Tolerância gráfica

Há já tempos que vimos advogando pública e privadamente pela promoção de uma nova atitude de rotunda tolerância gráfica, nada nova certamente para quem quiser ouvir (cfr. "O galego e os limites imprecisos do espaço lusófono" do professor Xoán Lagares). Uma atitude necessária, democrática e fraterna entre todos os utentes da língua galega, conscientes da luta por um objetivo comum perante as afrontas constantes dos poderes antigalegos e o declínio permanente da cultura. Se o patriotismo existe e serve para algo, não deve ser muito mais do que isto. Por isso o manifesto “O fim do Apartheid”, publicado por um pequeno grupo de pessoas entre as que figura Teresa Moure, me resultou tão grato.

A proposta, se bem entendida, só pode ser boa para a nossa língua. Defendem o possível convívio de vários modos de grafar o galego, de modo que se convertesse em natural apresentar-se a prémios, publicar livros, colaborar na imprensa, figurar nos livros de texto, aceder a prémios da crítica, etc, em qualquer normativa que fosse, e para isso tentam exorcizar a censura ativa e passiva que incontestavelmente sofrem as obras reintegracionistas apelando ao melhor espírito galeguista das agentes culturais, tanto criadoras quanto técnicas.

No entanto, alguns intelectuais não chegaram a compreender o positivo da proposta, embora tenham muito dignamente ocupado seu tempo em valorizá-la. Um deles foi o amigo escritor Xavier Queipo (cfr. “Apartheid”), quem não percebeu que não se propunha a aceitação de uma grafia dupla, mas de defender a liberdade de grafar o galego conforme a vários critérios, o que redundaria simplesmente em somar presença de obras e ações em galego, em qualquer normativa que seja. Ao tempo, o manifesto foge de promover um novo acordo ortográfico, que evidentemente só deixaria satisfeitos àqueles que se vissem com o sacho polo mango e que implicaria novos incómodos nos funcionários e noutros utentes a causa da implementação de mais uma norma.

Outro amigo que não foi capaz de perceber a qualidade do manifesto foi o xornalista Xosé Manuel Pereiro (cfr. “O caso Subiela e a apocalipse lusista”), embora resultar evidente que a proposta só visa o fim da censura de um o ou vários modos de escrever o galego e em sentido nenhum culpabilizar os “oficialistas” de uma barbárie genolinguicida. A meu ver, a similitude no âmbito intelectual com a negritude segregada socialmente é evidente, porque apela à galeguidade comum de “oficialistas” e “reintegracionistas” à hora de fazer e publicar cultura, que tão só nas grafias espanholas e portuguesas se diferenciam. Quer-me parecer que existe uma raia que os poderes culturais, por debilitados que pareçam hoje, não deixam cruzar a quem entendem dissidente. Por isso estimamos que a atitude de um jornalista comprometido com uma profissão que não deixa de minguar devido precisamente à falta de liberdade, tão nomeada e tão pouco convidada a dançar, devia é ser outra.

Por sua parte, numa recente entrevista, Henrique Monteagudo oferece uma opinião caracterizada pelo malabarismo político (entrevista de Denis Vicente: «H. Monteagudo: “A liberdade normativa é factível com algumas condições”»). Estima o professor, académico, investigador e membro de diversas entidades culturais que o galego deve servir para nos vincular à lusofonia, mas embora sendo isto esta uma das grandes falhas da política linguística de sempre não é isso motivo para considerá-lo uma língua internacional; que o galego “precisa dunha enérxica recarga do seu estatus e do seu prestixio”, mas não concretiza como é que esse novo valor deve ser levado a termo; que a língua deve ser considerada socialmente um “activo de futuro” pela “sociedade e as elites dirixentes”, mas nada diz de como o descrédito secular pode ser invertido; que nos “últimos anos non facemos máis que recuar”, embora exista uma “reacción social que pode levar a que nun futuro próximo as cousas cambien” da que nada explicita; que está por uma liberdade normativa “con certas condicións” que não confessa; que, em definitivo, deve ser mandada à sociedade uma mensagem de compromisso com a língua desde o governo e desde “axentes sociais de relevo”, quer dizer, uma proposta nova desde um grupo de poder, com “obxectivos a curto, medio e longo prazo, subliñando inequivocamente as prioridades: medios de comunicación, mocidade, novas tecnoloxías, ámbito laboral e profesional”, um “ un amplo pacto para un modelo lingüístico para o sistema educativo favorable ao galego”, “impulsar as liñas de investigación e formación en sectores clave para a lingua (sociolingüística, planificación lingüística, didáctica da lingua, terminoloxía)”; que “para dar credibilidade a esas políticas, concentrarse en compromisos e avances concretos e significativos e esforzarse en manter unha máxima coherencia entre o que se pensa, o que se di e o que se fai”… Que cansativo é isto e que pouco pragmático, que ciclopeamente institucional, para que amplíssimo prazo brinca tudo e quanto custaria em dinheiros que não há e em postos académicos que se não vão criar… Toda essa rede que descreve, hoje sabemos bem, de capelinhas pactuando com poderes antigalegos e forças políticas agindo na tona da cultura mediante privilégios irrisórios, postinhos “digitais” suados na fidelidade diária e na ausência do critério pessoal, tudo isso, exatamente isso, é que muitos não queremos tolerar mais.

Contrariamente, entre os que sim perceberam o positivo do manifesto figura o amigo, advogado e politólogo Xosé Antón Pérez Lema (cfr. "Intelixencia normativa"): “O que compre vermos é que os que escrebimos galego oficial e os que escreben galego internacional non somos inimigos, somos utentes dunha lingua minorizada na Galicia. Sumemos, logo, esforzos. Permitamos que os utentes do galego internacional editen nas nosas editoriais, usen o seu padrón nos xornais e revistas, poidan acceder nel aos premios literarios. E non abramos a remuda normativa, polo menos por uns cantos anos. No 1982 non había Internet e a xente era moito menos instruída. Mais, no 2016, pensan de verdade que os alumnos non poden distinguir entre as dúas normativas e cadansúas potencialidades e feblezas? Imos logo ter que tirar de dicionario cando leamos as magníficas novelas de Teresa Moure como algúns adoitan facer cando len a marabillosa prosa de Méndez Ferrín? Non, ler en galego internacional ou en portugués está xa na man de calquera e non toleará ninguén. Integremos e non separemos. Sexamos intelixentes e listos. Sexamos, tamén, patriotas superando o apartheid lingüístico”. Antes estas diretas e claras palavras nada a dizer, só a mão tendida e a vontade de colaborar.

E, por suposto, quem sempre apoiou esta estratégia do convívio, tanto na teoria quanto na prática, foi o amigo e reconhecido escritor Xavier Alcalá, de que já conhecíamos afirmações deste teor: “Façam-se estudos e demostre-se a rentabilidade duma grafia do galego comum com a da Lusofonia. No entanto, que ninguém reprima aqueles autores que optarem por experimentar com códigos coerentes mas diferentes. Façamos país do Impaís Desnortado” (cfr. “Democracia gráfica”). Por isso, depois de saber do seu apoio à candidatura de Compromiso por Galicia na Corunha, não fomos completamente surpreendidos por uma inusitada proposta de reforma institucional que promove a revisão das funções da Real Academia Galega, o Instituto da Lingua Galega, o Centro Ramón Piñeiro e o Consello da Cultura Galega, uma vez que o galego cai a pico por políticas gobernamentais que não são devidamente contestadas nem desde os foros que acreditam o máximo galeguismo progressista. Foram umas declarações que produzem admiração, não tanto por serem emitidas por um partido quanto por serem realmente infrequentes no panorama político do país. Parabéns por este passo à frente, ficamos à espera de que a tão apregoada responsabilidade institucional aquando do respeito pelas instituições serva também para melhorá-las e conseguir que continuem a ser úteis nos tempos revoltos que estamos já a debulhar.

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