Fim de ano com simpósio feminista

Acaba de sair o livro Galiza, um povo sentimental da professora Helena Miguélez que lecciona na universidade Bangor, País de Gales. A obra, que despertou expectaçom entre os observadores mais atentos do acontecer cultural da Galiza, foi traduzida e publicada pola Editorial Através depois de ter sido rejeitada polas editoriais galegas mais conhecidas. Circunstáncia talvez, mais significativa do que anedótica.

Parabéns à Através pola iniciativa de publicar um livro de análise cultural que provavelmente nom vaia encabeçar a lista dos mais vendidos mas que está chamado a ser provavelmente obra de referência no viçoso campo da crítica literária galega.

Comprei o livro junto com outros como provisom de leitura para os dias da virada de ano na aldeia. Lim-no decontado. Alguns jornais dérom conta da apariçom da obra e notícia da sua apresentaçom em diversas localidades. Em Santiago, anunciou-se a apresentaçom na Gentalha do Pichel na segunda, dia 29 de Dezembro, polo serão. Alá fum.

A sala estava cheia quando eu cheguei e seguia entrando gente. Na mesa, a autora acompanhada de Maria do Cebreiro e nas primeiras filas, gente de altura, como Valentim Fagim e Miguel Penas. Procurei acomodo atrás, e lá topei com caras conhecidas da república filosófica e literária: o filósofo compostelano Ignácio Castro, o editor de Axóuxere, Roberto Abuin, e o professor Arturo Casas. Companhia de qualidade para um simpósio de fim de ano.

Quem di que a cultura esmorece por desinteresse? Persoalmente observo montes de criatividade cultural e moreias de cumplicidade polo país adiante

Abriu o acto um diálogo descontraído sobre os quês e porquês do livro entre Maria Rábade e a autora que deu passo decontado ao colóquio geral no qual nom faltárom vozes procedentes da regiom filosófica em que me situava. Nom faltou também a dose de brincadeira amistosa: eu que ainda nom lim o livro, queria saber...eu que já lim o livro opino...eu que levo o livro mediado... Surpreendente a nutrida concorrência em dia feriado de fim de ano. Quem di que a cultura esmorece por desinteresse? Persoalmente observo montes de criatividade cultural e moreias de cumplicidade polo país adiante. Afinal vai resultar que o que esmorece é a cultura baixo pálio.

Quanto ao livro, quê dizer? Talvez seja melhor convidar qualquer interessad@ a umha atenta leitura para tirar conclusons próprias. Estamos diante de umha rigorosa e provocativa pesquisa académica que pode irritar algum espírito sensível. O primeiro comentário que lim sobre o livro foi em Praça; ia assinado por um incógnito populistadeesquerda que proclamava sem titubeio que “o problema do nacionalismo galego de esquerdas é a sua teima de capar o homem”. Num país como Espanha, com 51 mulheres assassinadas em 2014, o comentário nom parece o mais equánime possível. O teclado nom tem cancelas.

O livro de Helena Miguélez é um valioso contributo à crítica literária e ao debate do processo de formaçom do imaginário colectivo galego, esse veículo de estereótipos e pensamento automático. A ousadia descontraída da autora opera sem receio de códigos tribais e áreas restringidas a aderentes. Observem senom a desconstruçom de Carvalho Calero sob um trevom de frechas disparadas pola Diana caçadora de estereótipos ondce ecoa a arrogáncia varonil. Significativamente, o juízo sobre Murguia denota cautela. Nom sem motivo, Murguia e Rosalia guardam enigmas irresolutos na sua discreta grandeza. A cantora e o aguerrido patriarca da Cova Céltica resistem abordagens unilaterais.

A tese do livro é explícita: a imagem projectada, admitida ou tolerada, sobre a singularidade cultural galega pretendeu difundir um estereótipo da Galiza desenhado para impedir a insurgência política galega, na esteira catalanista. Umha operaçom de hegemonia centralista articulada através dumha cadeia conceitual que parte do celtismo emergente para ramificar-se depois em múltiplas direcçons de signo degradante como a atribuçom feminizante, o refúgio reactivo na paisagem nativa, branda e maternal, a submissom e afinal de sentimentalismo congênito. A Geraçom de noventa e oito proveu de textos em abundáncia.

Nom obstante, o celtismo foi umha fonte generosa de mitologias fundacionais no processo de nation building de toda a Europa que encontrou na Galiza um douto e rejo patrocinador em Manuel Murguia. Mitologia potente e ambígua ao mesmo tempo. Junto do celta indómito e invicto, do gaulês moribundo de torque ao pescoço, há também o bardo e o druida que rememoram glórias passadas: umha épica crepuscular ressuscitada polos cantos ossiánicos de Macpherson que prendérom na imaginaçom romántica. Mito fundacional de resistência, épico e lírico ao mesmo tempo, o celtismo foi, sobre todo, um campo de confirmaçom na singularidade: Galiza céltica, Galiza diferente.

Mito fundacional de resistência, épico e lírico ao mesmo tempo, o celtismo foi, sobre todo, um campo de confirmaçom na singularidade: Galiza céltica, Galiza diferente

Um livro nascido na disciplina universitária há-de contar com um quadro conceitual preciso e um repertório de fontes completo. A perspectiva analítica adoptada por Helena Miguélez inscreve-se num dobre eixo interpretativo explícito: "pós-colonial e feminista”.
Mas, igual que na retórica celtista, os adjectivos “colonial” e “feminista” que guiam o discurso da autora, tenhem umha forte carga metafórica e estám inevitavelmente lastrados de ambiguidade conceitual.

Colonial e pós-colonial, som categorias escorregadias, tomadas em empréstimo da gíria política dominante no nacionalismo galego do pós-franquismo. A consagraçom política do conceito é um híbrido teórico mal soldado entre as categorias de colonialismo interior (simples metáfora do regionalismo antiparisino cunhado polo linguista Robèrt Lafont) e do colonialismo clássico, revitalizado por Lenim e actualizado pola potente vaga dos movimentos descolonizadores de libertaçom nacional. O primeiro conceito foi importado por Beiras (1972), o segundo, pola UPG (1964-1982).

O uso metafórico ou desleixado da família semántica colonial nom contribui a dotar de claridade a dialéctica dominante-dominado que se pretende revelar. Colonialismo? E porquê nom subordinaçom, ou dependência ou opressom nacional sem mais? A provisom de hierarquias foráneas pola Igreja e a Monarquia hispánicas som exemplos flagrantes do exercício do poder absolutista, muito mais próximo da política hierárquica vaticana que dos modos do rei Leopoldo II de Bélgica na sua finca privada do Congo. A precisom analítica pode agudizar o discurso debelador do poder.

O fio condutor da revisom crítica de Helena Miguélez é o discurso feminista actual de crítica política à estratificaçom social, ao poder hierárquico e à épica da acumulaçom e do sucesso social. Mas, qual feminismo? Há-os propositivos e de raiz emancipatória como a tradiçom sufragista, reivindicativos da igualdade social e a equidade distributiva de tarefas e há também feminismos de signo reactivo e auto-referencial que gostam de exibir a diferencia – corpo e fisiologia – como bandeira de protesta ou singularizaçom. Feminismos produtivos, centrados na organizaçom social, e reprodutivos que magnificam a diferença biológica; feminismo que disputam a pólis ao varom e feminismos que preferem demarcar a área do gineceu. Nom está claro que sejam totalmente compatíveis. No texto assoma mais de um feminismo.

A olhada permite-nos compreender melhor esta singular naçom atlântica que somos; permanentemente empenhada em descobrir o autêntico nome da sua singularidade

Celtismo, colonialismo, feminismo som categorias que ordenam a nossa mente em quadros interpretativos mas que podem distorcer em casos a precisom argumental.

Helena Miguélez-Carballeira, Senior Lecturer in Hispanic Studies na Bangor University de Gales lança no livro umha desafiante proposta para ler Galiza com olho crítico feminista. A olhada permite-nos compreender melhor esta singular naçom atlântica que somos; permanentemente empenhada em descobrir o autêntico nome da sua singularidade. Um potente discurso para saber melhor quem somos.

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.