Autodefesa igualitarista ou comunismo de defesa

No transcurso da Revolução Russa, abre-se um conflito sindical na metalúrgica de Petrogrado: durante as negociações pola consecução de um salário mínimo para os trabalhadores menos qualificados, um membro do comité toma a palavra, e propõe que os companheiros que mais cobram ponham uma parte para completar o salário dos que menos ganham: “Se a administração não quiser chegar a um acordo connosco e botar uma mão aos famintos e esfarrapados operários sem especialização, então nós próprios devemos decidir quem somos. Somos exploradores como os burgueses, ou somos um pouco mais conscientes […]?” (1). Este tipo de propostas de “autodefesa igualitarista” ou “comunismo de defesa” foram-se tornando –pouco a pouco- impensáveis, por culp da enorme penetração da mentalidade meritocrática do capitalismo. Porém, figueram parte durante séculos do reportório de muitas comunidades dos Países Galegos para a se defenderem, de maneira igualitarista, da extração estatal do excedente camponês.

Conforme conta Pegerto Saavedra para a Galiza do Antigo Regime, a vizinhança de cada circunscrição fiscal podia negociar diretamente com o Conselho de Fazenda, os grandes arrendatários e a capital de província, a quantidade a pagar cada ano, encarregando-se a própria comunidade de recadar e repartir a soma correspondente sem a intervenção de aparelhos burocráticos foráneos. O destacável é que estes repartos dos impostos entre cada casa se realizaba com um grande espírito igualitarista, de jeito que quanto mais rica era a casa mais contribuía aos impostos assumidos coletivamente ou, tal e como declarava a vizinhança de Monterroso em 1597, adiantando-se à célebre sentença marxista: “cada um conforme a sua possiblidade”; de forma que repartem “a rico como rico e a pobre como pobre”. Destaca que este sistema igualitário organizado por baixo foi evolucionando com o tempo, e conforme se desenvolviam as técnicas de cálculo os repartos eran cada vez mais ajustados à riqueza de cada quem. Também não se pode omitir que este sistema podia contribuir para legitimar os impostos estatais, porquanto eran, quando menos, vistos como unha cárrega distribuida esquitativamente. (2).

Já para os primeiros anos do século XX temos a valiosa testemunha etnográfica de Nicolás Tenorio, quem em La aldea gallega descreveu como se efectuava este reparto, na altura, em Pradorramisquedo, através do concelho aberto: “Merece ser citada, separadamente, la costumbre de Pradorramisquedo, de Viam, referente a la forma cómo el Concejo de la aldea reparte y paga los impuestos de contribución territorial y de consumo. A su tiempo, se reúne el Concejo y elige dos vecinos que bajen de la montaña a la villa, paguen lo que corresponda a la aldea por ambos impuestos y recojan los recibos del año. Los comisionados cumplen el mandato, y a la vuelta a la aldea dan cuenta de cuánta fue la suma pagada, presentando los recibos; el Concejo, en la misma Junta, reparte la cuota proporcionalmente, según la riqueza de cada vecino, sin preocuparse para nada de la cantidad que le asignó la Administración. No hay memoria de protestas por el reparto, que todos aceptan casi sin discutirlo, y en la práctica resulta más equitativo que el oficial” (3). Naturalmente nem sempre havia ser tão harmonioso o reparto, pois como cantava Noriega Varela: “non hai reparto de consumos / sin intervención do demo; / el é quen mata a esfola / e o que revolve o concello”. Contudo, esta tecnologia igualitarista merez ser resgatada para adaptá-la aos novos temos e, de facto, já no seu dia tivo bastante percurso político, quando menos no galeguismo.

No Programa de Cela Nova, com o que o irmandinho Luís Porteiro Garea se apresentava às eleições de 1918, pedia-se o livre reparto vizinhal de consumos nos concelhos de menos de 10.000 habitantes, formando “proyecto para que teñan que ser as parroquias as que repartan, facendo apéndice no que conste o por qué da suba ou baixa” (4). Igualmente, Losada pedía o “libre reparto vecinal de consumos efectuado en las parroquias” (5). Na seguinte jeira, a do Partido Galeguista, o exemplar programa municipalista do Grupo Local de Sada defendia o reparto de consumos por paróquias e em concelho aberto. Também Castelao, no Sempre en Galiza, reivindicava que a supressão dos Ayuntamientos rurais, ninho de caciquismo, “permitiría os repartimentos veciñaes, que nas parroquias se realizaban con bastante xustiza, a falta de mellores procedimentos” (6).

Então, somos exploradores como os burgueses, ou somos um pouco mais conscientes?

Cárcere de Villabona, 22 de abril de 2017

 

NOTAS

1. Recolhido em: Orlando Figes e Boris Kolonitskii, Interpreting the Russian Revolution. The Language and Symbols of 1917, Yale, Yla University Press, 2001; e citado em: Teresa Moure, “Palavras que (ainda) significam: para uma análise do discurso do bolchivismo”, in: Teresa Moure (coord.), Bolcheviques 1917-2017, Santiago de Compostela, Através, 2016, pp. 147-167, p. 158.
2. Pegerto Saavedra, La vida cotidiana en la Galicia del Antiguo Régimen, Barcelona, Crítica, 1994, p. 73 e ss. A proclama protocomunista das de Monterroso acha-se em: Archivo General de Simancas, Expedientes de Hacienda, lelg. 97/83.
3. Nicolás Tenorio, La aldea gallega, Vigo, Xerais, 1982 [1914], pp. 17-18.
4. “Programa electoral de Luis Porteiro Garea al distrito de Celanova. – Principios políticos y económicos que se comprometerá a defender y apoyar con su voto en el parlamento”, in: Vicente Risco, El problema político de Galicia, Madrid, Biblioteca de Estudios Gallegos, 1930, pp. 233-236.
5. Cit. Em: Baldomero Cores Trasmonte, Luís Porteiro Garea, Santa comba, tresCtres, 2005, p. 201.
6. Livro Primeiro, XXVIII.

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