Incautas

O discurso nom é nada novo, de facto é tam antigo como me alcança a memória e a memória dos meus antergos vivos. Há que ter atençom, nom se pode ser incauta. Que os homens, já se sabe, nom o podem evitar...de natural som depredadores e em determinadas circunstâncias, se encontrarem umha presa ao alcance...poderia acotecer algumha cousa. Que esperemos que nom aconeça, mas se acontecer..se acontecer, umha parte da culpa será tua, porque foches incauta.

Há muitas mulheres incautas. Costuma acontecer que as mulheres jovens e atraentes tendem a ser ainda mais incautas. E acontecem cousas. Com homens. Que, sedentos, procuram a satisfaçom às suas pulsons nas presas fáceis.

Para nom ser umha presa fácil, segundo este discurso, há que tomar medidas de precauçom. Muito olho em atos multitudinários como festas populares, concertos, eventos desportivos, lugares de ócio como bares e discotecas...muito olho com andar sozinha pola rua a determinadas horas...muito olho com aceitar boleia de desconhecidos...atençom com a bebida e com as drogas, modera o seu consumo...enfim, conhecemos a doutrina, os patrons de comportamento pretensamente de risco e as precauçons que segundo este razonamento se deveriam tomar.

O problema é que todas essas medidas de prevençom, nom som mais do que umha vacina fraudulenta contra a violência machista, vendida polos próprios apologetas do patriarcado. Porque vamos ver: precauçom há que ter sempre, sem lugar a dúvidas, sempre deveremos evitar lugares onde a nossa segurança nom esteja garantida, evitar interagir com pessoas que nom nos inspirem confiança, nom incorrer em comportamentos que nos fagam perder o controle do que fazemos, de onde estamos e do que acontece à nossa volta, e isso implica sim, observar em parte esses conselhos, mas nom se pode de maneira qualquer fazer descansar toda a nossa segurança na nossa capazidade de alerta e de controle em todo momento e em toda situaçom, para além de que resulta inaceitável que se pretenda que umha parte da populaçom, em razom do sexo ao que pertence, tenha um nível extra dessa alerta e desse controle por ser o que som, é dizer, mulheres.

O que é innegociável é o direito de qualquer pessoa a transitar livre e segura pola sua cidade, bairro, vila, aldeia...ou por qualquer lugar público, ainda que se encontre longe do seu domicílio habitual. O que nom admite discusom de qualquer gênero, é que incorrendo em práticas de risco ou nom, qualquer pessoa tem direito à sua integridade física e moral. E quando se trata de agressons sexuais infringidas de umhas pessoas a outras, nom estamos a falar de factores que nom podemos controlar e que portanto se te expôs a eles és o único ou a única responsável do que puider acontecer e das suas conseqüências. Estamos a falar de atos nos que intervem a vontade desses aos que esse discurso hipócrita, sobreprotetor e culpabilizador parece exculpar em parte apoiando-se na pretensa falta de cautela das vítimase, nesse instinto que aflora em determinadas circunstâncias e até em certa pressom ambiental.

Ou seja, que...se por exemplo tu te encontras no Festival do Mundo Celta de Ortigueira, no Sam Froilám, nos Caneiros ou nos Viquingos de Catoira, certo é que podes ser objeto de roubos, agressons, accidentes que che comportem lesions físicas mais ou menos graves, intoxicaçons derivadas do consumo abussivo de drogas ou álcool...e também podes resultar violada (ou violado) mas é a pressom ambiental um atenuante ou um eximente? Som fatores concorrentes como o estado de embriaguez e a euforia derivada do mesmo atenuantes ou eximentes? E som agravantes no caso da vítima?

Tam prestos que condenamos o machismo noutras culturas e nom nos decatamos de como os nossos esquemas de pensamento som incapazes de desterrar todas essas premissas culpabilizadoras da mulher...estar cego de cubatas, kalimotxo, vinho, cerveja, pastilhas, speed, cocaína, marihuana ou heroína numha festa onde o “desfasse” é praticamente geral é tam bom ou tam mau numhas pessoas como noutras, e é tam imputável em termos de responsabilidade para umhas incidências como para outras, se o contratempo que sofres tem a ver com o méio ou com cousas físicas, mas intervindo a vontade de outros, que usam o seu estado anormal como atenuante, é inaceitável que no caso da vítima se utilice como argumento na sua contra.

Nesta cultura do ócio que temos, ou somos todos os indivíduos iguais, ou essa imagem que queremos dar de terra da festa desmedida e sem final vai resultar que oculta umha eiva cultural importante. Digamos que umha “face escura”. Teremos que chegar à conclusom de que as nossas festas tenhem um perfil machista e heterossexista? Que os homens nessas festas tenhem direito ao saque e as mulheres devem aceitar estar no alvo dos depredadores? De verdade nom podemos cambiar isso? Liberdade é que a festa seja festa em igual medida para todo o mundo, que todo o mundo tenha nelas os mesmos diretos e as mesmas responsabilidades, e que cadaquém poida escolher entre estar bêbado ou nom, drogado ou nom, ou se estar lúcido ou nom, ou se vou mais cedo para a casa ou fico até mais tarde. E, naturalmente, que ninguém utilice a situaçom de vulnerabilidade de outra pessoa para cometer umha violaçom, que ninguém se veja legitimado para fazê-lo por encontrar-se numha festa, por estar em plena apoteose da diversom ou por sentir-se aplaudido por quem o arrodeia.

Digo-o por se algum dia Iruña se chama Lugo, Betanços, Ortigueira, Catoira, ou tem qualquer outro nome de localidade galega.

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