Excesso de lastro impede navegar

A hipótese da emergência de um processo reconstituinte do nacionalismo de esquerdas depois das eleiçons de 2016 ao Parlamento galego é mais que razoável. A manifesta instabilidade do sistema bipolar em vigor, com um BNG hipermaduro e umha Anova imatura de raiz, com senlhos hóspedes encapsulados: um sindicato e um partido regeneracionista espanhol, abona a hipótese. Um longo historial de dissidências irreconciliáveis e cissons foi isolando o movimento e alheando-lhe o apoio social. O processo de reconfiguraçom requer umha resoluta abertura à crítica e o questionamento de tradiçons e mitos fundacionais ultrapassados.

O lastro aludido é o ideológico, remanescente ainda em formaçons políticas afincadas na épica da Terceira Internacional e dos movimentos de libertaçom nacional. Para acomodar a vista aos tempos é bom deitar umha olhada à China, um exercício que aforra argumentos. O afundamento do PCE na levidade ideológica da “nova política” pode servir como exemplo dos efeitos tóxicos do imobilismo imperturbável. A flexibilidade adaptativa é um requisito de sobrevivência como lecciona a teoria da evoluçom. O fascínio polos princípios inalteráveis estraga toda capacidade de compreensom. De regresso á Ítaca, o astuto Ulisses soube amarrar-se ao mastro da nave para resistir o encantamento das sereias que ecoavam quimeras.

Tarar o lastro de vez em quando para assegurar a navegabilidade é um bom preceito. Navegar mares adversos requer nave ligeira. Princípios Fundamentais do Movimento – as maiúsculas preceptivas – ruptura democrática e republicana, adscripçom marxista, eram peso morto como certificárom Suárez, Carrillo, e González. Traidores ou simples intérpretes do seu tempo e circunstáncia? Em perspectiva científica, toda asseveraçom há ser submetidas a prova de refutabilidade perante o inapelável tribunal da comunidade de utentes. Nom há tribunal superior onde dirimir a validez da doutrina. O famoso “juízo da história” – “la história me absolverá” – é um leve disfarce da velha categoria de Providência segundo ensina a teologia política.

Saiba-o ou nom, o político está submetido a refutabilidade social e o seu relato inscreve-se no princípio de contingência que rege todo processo histórico. O político está obrigado a cerrar os ouvidos às vozes que crê ouvir no ar. Lord Keynes deixou dito que gente que se considera livre de preconceitos costuma ouvir vozes secretas procedentes do ar as quais procedem realmente de qualquer esquecido pensador defunto. Um mestre, sir John.

O peso dos grandes ideais que impregnam o nosso ideário – independência, sociedade sem classes – pode ofuscar a agenda política desviando-a da briga com a ruda adversidade urgente que Pondal evocava. O destino mais frequente das divinas palavras é servir de objecto contundente contra o inimigo interno, de instrumento imprescindível em processos de dissidência ou cissom. Imensos mosteiros vazios por incapacidade de adaptaçom aos tempos, exíguas formaçons minguantes empenhadas em proclamar improváveis épicas insurreccionais. Vivemos tempos pós heróicos.

Os compromissos mais exigentes, políticos ou religiosos, precisam de generosas doses de argamassa ideológica para justificar o esforço sem recompensa e a espera sem esperança. O problema é quando a argamassa se transforma em lastro.

A ruda adversidade urgente demanda um projecto transformador ajustado ao tempo. Umha vasta confluência do nacionalismo galego existente no empenho de resgatar a naçom galega da cartografia imaginária do país de nengures.

Quando os princípios que conduzem à cittá ideale decaem o disfarce impom-se. Foi assi como nascem as frentes populares na Europa feroz dos anos trinta e os seus seródios epígonos. No centro, um partido omnisciente custódio dos arcanos da razom histórica, em volta convidados leigos pendentes de sagrada ordenaçom. O modelo caiu na decrepitude, as hierarquias perdem prestígio, a sociedade meritocrática da competência implacável e a comunicaçom em rede exigem organizaçons horizontais, plebiscitárias mesmo, em opiniom de alguns.

O frentismo foi um expediente para preservar partidos que nom ousavam proclamar o seu nome. A UPG (1964) deveu em frente com o BNG (1975, 1982), o mesmo que o PCLN (1986) com a FPG (1988), hóspede agora da constelaçom Anova. O ciclo do pós-guerra está no entanto definitivamente cerrado, tacteamos actualmente sem manual de instruçons a saída da jaula de ferro neoliberal. Um colossal desafio de resultado incerto.

As referências míticas à independência e a sociedade sem classes, som mitos reguladores necessários para dotar de sentido o projecto nacionalista e socialista. Mas, a briga política joga-se no quotidiano. O proprio programa neoliberal que assola famílias e naçons envolve-se no seu próprio mito justificativo: o dos mercados perfeitos e auto-ajustáveis para ocultar a razom do capital em toga científica e moral. O perigo dos grandes princípios, convém nom esquecer, estriba na capacidade que tem de cindir o mundo em ortodoxia e heterodoxia quando a questom crucial é a da ortopraxe.

Confirmar a disciplina militante e convocar a cidadania activa, som tarefas diferentes e com frequência contraditórias. De quem e para quem é um partido? E, quê partido: de adeptos indoutrinados ou de leigos secularizados? Um imperativo inescusável: erradicar as cláusulas reservadas para abordar o compromisso cifrado que a sociedade à qual nos dirigimos demanda.

“Mientras Tanto” foi o titulo elegido por Giulia Adinolfi e Manuel Sacristán para a revista de pensamento crítico que via a luz em 1979. Na altura, Sacristán declarava-se apartidário como declaraçom de renúncia, talvez, à miragem dos Palácios de Inverno que impediam contemplar o conflituoso campo de forças em que a sociedade se debatia. Foi por isso, seguramente, polo que decidiu tingir a sua revista com o arco-da-velha da esquerda transformadora: vermelho, verde, violeta e o branco da nom violência. Na Galiza faltaria apenas o azul. As dimensons certas da democracia que pretendemos.

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.