'A Insubmissa': primeira vitória do movimento “ocupa” na Corunha?

Ano 1993, duas dúzias de rapaçolxs chegadxs da Corunha e Lugo, militantes de diferentes colectivos, encontramo-nos várias vezes num paço em Quindous (Ancares). Um paço imenso, com pátio, masmorras e torres. Queremos fazer lá um projecto de educação ambiental, quem sabe, se calhar também agricultura ecológica. O dono está de acordo em nos ceder o paço por 25 anos a câmbio, unicamente, de que lhe botemos uma mão em melhorar a estrutura que está a cair, mão-de-obra gratuita, vamos. Falamos, reflexionamos e decidimos que não, de nenhuma maneira nos íamos vender assim ao inimigo. O Motivo dessa rotunda negação? Logo desses anos o dono queria fazer “turismo rural!”, que horror! Sei que a dia de hoje este argumento pode parecer um tanto pueril e limitado para rejeitar algo assim, mas naquele tempo o “turismo rural” era -para nos e para o ecologismo em geral- uma dessas coisas que acabariam indefectivelmente com o planeta. Suponho que rejeitando essa oferta de cessão desse castelo pensávamos deter a invasão dos urbanitas chegadxs a deturpar o agro, ou algo assim, que sei eu... Obviamente, 25 anos depois o paço está a cair, e o lugar de Quindous quase abandonado. Não houve projecto de educação, nem horta ecológica nem nada e o paço está à venda ao melhor postor. Em fim, uma mágoa...

Valga esta anedota (um pouco descontextualizada, sei) para ilustrar um fenómeno que acontece às vezes nos movimentos sociais, que poderíamos chamar de jeito benévolo “curto –pracismo”, se calhar o nome mais ajeitado é “falta de estratégia e de visão a longo prazo” que pode levar a resultados como o indicado.

Mas vamos ao que me okupa (perdoai a brincadeira): Na Corunha há umas naves,  propriedade do ministério de Defensa, que estavam abandonados até faz 13 meses. Naquela altura entra nesse espaço um grupo de pessoas que a dia de hoje continuam a fazer lá diferentes actividades: teatro, música, dança, poesia, skate, parkour... Chamam-lhe ao espaço “A Insubmisa”.

A situação desse prédio é complexa. O titular atual do imóvel é o Ministerio de Defensa que já tentou promover o despejo dessas pessoas. De facto, nestes meses, esse ministério levou adiante gestões judiciais para botar fora à gente desse lugar, mas essas gestões não tiveram êxito pelo de agora: O juiz (lavando-se as mãos) sacou fora a bola argumentando que as naves estão em processo de cessão ao concelho.  Esta cessão ao concelho, solicitada pelo anterior governo do PP, levaria-se a cabo logo dum amanho estrutural acordado por parte de Fomento que até o de agora estava pendente, deixando o imóvel num “limbo” que durou até agora. Nos últimos meses isto precipitou-se e o ministério aprovou o projecto próprio de renovação estrutural das naves, e desta maneira desencadeia e força que se leve adiante definitivamente (ou não) essa cessão á administração local. A obra já adjudicada tem unicamente como fim amanhar estruturalmente o espaço, questão que parece imprescindível para a cessão pois as naves estão, em parte, a cair. De facto o próprio concelho já interviu para revisar e reforçar a estrutura–com permissão e conhecimento dxs actuais moradorxs-.

De não se levar a obra adiante, por exemplo por não poder a empresa começar as obras por haver gente lá dentro, existe a possibilidade de que Defensa busque retrotrair à cessão e que volva a estar a custódia oficialmente em mãos desse Ministerio que teria, por fim, argumentos para promover, com segurança, o despejo imediato do mesmo e recuperar o espaço para qualquer outo fim. Para nos fazer uma ideia de o que poderi fazer com esse prédio uma vez anulada a cessão temos no solar do lado, a “mestrança”, onde defensa tentou subastar e vender esses térreos para fazer edifícios. Unicamente o achádego de restos do muro defensivo da cidade impediu que essa operação imobiliária se levara a cabo.

O governo municipal, em mãos da Marea Atlântica, entende que esta complexa situação herdada é uma oportunidade para a cidade e prepara um projecto próprio que se levaria a cabo no espaço, uma vez este seja “recondicionado” pelo Ministério e a cessão assumida

O governo municipal, em mãos da Marea Atlântica, entende que esta complexa situação herdada é uma oportunidade para a cidade e prepara um projecto próprio que se levaria a cabo no espaço, uma vez este seja “recondicionado” pelo Ministério e a cessão assumida. Este projecto, que está numa fase de desenvolvimento inicial, pretende ser coincidente com os usos das pessoas que lá estão, recolhendo muitas das actividades que lá se fazem e contando com uma parte de autogestão denominada “gestão plural” desse espaço. Uma ferramenta (indefinida pelo momento) onde pessoal do próprio concelho, colectivos e usuárias tomariam as decisões sobre o espaço.

Pela sua banda, algumas das pessoas “usuárias” da Insubmissa -como elas mesmas se definem- defendem que “não é necessária nenhuma intervenção”, que o Concelho quer “cooptar” o “movimento” copiando as actividades que lá já se estão a fazer, que não precisam cartos e que todo está bem como está.

Defendo com força a ocupação de espaços. Por diferentes motivos, todos eles mui legítimos, mas em todos há uma questão que prevalece: A ocupação não é um fim em si mesmo, de ser assim teríamos que nos solidarizar com o espaço de ultradireita Hogar Social

Quero partir da base de que defendo com força a ocupação de espaços. Por diferentes motivos, todos eles mui legítimos, mas em todos há uma questão que prevalece: A ocupação não é um fim em si mesmo, de ser assim teríamos que nos solidarizar com o espaço de ultradireita Hogar Social, que também é um espaço ocupado. A ocupação é um médio, uma ferramenta para chegar a um objetivo de transformação social. Nisto a gente da insubmissa está de acordo tal como indicam no tríptico que repartiram na porta numa das juntanças públicas e promovidas pelo concelho que houve sobre este tema.

Logo, cabe perguntar, qual é o objetivo da ocupação da Insubmissa? A falta de que sua assembleia o aclare podemos supor que o objetivo originário fou criar um espaço para fazer diferentes atividades, que –efectivamente- já se estão a fazer, e ter autonomia para elo. Algumas pessoas da insubmissa pensam (e tenhem razão) que perderam sua “independência” se esse espaço passa a ser gerido ou assumido pelo concelho, que a ocupação é muito mais que um aproveitamento dum espaço. Outras vozes entendem que o projeto do concelho é um “engano”, que é irrealizável e que é melhor “resistir” que “se vender”; que a chegada de recursos públicos levaria à “censura e ao control”. Outra parte não menos importante das pessoas que lá estão parecem mais interessadas em saber, simplesmente, onde podem levar adiante a sua atividade mentres durem as obras...

Pela sua banda o governo municipal entende que tem a “obriga” de levar adiante e completar a cessão. Entende que o risco de “devolver” as naves a Defesa (mirando para outro lado, deixando caducar praços, por exemplo) seria uma irresponsabilidade e poderia causar um dano grande á cidade, pois perder-se-ia um equipamento público e a possibilidade e a oportunidade de lhe dar uma situação de estabilidade a esse espaço que desde o governo pensam que deveria ser para a mocidade.  Desde o concelho interpreta-se que completar esse processo legal de cessão é a maneira de “empoderar” realmente o lugar e o blindar para o futuro preservando, no máximo possível, as possibilidades de participação direta das pessoas usuárias mas tendo consideração de espaço público local.

O governo municipal entende que tem a “obriga” de levar adiante e completar a cessão. Entende que o risco de “devolver” as naves a Defesa (mirando para outro lado, deixando caducar praços, por exemplo) seria uma irresponsabilidade e poderia causar um dano grande á cidade

Proponhem  desde o Concelho que no tempo que dura a obra (16 meses) há tempo de sobra de se sentar a falar e buscar entre todxs um jeito de gestão diferente desse espaço e definir as ferramentas de participação e gestão e insistem em chamar à participação de estas pessoas na sua criação e conceptualização. Dito isto parece doado pensar que as atuais usuárias da Insubmissa poderiam participar nesse (pelo de agora indefinido, insisto) espaço de “gestão plural”.

Mas, existem espaços que tenham funcionamentos semelhantes a isto?

Este ano cumprem-se 40 anos da “okupa” mais velha do estado espanhol, “O Ateneu de 9 Barris”. No ano 1977 a vizinhança desse bairro de Barcelona decidiu derrubar a chaminé da cimenteira e criar lá um centro social. Eu teve o privilégio de participar desse espaço vários anos, pois lá tínhamos a base O Jarbanzo Negro, grupo chegado a esses outeiros de BCN para ocupar um solar anexo a finais dos anos 90, e criar a escola de circo “Rogèlio Rivel”. A dia de hoje o Ateneu de Nou Barris é uma parte da rede de centros cívicos de BCN, mas tem a sua própria assembleia de gestão “comunitária” que decide em que se empregam os recursos recebidos ou gerados, a quem contratam ou deixam de contratar, que espectáculos ou que obras lá se fazem....  Poderia pôr outros exemplos mas penso que este é o mais acaido e podeis ter mais informação do Ateneu e do aquí

Existe a possibilidade de criar um espaço de “gestão comunitária” semelhante ao Ateneu Nou Barris na nossa cidade? Eu creio (e aguardo) que sim

Existe a possibilidade de criar um espaço de “gestão comunitária” semelhante ao Ateneu9B na nossa cidade? Eu creio (e aguardo) que sim. É o espaço da insubmissa um espaço um espaço ajeitado para esta explorar esta via? Com alguns matizes eu creio que também si. Por isso desde estas linhas quero fazer um chamamento ao diálogo entre as pessoas atualmente usuárias de esse espaço e as representantes temporais da instituição chamada concelho da Corunha.

Creio que o Concelho atina em continuar com esse caminho de tentar abrir um espaço de trabalho e dialogo mas deve definir com mais claridade que significa “criar um espaço de gestão plural”, seria interessante saber o grão de autogestão que cabe nessas palavras. Pela sua banda creio também que as pessoas atualmente ativas na insubmissa poderiam “ocupar” com propostas e atividades esse espaço no tempo que o Ministerio faz as reformas estruturais iniciais, inevitáveis para que haja cessão, e colaborar para que nossa cidade possa garantir que as naves sejam um espaço de criação livre que perdure no tempo.

Desde logo este processo não é, para nada doado. Para começar encontrámo-nos com um choque tremendo entre culturas políticas diferentes, cheias de clichés, de reducionismo e de estereótipos. Baixo a minha opinião ambas as partes tenhem (temos) corsés que condicionam muito a percura de soluções. Um desses corsés, que afeta gravemente às duas partes emana directamente da tremenda e vergonhenta campanha “anti-ocupa” que leva desde faz meses em marcha o jornal mais lido da nossa cidade, campanha feita, paradoxalmente, para tentar desgastar á Marea Atlántica, mas que a quem realmente mais prejudica é ao movimento ocupa. Desenganemo-nos: um despejo das naves da Comandância teria (por desgraça) um respaldo quase unánime na nossa cidade.

Creio que a assembleia da Insubmissa por uma banda e o Concelho pela sua tenhem uma oportunidade para evitar esse despejo e para trasladar uma mensagem á sociedade sobre este movimento positiva e propositiva neste momento. A Insubmissa e sua gente lograram sinalar umas necessidades que existiam na sociedade, que tem de mão que o concelho reconheça e recolha essas demandas? Não seria melhor poder falar do “êxito” e de victória (parcial, como todos os êxitos) da ocupação da Insubmissa? De que o movimento ocupa da cidade logrou conformar, quando menos, os usos dum espaço público da mocedade ou de criação artística ou do que finalmente se decida levar adiante nesse espaço?

Creio que a assembleia da Insubmissa por uma banda e o Concelho pela sua tenhem uma oportunidade para evitar esse despejo e para trasladar uma mensagem á sociedade sobre este movimento positiva e propositiva neste momento

Intuo muitas das respostas, e sei que isto todo forma parte dum debate muito mais profundo que levaria muitas vezes estas linhas abordar. De facto a relação com instituições “amigas” é um velho debate dentro do movimento ocupa. O único que pido, volvendo ao começo, é erguer os olhos e atuar com mais estratégia de futuro e menos tactismo do presente, superar o curto-pracismo e poder explicar a quem seja no futuro que este centro (da-me igual o nome) existe porque umas pessoas atreveram-se no seu tempo a desobedecer e entraram nesse espaço baleiro sem permissão alguma, dando-lhe conteúdo. Será que sou um traidor, será que sou um vendido?  Tranquilxs: faz muito que esqueci entrar em nenhum “hall of fame” das esquerdas, nem das libertárias nem das outras. E não será que levo muitos (tal vez demasiados) anos movendo-me naquele velho axioma de “de derrota em derrota, até a vitória final”?.

Penso nisso muitas vezes que passo pela porta da ocupa de Santa Clara, em Compos (uma das primeiras de GZ e abandonada desde finais dos 80), vejo o solar das Atochas ou vejo como começam as obras do geriátrico de Palavea. E já são demasiados os espaços que vi perder (por sorte outrxs agrumam sempre!). E penso que Oxalá o Frotón Euskal Jai de Iruña, ou Las Naus, ou a Hamsa, ou qualquer das tres Kukutxas, ou Can Vias, ou la Nevera, ou Sasé, ou o Cine Iago, ou Can Mireia, ou a Casa Encantada, ou o Escárnio, ou a casa da Ria, ou Palavea, ou Llucalari, ou o Pati de Sa Lluna ou 1000 centros sociais mais... tiveram tido uma oportunidade semelhante á que parece ter a Insubmissa nestes momentos.

Aproveitamos esta oportunidade?

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