Nova política e nacionalismo

Estranho ano este de 2016 que apontava para mudança política e consolidaçom económica e acaba anunciando novas eleiçons, num mapa quadripartido com aparências de permanência, e reiteraçom da consabida receita de austeridade e corte de gasto social emitida pola autoridade competente. A sociedade está cansada, o estamento político exausto enquanto na Galiza, o nacionalismo esmorece. Qual é o mapa de possibilidades políticas em que nos movemos?

Lia eu nestes dias um excelente manual1 sobre as políticas económicas na Espanha; afinal, neoliberalismo frente a social-democracia. O livro propom, já de entrada, um sólido esquema interpretativo das opçons políticas em pugna em formato triangular com os vértices nos princípios da revoluçom francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Resumirei o esquema num quadro de dupla entrada para melhor compreensom.

O trilema da política económica

  Valores Justiça Objectivos Médios
Liberalismo Liberdade Procedimental Eficiência Mercado (Dinheiro)
Socialismo Igualdade Equidade Legitimidade Legalidade (Estado)
Comunitarismo Solidariedade Reciprocidade Sustentabilidade Sociedade civil

 

Os autores inscrevem ainda, dentro do triángulo equilátero com vértices no liberalismo, socialismo e comunitarismo, um outro interior que denominam social-democracia e que limita com os três anteriores. O campo de possibilidades da social-democracia fica, em consequência, em permanente confronto com o liberalismo, o socialismo estatalista e o comunitarismo cívico. O comunismo, como podemos observar, desaparece do campo de possibilidades reais.

Se fazemos abstracçom das opçons utópicas, tam inspiradoras como irrelevantes na agenda política ordinária: o comunismo, o altermundismo, o decrescentismo, o ecologismo; o repto a que se enfrenta qualquer formaçom política nom é outro que o de tentar governar o presente para configurar o futuro; em tal perspectiva, a tarefa passa por formular programas precisos, datados, orçados e submetidos a juízo eleitoral.

As imprecisas ladainhas em favor das “classes populares”  redenominadas agora “gente”  e dos direitos colectivos requerem nestes momentos formulaçons explícitas e quantificadas aptas para entrar em debate, negociaçom e verba orçamentária, sob pena de incorrer em irreleváncia por falta de credibilidade social. A centralidade, o realismo político, é um requerimento incontornável dumha sociedade cada vez mais informada. A gesticulaçom e o impropério barato apenas servem para animar à militáncia política mais obtusa. Para fazer história é preciso governar e para governar é preciso ganhar credibilidade social. Gramsci denominava esta exigência “hegemonia política”: umha espécie de tributo da política à rua do qual só podem prescindir as filosofias insurreccionais ou milenaristas que infelizmente persistem na esquerda intemporal que nos pastoreia.

A força política emergente, Podemos, compreendeu bem a impossibilidade de fazer política em Espanha sem ganhar hegemonia, conceito que os seus dirigentes conhecem bem. Em consequência procedeu a substituir habilmente a retórica de classes polo conceito abrangente de “gente” e a incorporar a variável da consciência nacional ao seu discurso político nos territórios onde esta é operativa, como Catalunha e Valência, Euskádi ou Galiza, designados agora “sujeitos políticos” com “direito a decidir” para evitar terminologias mais conflituosas. Um bom exemplo de pragmatismo, camaradas.

O assunto é que o espaço da esquerda nacionalista segue ostentando o papel arbitral em torno ao qual gira qualquer possibilidade de reconfigurar o mapa político galego. A dinámica aberta polos meteoritos políticos desprendidos do BNG e o papel central ocupado por umha força tam frágil e instável como Anova confirma-o de sobejo.

O bipartidismo declinante carece em cámbio de qualquer programa que nom seja o da sobrevivência, num campo minado por baronias, cum olho em Madrid, fonte de todo poder, e outro nos cubículos onde acampam os fugazes caudilhos domésticos: Baltar e Caballero nos tempos que correm.

A actualidade política galega passa inevitavelmente polo convulso meridiano nacionalista. Ao começo de 2012, o BNG entrava num processo implosivo que se prolonga até hoje e ameaça com converter a estrela unitária do nacionalismo galego num buraco negro espaço-temporal girando freneticamente em volta do núcleo supercompacto da UPG. Lamentável final dumha história semi-secular. O velho Partido galeguista contou com apenas cinco anos para fazer história: 1931-1936. Ao começo de 2014 emergia a nova constelaçom de Podemos, próxima da nebulosa Anova. O mapa da nova política, impreciso e provisório hoje, está sujeito á umha dieta de “acumulaçom de forças” que apenas demonstra a sua fragilidade. A UPG crê-se marxista-leninista mas é de facto um partido mais de prática social-democrata com retórica retro-revolucionária. Podemos, imagina-se euro-bolivariana mas de facto é um partido social-democrata com saudades peronistas.

A sociedade galega actual descrê de relatos épicos e retórica e nom acredita em alternativas de confusa formulaçom e estridente exibiçom mediática. Observa com atençom mais bem os incipientes avanços observáveis na prática normal do galego nas novas corporaçons, na vocaçom de proximidade, na formulaçom, ainda confusa, das aspiraçons nacionais deste velho solar político do noroeste peninsular.

A que pode aspirar no entanto esse decisivo segmento da cidadania crítica e activa à margem? Segundo eu vejo, a um partido nacional galego  o adjectivo nacionalista suscita arestora geral desconfiança, talvez merecida  de amplo espectro, aberto a toda a sociedade, radicalmente democrático em estrutura. Já sabedes o que isso é: maiorias e minorias, erradicaçom de capelinhas dedicadas a enigmáticos cultos particulares, refúgio de pequenos narcisismos que apenas sobrevivem cum olho no inimigo interno e outro nas listas eleitorais.

Um partido nacional galego ancorado no dilatado campo social-democrata de signo comunitarista que tente abraçar umha sociedade plural e complexa como a nossa, que aspire à igualdade como valor central e ao compromisso com os valores universais da luita contra a miséria e a rapacidade depredadora do capital, da promoçom da paz e dumha Comunidade Europeia digna destes valores. Um projecto tam ambicioso exige inevitavelmente, um partido, unido e poroso, capaz de operar como “intelectual colectivo” superando fórmulas estéreis como as hierarquizadas arredor dum Comité Central infalível ou as que navegam nas redes plebiscitárias com a vã pretensom de alcançar a correcta compreensom do presente e do futuro.

Um partido que poderia emergir da experiência comum da derrota, do realismo crítico, da firme determinaçom de construir a Galiza do futuro desde a do presente, a única que temos. Por que nom tentar abrir um debate transversal e cooperativo a propósito justo agora que se cumpre o centenário da fundaçom das Irmandades da Fala?

 

1-  Manuel e Pablo Moreno (2016): Socialdemocracia o liberalismo. La política económica en España, Los libros de la Catarata, Madrid

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