Sim, mas que fazemos para construir um tempo novo?

Nada há mais fútil do que procurar significado denso nos lemas eleitorais. A propaganda está desenhada para mover emoções coletivas, não para o raciocínio. Nesse sentido, um cliché é o contrário da análise política. Por exemplo: o Partido Patronal exprime com o seu "En Galicia si" a epítome do Vazio Cognitivo. Na Galiza sim, frente a onde? Então em Astúries não?  Pola sua parte, o "Unha resposta nova" do PSOE é insossa hipocrisia, porque, em qualquer caso, seria "resposta" para velhos problemas causados também polo PSOE: desmantelamento industrial e laboral, privatizações e portas giratórias, acumulação de lucro especulativo, "reformas" laborais, submissão à Europa dos recortes, etc. etc. Por fim, o tema "Un país xusto" de En Marea tampouco é muito afortunado. Não é o "país" (o dos feijões de Cristina Losada, suponho) que deve ser "justo", mas as instituições do "país" a respeito do "país". Vale, será metonímia. Mas a ênfase na "justiça", que vem de parte, é insuficiente para resolver a escravidão diária, sobretudo quando se concebe só em termos de "gestão" duma empresa cujo orçamento vem mandado por Merkel.

Bom, é a vez da proposta "Un tempo novo" do Bloco Nacionalista Galego. Não é brilhante, mas à partida conjura potencialmente algo. Deixando de lado a hipótese feliz mas improvável de que o BNG estivesse a prometer o clima (por exemplo, umas Rias e Ilhas Atlânticas subtropicais), o problema de sentido implícito é múltiplo. E quanto vai durar esse tempo? Uma ou duas legislaturas, dentro da hidráulica da alternância (como a "resposta" fugaz do psocialismo)? Ou seria este um dos tempos chegados pondalianos? E, sobretudo, quem vai construir esse tempo?  E como? Ana Pontón respondeu a um tweet meu em que a parabenizava, destacando que "Isto é un traballo de tod@s!!". Eu opinei: "Ainda não. O trabalho será depois, se @obloque aceita o compromisso histórico da #soberania".  Porque, em que consistirá esse tempo novo? Se (tarde piache!) o fato do Estatuto já lhe "vem pequeno" à Galiza, como enfatiza Pontón (a melhor cabeça de lista do BNG de todas as épocas), que vai conter social e politicamente esse tempo? O oximoro de "mais" autogoverno? (o autogoverno parcial não existe: ou se tem autogoverno, ou não se tem; e na Galiza não se tem).  Isto é, mais competências dentro dum Estatuto inerentemente limitado, só para demostrarmos a Madrid (sempre) com a nossa "boa gestão" que já não somos crianças? Ou vai conter um enunciado emancipatório definitivo como: Isto somos nós, e o novo tempo é nosso? Porque isto não tem meias tintas: ou há poder de decisão, ou não há. E o poder de decisão chama-se, singelamente, independência: independência para um povo decidir o que quer ser, e, depois, para manter-se independente ou unir-se a outros. Portanto, quando se vai pronunciar maciçamente a palavra independência, para entendermos que o "tempo novo", ou é o tempo do caminho à independência na superação do capitalismo, ou não é novo?

Não quisera fazer retórica com palavras doutrem (Pontón, felizmente, faz pouca), mas análise, também política. E a questão é se se vai compreender a impossibilidade de construir uma sociedade igualitária e "justa" sem podermos decidir como será o que o velhíssimo marxismo — quando se compreendiam os mecanismos materiais que constringem o social — chama de modo dominante de produção. O modo dominante atual, o capitalismo, está blindado juridicamente, porque o campo jurídico é a expressão das relações capitalistas de propriedade, as dos sujeitos como simples proprietários. Vai-se compreender ou não que o quadro jurídico espanhol impede uma economia e sociedade igualitárias e "justas", e que a via mais racional e menos utópica é a da sua superação? Porque, paralelamente, vai-se entender de vez que se impõe também a superação da lógica da "gestão" dum capital que surge do sangue e até da morte das/os inocentes?

O BNG, como um dos herdeiros orgânicos da tradição emancipatória coletiva, tem o desafio dum dilema: remexer-se orgasmicamente na sua própria reprodução de campo (a mesma atitude que ameaça iniciar En Marea), ou começar a contribuir para o plural espaço social do independentismo, que é uma pulsão real tão constante que só as obscuras forças da propaganda procuram aplacar sempre com ilusões de eleições para lobotomizar consciências. O argumentário do independentismo emancipatório é tão elementar que não se compreende a sua invisibilização entre uma parte da esquerda galega instavelmente reunida agora em projetos onde se confundem agonizantes ideais social-democratas com interesses grupusculares.

O momento político-eleitoral lembra aqueloutro de 2005, quando um diplodóquido Iribarne se dirigia ao seu sol-pôr, e o "país" sabia-o. Daquela, temporariamente, o "país" triunfou em botar fora um agente do domínio e, sobretudo, um símbolo. Mas já não se trata de símbolos. Trata-se — querem dizer-nos — de começarmos um tempo novo. Seja qual for o resultado dumas eleições que são signo social complexo, um BNG que está a mostrar uma voz nova e diferente, afastada do ressesso messianismo masculino, merece também uma confiança nova e diferente. Muito bem. Mas é condicionada: condicionada a que possa demonstrar que quer ser uma peça importante entre outras na construção duma nova hegemonia rumo à emancipação social e a indepêndencia. Não é tão difícil nem utópico. Mais utópico é pensar que o capital vai aceitar alegremente modificar um instrumento político e jurídico chamado Reino de España que extrai tanto valor das nossas mãos e mata a consciência das nossas cabeças. Podemos optar por compreender esta evidência, ou podemos deglutir a réstia de propagandas conduzintes a que a "nova política" consista só em rearranjar as peças do tabuleiro eleitoral, para o qual os inquéritos diários cumprem docilmente a função de deixar-nos o córtex cerebral como raxo.

O BNG está a falar bem. Tem excelentes candidatas/os em todas as circunscrições. Visto o nível de perversão atual do capital mundial, a expressão "Um Tempo Novo" pode ser uma convocatória encorajante se se entender o que quer dizer, o que deveria querer dizer historicamente. Mas, olho, não nos resta muito tempo para construir esse tempo. E procurar construir qualquer outro, na verdade, não paga a pena.

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