Grécia, Thatcher e o fim da história

Na Grécia aprovarom-se já três “memorandos de acordo”, mediante os quais os governos gregos se comprometiam a aplicar as medidas anti-populares ditadas pola troika em cada momento. O primeiro deles foi aprovado em 2010 no parlamento grego com 172 votos a favor (de 300). O segundo, em 2012, obtivo 199. O último, nesta mesma semana, obtivo 229 votos afirmativos, e por primeira vez contou co apoio da maioria de representantes de SYRIZA junto aos dos partidos neoliberais. Chama a atençom que medidas cada vez mais agressivas coa maioria social e sem apoio popular significativo contem com um crescente sustento parlamentar, o que dá a medida da desconexom absoluta entre a vontade popular e quem di representá-la nas instituiçons. Mas o que mais está a surpreender estes dias em relaçom a momentos anteriores é a atitude totalmente diferente que está a manter boa parte da esquerda, a começar pola que nuclea o governo grego e toda aquela que a apoia no resto da Europa. Como se explica umha reaçom tam morna neste caso quando foi tam contundente em outras ocasons em que se aplicarom medidas desse tipo? A resposta é bastante triste: foi-se impondo até tal ponto um falso “realismo” nesses setores que hoje está mais consolidada que nunca a máxima acunhada por Thatcher hai 25 anos: “There is no alternative”. De feito, lendo os últimos dias as afimaçons de gente em aparência pouco seguidora das teses Fukuyama, poderíamos pensar que estamos perto já desse “fim da história” do que ele falava para tentar dissipar qualquer tentaçom de questionar a orde dominante após o fim da URSS. A consigna (auto)justificadora é basicamente essa: nada diferente se pode fazer.

Nom surpreende ninguém que os partidos do consenso neoliberal assumam esse discurso, mas é especialmente doloroso ouvir os mesmos argumentos por parte de quem se di de esquerda, mesmo de esquerda radical. Nestes dias nom deixamos de ler explicaçons (mais bem justificaçons) que nom se movem um milímetro desse argumento: “nom hai alternativa”, e portanto Tsipras tivo que ceder porque nom lhe quedava outra opçom.

Se a esquerda nom tivo -logicamente- comiseraçom algumha com -por exemplo- Zapatero quando optou por incumprir o seu programa e obedecer os ditados da UE e o FMI, por que se supom que agora deveríamos ser mais benevolentes con Tsipras e o seu governo?

Tal atitude tem difícil sustento. Se a esquerda nom tivo -logicamente- comiseraçom algumha com -por exemplo- Zapatero quando optou por incumprir o seu programa e obedecer os ditados da UE e o FMI (com a reforma constitucional ou a reforma laboral de 2011 como exemplos mais claros), por que se supom que agora deveríamos ser mais benevolentes con Tsipras e o seu governo? O certo é que a argumentaçom de um e outro é bem similar, se nom idéntica: nom podemos fazer outra cousa, som medidas nom desejadas mas as demais possibilidades seriam muito piores. Agitar o medo ao desconhecido para seguir fazendo-nos tragar a medicina neoliberal é umha táctica habitual da direita, e agora sabemos que também é utilizável por quem se di de esquerda.
Frente a essa propaganda da derrota, o primeiro passo para começar a reconstuir alternativas a este dessolador panorama será deixar de tratar a Tsipras como umha vítima. Sobretodo porque para o seu povo a partir de agora vai exercer o papel de verdugo, e portanto haverá que atuar em consequência.

O valor de um “όχι”

Depois da clara vitória do  “nom” no referendo, muitos sectores da esquerda (tanto dentro como fora de SYRIZA) interpretárom a mensagem e exigírom do governo que atuasse em consequência, obedecendo o mandato popular, cumprindo o seu programa e mesmo radicalizando a sua política no confronto com as instituiçons europeias e o FMI. Porém, e já desde antes da votaçom, parecia provável que umha vitória do “nom” no referendo grego ia ser interpretada polo governo como um mandato negociador para tentar lograr um “bom acordo” coas instituiçons no marco do Euro e da UE, é dizer, na enésima procura da quadratura do círculo. Assim o explicitou o próprio Tsipras, o que deixava claro que o objetivo para ele nom era outro que poder negociar desde umha posiçom de força. O certo é que finalmente nom existiu tal força e o que se consegui foi um acordo ainda pior que a proposta massivamente rejeitada nas urnas. Este possível desenlace foi adiantado por forças como o KKE, mas era facilmente imaginável para qualquer observador nom cegado polas luzes do último fenómeno político de moda. De feito, a própria Plataforma de Esquerda de SYRIZA (com importante peso na sua base) ou outras forças anticapitalistas como ANTARSYA alertárom também contra as tentaçons (pronto consumadas) de converter o “nom” num “si”. Ao mesmo tempo, chamavam na campanha a converter esse “nom” à proposta austeritária num “nom” às próprias instituiçons europeias que tenhem demostrado servir exclusivamente os interesses do grande capital.

Apesar de todas as interpretaçons posteriores e da gestom guvernamental, é óbvio que quem votou “nom” fijo-o fundamentalmente para rejeitar à austeridade, e que o resultado foi umha expressom coletiva de rebeldia e de vontade de soberania real frente às imposiçons. Um voto que supujo umha claríssima polarizaçom de classe (e mesmo geracional), como se comprova analisando os resultados. Foi, portanto, umha vitória popular, ainda que haja que considerá-la na sua justa dimensom. O desenvolvimento posterior dos acontecimentos nom muda nada isso. É inegável que o cenário em caso de ter ganhado o “sim” seria ainda pior ao atual, de derrota quase absoluta para o povo grego. Hoje, com o aval massivo do referendo, a legitimidade popular para combater as imposiçons da troika (e agora também do governo) é indiscutível. Rebelar-se sempre é justo, mas é-o ainda mais sabendo que umha maioria social já tem expressado, mesmo polas vias que habilita o próprio sistema, qual é a sua vontade, ainda baixo a mais brutal ameaça e chantagem. Umha chantagem à que nom quijo submeter-se um povo digno, mas sim, tristemente, o seu governo.

Depois da traiçom da vontade popular, o cenário segue aberto e a partida está longe de rematar, porque parece pouco provável que Tsipras poda seguir governando contra o seu próprio programa

Depois da traiçom da vontade popular, o cenário segue aberto e a partida está longe de rematar, porque parece pouco provável que Tsipras poda seguir governando contra o seu próprio programa em base à atual coaligaçom. Na votaçom para aprovar o memorando, 39 representantes de SYRIZA romperom a disciplina de voto. O mesmo dia, a maioria (109 de 201) de membros do Comité Central assinárom um documento contra o acordo e pedindo umha reuniom extraordinária. Com esta insustentável situaçom, em breve saberemos se vamos a um cenário de nova coaligaçom (o que implicaria umha espécie de governo de concentraçom ou mesmo presidido novamente por um desses chamados “tecnócratas”) ou a umhas novas eleiçons a curto prazo. Em qualquer caso, umha ruptura de SYRIZA e umha recomposiçom no campo da esquerda parece mui provável, veremos em que forma, de que dimensom e em que coordenadas.

O que aprendemos

Se algumha liçom podemos sacar do processo grego, nom é precisamente o citado “fim da história” e a carência de alternativas. Mais bem, o que se constatou foi o fim da ilusom agitada por essa esquerda “europeista” que clamava polo retorno a un lugar que nunca existiu: umha mítica UE democrática e social garante das liberdades e a justiça. O certo é que se nos estados capitalistas europeus existírom certos direitos que estám a ser desmantelados nom foi pola existência da UE, mas ao contrário, apesar dela (e por umhas correlaçons de forças internas e externas que já nom existem). Isto tinham-no claro desde o primeiro momento os actores da esquerda anti-UE (valga a redundáncia) tanto na Grécia como fora dela, que já alertavam de que a estratégia do governo de Tsipras só podia levar a um beco sem saída.

A virtualidade pedagógica de todo o que está a passar na Grécia é justo essa: agora fica todo bastante mais claro, quando menos para quem quiger vê-lo. Nom se pode ser pro-euro e anti-austeridade ao mesmo tempo. Sair da eurozona, deixar de pagar a déveda ilegítima e desobedecer os tratados europeus já nom som só opçons -mais ou menos arriscadas- para a esquerda, som hoje umha imperiosa necessidade, polo menos se quere ser digna de seguir a levar tal nome. Som condiçons mínimas necessárias -mas nom suficientes- para começar a pensar e construir umha sociedade diferente.

Justo essa é a linha que hoje, na Grécia em toda a Europa, delimita a capacidade transformadora dum projeto de esquerda: a atitude ante a UE e a correta definiçom do seu carácter intrinsecamente antidemocrático e antipopular.

Sim que hai alternativas

Ante esta necessidade -e urgência- de propostas audazes, o que mais indigna dos propagandistas da resignaçom é o seu argumento de que qualquer via alternativa, nomeadamente a ruptura co euro ou coa UE, levaria ao desastre. E indigna porque parecem ignorar que o povo -e o grego em particular- já leva bastantes anos sofrendo um desastre que agora vai afondar-se ainda mais.
Os argumentos para negar qualquer alternativa som basicamente dous, vinculados entre si: por um lado, que supostamente umha maioria social apoia a permanência do euro. Por outro, que umha ruptura implicaria consequências catastróficas para a economia.

Sobre o primeiro, dizer que a suposta impopularidade do “Grexit” (ou da saída de qualquer outro país da eurozona) nom deixa de ser um argumento cíclico por parte de quem se negou durante os últimos anos a falar-lhe ao seu povo da possibilidade de ruptura e que agora justifica-se dizendo que “a gente nom apoia isso”. Se a imensa maioria de meios e partidos (também os de esquerda) insistem todo o tempo em que nom hai caminho possível fora da unión monetaria, é lógico que socialmente essa nom seja ainda umha possibilidade assumida de forma maioritária. O apoio social consegue-se com pedagogia, algo que se evitou fazer durante todo este tempo, particularmente desde o governo quando se tivo a oportunidade. Apesar disto, cumpre ter em conta que a maioria que votou “nom” na Grécia era consciente de que a vitória da sua opçom podia supor a saída do euro, e isso nom modificou o resultado.

Cumpre ter em conta que a maioria que votou “nom” na Grécia era consciente de que a vitória da sua opçom podia supor a saída do euro, e isso nom modificou o resultado

Quanto às consequências na economia, é certo que umha saída do euro implica muitas dificuldades e novos reptos com os que haverá que lidiar, especialmente se tiver lugar de forma desordenada. Em qualquer caso, hai já umha diferença de raiz entre transitar um caminho soberano e um baseado em imposiçons das grandes potências imperialistas e corporaçons económicas. Só por isso merece a pena tentá-lo. De qualquer modo, cumpre dizer que se nom houvo medidas prévias que preparassem essa saída mais ou menos planificada do euro para reduzir os seus custes, é também por responsabilidade exclusiva de quem bem podia ter previsto que acabaríamos chegando a este ponto. Neste sentido, é de interesse o debate que o Partido Comunista Português está a desenvolver e propor ao povo português nos últimos anos, socializando a necessidade de ir planificando essa saída “ordenada” para minimizar os seus custes.

Mesmo no seio (polo menos de momento) de SYRIZA, foi apresentada por parte da Plataforma de Esquerda umha alternativa à aplicaçom do novo memorando, que parte logicamente da necessidade da saída do euro, mas considerando-o o ponto de partida para um caminho de desenvolvimento alternativo que contempla medidas imprescindíveis nesta altura como a socializaçom do sistema bancário, a recuperaçom do investimento público ou umha política focada à recuperaçom produtiva do país. Independentemente da valorizaçom que cada quem faga sobre as vias alternativas, o que nom se pode negar é que estám sobre a mesa, algo que se chegou a negar estes dias. Querer transitá-las ou nom já será questom de vontade política.

Historicamente, a esquerda só avançou quando foi capaz de sobreporse ao medo e à resignaçom. Quando deu passos cara à frente e se atreveu a abrir novos caminhos, a sair-se da rota marcada e, por que nom, adentrar-se também no desconhecido.

Ou inventamos, ou erramos”, deixou escrito o venezuelano Simón Rodríguez, mentor de Bolívar. Por aqui parece que boa parte da esquerda prefere disfraçar-se, render-se, ou até suicidar-se antes que inventar. Num momento em que o eurocentrismo, que tanto mal fijo historicamente à esquerda, parece golpear com novas forças em forma de absurdo europapanatismo, fai-se mais necessário que nunca olhar para outros continentes onde sim som capazes de trazar alternativas fora dos consensos “realistas” que impom o sistema.

Por suposto, a história nom rematou, pois som os povos quem a escrevem. Como o povo grego, que sai de novo à rua estes dias para botar abaixo as medidas do seu falso “governo de esquerda” e para berrar contra a resignaçom e contra as vias de sentido único que só contemplam o futuro nos marcos do capitalismo e as suas instituiçons.

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