Máximo, mínimo, branco e negro

CC-BY-SA Praza Pública

O uso de frases de formato cultural e impreciso significado comporta amiúde equívocos que apontam mais a desleixo ou flagrante desconhecimento do autêntico significado do ornamento textual exibido do que a cultura metabolizada.

O artifício retórico e a arte da eloquência, o uso elegante da linguagem em definitivo, irmanam melhor com a singeleza precisa do que com a cosmética. A afectaçom navega entre a intençom de ganhar aquiescência e a vã exibiçom de superioridade, que provoca, em justa correspondência, mais antipatia que admiraçom. O potencial interlocutor prefere de longe um discurso próximo e cúmplice que um alarde erudito. Ante a dúvida, a democrática horizontal deve prevalecer ante a pretensiosa vertical. Llaneza, muchacho, no te encumbres, que toda afectación es mala aconselhava Cervantes por boca do maese Pedro

Infelizmente umha certa dose de retórica é inevitável em todo aquele que se expom a público juízo: jornalistas e professores, conferencistas e porta-vozes, e todos aqueles que fam da comunicaçom o seu ofício estám especialmente expostos ao perigo da retórica vácua. Fugir do artifício e trabalhar a singeleza expositiva é um bom preceito comunicativo. Os lugares comuns mais manuseados deveriam ser proscritos sem piedade. "Crónica de umha morte anunciada", por exemplo, tam popular na gíria política.

"Quero afirmar branco sobre negro..." — ou será talvez ao revés? — tam do gosto dos tribunos do povo deve ser submetida a controlo de legitimidade. Estoutro dia ouvim a consabida frase no rádio na boca de Josep Borrell, um dos meus oradores favoritos polo seu dizer cáustico e preciso. Infelizmente, desta feita citou a variante errónea: branco sobre negro. A pouco que refletisse o meu admirado tribuno acabaria caindo na conta de ser negro sobre branco como jeitosa metáfora da tinta sobre o papel, mesmo que ela seja azul.

Assi e todo, é bem fácil desculpar este deslize de significados, acaso vagabundo nom deu em vagamundo, muito mais mundanal e evocador? Ademais, a estética testemunha em favor da versom errónea, afinal, branco sobre negro evoca a lua sobre o céu escuro enquanto a sua inversa apenas sugere apenas qualquer mancha indecorosa sobre umha parede recém-caiada ou talvez um inoportuno borrom sobre um papel que pede conta nova.

Branco sobre negro nom é do pior; o mal é quando entramos em escorregadio terreno aritmético abonado por um aprendizado deficiente, procedente com frequência de um ensinante mal ensinado.

Expressons como máximo comum denominador e mínimo comum múltiplo — ou será ao revês? — seguem atemorizando-nos como divinas palavras de incerto significado.

Resumo um parágrafo há pouco lido num livro do meu apreço: "O único aceitável para as forças políticas da Transiçom era um mínimo comum denominador tam baixo que poderíamos qualificar de simbólico". O comentário procede de Fernando Pérez-Barreiro, na página 185 das suas memórias1. Lamento por certo nom ter conhecido o autor visto o seu agudo ditame sobre a degradaçom do projecto da Galiza possível, de carimbo republicano, à Galiza conformista que padecemos com beneplácito dos herdeiros do património galeguista.

Referia-se o Fernando na sua autobiografia em especial ao empobrecimento inexorável do idioma emergente do interminável período franquista por desleixo e cumplicidade culpável.

Qualificava Pérez-Barreiro ao insatisfatório panorama sobrevindo como mínimo comum denominador das desavenças políticas da Transiçom, aludindo ao exíguo acordo de mínimos entre posiçons políticas irredutíveis. Por cima da política, a gramática acende a sua luz vermelha: mínimo comum denominador...era isso deveras o que vinha no nosso livro escolar? Pensando-o bem nom parece provável porque a expressom carece de sentido; como bem sabemos, o mínimo comum denominador de um conjunto de números é, pura e simplesmente, a unidade. Nom é?

A nossa esquecida aritmética elementar consagra duas expressons carregadas de sentido: máximo comum denominador (M.C.D) e mínimo comum múltiplo (M.C.M), que poderíamos traduzir este último por mínimo comum dividendo que é o que de facto significa múltiplo.

Um exemplo esclarecerá o aparente enredo [M.C.D. ↔ M.C.M] que arrastamos desde a infáncia.

Tomemos três números, por exemplo: (6,12 e 18). O seu M.C.M. (que podemos ler mínimo comum dividendo) é 36 por quanto é o dividendo menor que lhe assegura quocientes exactos à nossa série: (6,3,2).

No entanto, o M.C.D. de (6,12 e 18), é o número 6, por quanto é maior divisor possível da série para produzir quocientes exactos e os menores possíveis: (1,2,3). Os divisores comuns inferiores ao 6 som: 1, 2, e 3, como podemos comprovar.

Se querem a minha opiniom sobre a origem do erro do amigo Fernando do mínimo comum denominador, para a minha ideia procede da umha desafortunada alusom à escassez de factores comuns entre as forças enfrentadas na Transiçom. No nosso exemplo, som os factores comuns (1, 2, 3 e 6) — este último M.C.D — das forças contendentes (6,12,18).

Por completar a léria, caso os partidos da Transiçom estiverem representados por umha série de números primos, como (5,7,11), daquela nom haveria factores comuns — a nom ser a unidade — e em consequência nom seria possível nengum acordo político como o propiciado polos partidos da série (6,12,18).

Em definitivo, para citaçons erróneas melhor cores do que números que há que botar contas.

 

1- Fernando Pérez-Barreiro Nolla (2013): Amada liberdade. Memórias, Xerais, Vigo

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.