Galegos no Jornal de Letras!

Há anos que sou assinante do JL e nunca como esta semana passada pude comprovar a presença de galegos no quinzenário, com uma longa entrevista a Ângelo Cristóvão e um artigo de página inteira do Carlos Quiroga. Para além de esporádicas referências à participação do mesmo Quiroga na Correntes d' Escrita(s) da Póvoa do Varzim e outras do Elias J. Torres Feijó em representação da Associação Internacional de Lusitanistas, raro é achar nomes de galegos ou dados sobre as nossas atividades. Mas no número 1155 algo mudou, se calhar.

Foi efetivamente a Lei Paz-Andrade que pus as antenas lusas em alerta, e assim lemos o Cristóvão afirmar que a nova lei visa: «promover a língua portuguesa no sistema de ensino galego; estimular a produção e o intercâmbio de conteúdos em português nos meios de comunicação da Galiza; e integrar essa comunidade autónoma no espaço lusófono, nomeadamente na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Eis as três principais "linhas de trabalho" da lei para o Aproveitamento da Língua Portuguesa e Vínculos com a Lusofonia, também chamada lei Paz-Andrade, aprovada, por unanimidade, no Parlamento galego, em abril passado. Um consenso "histórico" que assinala um ponto de viragem na política linguística do governo galego...». Entendo que o Cristóvão esteja a celebrar o fato, e entendo que deva falar em positivo porque é sem dúvida um passo no caminho certo da dignidade da nossa língua e até da nossa cultura sabermos integrá-las entre os frutos a que deu lugar e que hoje enfeitam o mundo.

Mas uma atitude positiva deste governo a respeito da língua da Galiza é talvez a coisa mais incerta que se possa imaginar; nem souberam cumprir a Lei de Normalización Lingüística do galego, que eles aprovaram sem reparos, nem calculo que vaiam impulsar esta outra sobre o português, uma vez que eles trabalham, como fizeram sempre os seus referentes ideológicos, para o submetimento das culturas periféricas e em favor duma católica nação espanhola unida sob o jugo da língua de Castela, e claro, o português é para eles uma língua estrangeira muito menos relevante que o inglês, o francês, o alemão, o chinês... Ao interesse pelo português chegavam se fossem simplesmente algo galegos, se procurassem dentro de si um resto dessa galeguidade que no dia a dia detestam, menosprezam ou eludem, e se não pensassem, como os abutres de Madrid, em depredar uma periferia que na realidade deviam entender como centro da sua vida e do compromisso com o povo. Mas o Cristóvão hoje celebra e faz bem, eu também celebro que alguns duros esforços deram fruto, e que por uma vez o sentido comum foi espalhado na terra. Ajudaremos, tudo quanto pudermos, a regar a semente.

É inusual que galegos apareçam no JL, e não é culpa do quinzenário. Embora exista uma alargada tradição de galeguistas que reivindicam a nossa genética lusófona, a cara que mostramos em muitas ocasiões é a máscara da espanholidade. São mesmo as nossas instituições, herdeiras duma transição ditato-democrática que têm um vínculo com Espanha que se traduz por regra em autêntica vassalagem. Por isto não surpreende a referência explícita à coroa espanhola no nome dalguma das principais instituições culturais, nem que a nossa língua se escreva com os grafemas do castelhano, nem que nossa História se veja sempre dependente da de Espanha, etc... Assim as coisas, somos de tal modo, em muitas ações, uma colônia espanhola que não é de estranhar, imersos como estamos no mercado literário espanhol, que um periódico português não nos considere alvo habitual.

Existe, ademais de no plano institucional, uma área relevante da intelectualidade galega que vive feliz longe da lusofonia, saboreando aqueles enxebrismos que possam ainda achar na floresta da nossa sociedade, como se fossem estranhos e prezados cogumelos desconhecidos para o mundo que se diluem nas suas bocas como uma essência só revelada aos espíritos puros, ou os tocados pela graça do verdadeiro patriotismo. Estes também não farão nada pela nova lei.

Ainda, há intelectuais pouco intelectivos mais muito produtivos, que trabalham sem pausa por acrescentar a sua obra e por multiplicar o seu nome pelo espaço cênico da cultura adiante. Semelha que pretendem alimentar a sua vaidade mediante ações públicas constantes no mundo literário, no político ou no dos direitos sociais. Estes, tenho para mim, são os mais pragmáticos, e depois de ter-se acomodado na galeguidade mais ortodoxa não vão arriscar suas cadeiras por uma lei que dispara para o céu, ou para além-Minho, que para o caso é o mesmo.

Por tudo isto, a nova Lei nasce para bem mas num tempo rijo, sem recursos e que tem por costume esquecer-se de alimentar os direitos que traz ao mundo. Mas é evidente que com o seu nascimento se revela uma verdade ocultada premeditadamente durante demasiado tempo, e que faz referência a um tesouro que todos os galegos e galegas devíamos acarinhar, amamentar e cuidar para assim todos nos sentirmos da mesma família, numa irmandade que talvez unicamente a língua é capaz de catalisar.

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