos nós, tribos dos cárceres, indígenas e nómades de Europa, superviventes das ruínas do socialismo real, mutilados dos valados de Ceuta e Melilha, caçadores-recoletores da megalópole digital, okupas e expropriadores do latifundio das estrelas. Aquí “não há noites –escrevera o Veiga Leitão- porque as noites têm estrelas”.

O Ruslan emigrou de Kiev a Málaga para trabalhar na construção, mas antes morara em Donetsk com uma namorada. “Hoje proclamaram a República Popular de Donetsk, Ruslan”. “merda de sítio. Ali só há minas de carvão”.

O Mohammed é amazigh e a sua família vive em Alger. Às vezes brincamos com o ‘afrancesamento’ de Zidane e as suas origens amazigh. O Mohammed já sabe o que é chamar a casa com o coração num punho porque os militares disparam perto da sua casa ou uma bomba explode no mercado.

O Fathi marchou de Teerã pouco depois da chegada de Jomeini. Quando lhe deram a liberdade herdei a sua cela, e ele levou uma edição em galego de Persépole que o emocionava muitíssimo. A Inquisição ocusava-o de colaborar com os Tamil Tigers, e como isso não tinha pés nem cabeça, passaram a acusá-lo de ajudar a Yijad Internacional de Paquistão, e como não havia nem o mais mínimo indício, ramataram por soltá-lo após um ano de cárcere sem julgamento. Precisamente nestes dias o exército cingalês celebra a “operação humanitária” de 2009, em que massacrou 100.000 Tigres Tamil para dar passo a uma orgia de violencia contra as mulheres.

Em Havana as FARC e o Governo de Santos avançam no processo de paz. O Andrés, nado em Pereira mas que também morou em Medellín, descobre o significado do “morrinha” contando-me que há muitos anos estivera nas festas de Bouças. Sai-lhe Galiza polos olhos.

Em Havana as FARC e o Governo de Santos avançam no processo de paz. O Andrés, nado em Pereira mas que também morou em Medellín, descobre o significado do “morrinha” contando-me que há muitos anos estivera nas festas de Bouças. Sai-lhe Galiza polos olhos.

O Eneko, recém extraditado dum presídio londinense, ensinou-nos no isolamento de Soto del Real a jogar pelota vasca. Acusam-no de querer adiantar uns anos a abdicação do Bourbon.
Em Valdemoro o Li fazia tai-chi com o Andoni no pátio, lia libros de taoísmo e machacava-me ao xadrez. Há justamente 25 anos iniciou uma fuga sem retorno que ainda não rematou: escapou dos tanques de Tianamen, atravessou Oriente Meio, exilou-se em Barcelona…

O Turco conhece bem as Rias Baixas. Falamos do inesquecível Dépor-Galatasaray, que ele viu em Riazor. E entre futebol e futebol, diz-me com sorriso de pilhavão: “No meu país ganham os teus”. O Partido para a Paz e a Democracia (BDP, marca eleitoral do PKK) vinha de arrasar nas eleições municipais no Curdistão Norte.

Também ganham os de Juan Ramon. Em El Salvador o novo presidente é Sánchez Cerén, exguerrilheiro do FMLN, com o que Juan Ramon combateu seis anos. No ato de investidura, o agora Felipe IV tem que passar o mal trago de ter que compartir presença com a delegação abertzale. Na terra de aquém-mar de Juan Ramon, a aldeia gaulesa de Etxarri-Aranatz, também ganham: a consulta popular pola independência de Euskal Herria salda-se com mais participação que no referendo constitucional de 1978, e 95% de votos a favor. A Guarda Civil chamaria posteriormente três vizinhos e o dono do local onde se colocaram as urnas –desconheço se os TEDAX procederam à sua desativação.

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