Vítor Vaqueiro: "Uma normativa tem implicações políticas, e a vigente contribui a enfraquecer a identidade galega"

Dominio Público Praza Pública

A higiene democrática, a censura, a escolha ideológica do padrão normativo, o "consenso de dous séculos e meio", desde começos do século XVIII até o terceiro terço do XX, sobre a unidade do sistema galego-português, o "abuso de poder por parte do ILG", a identidade galega, a democracia ou o "teimoso projeto de afastamento do galego das suas raízes históricas e a sua vagarosa convergência prática com o espanhol". São os temas que trata Da identidade à norma. Língua, singularidade, consenso, antilusismo, reintegracionismo, jornalismo: de Galicia Confidencial a Sermos Galiza, (Laiovento), de Vítor Vaqueiro e Nicolás Xamardo.

O discurso sobre as vantagens da maior convergência com o português está a estender-se, e também nas instâncias oficiais. De que modo queria este livro intervir no mesmo?

Contribuindo, na medida que fosse, a por acima da mesa a necessidade dum debate  sobre o que queremos para o futuro da nossa língua na Galiza e no mundo, dado que somos independentistas e internacionalistas. Isso, em primeiro lugar. Em segundo, a convidar a gente que esteja interessada no nosso idioma a que reflita na situação atual que, dum ponto de vista de higiene democrática não é defendível, dado que se estão a censurar textos, não pola sua qualidade literária ou intelectual, mas pola forma na que estão escritos. E, em terceiro, a mostrar que uma normativa não é uma questão só técnica, que tem implicações políticas, e que esta normativa, concretamente, contribui a enfraquecer a identidade galega.

    “Uma normativa não é uma questão só técnica, que tem implicações políticas, e que esta normativa, concretamente, contribui a enfraquecer a identidade galega”

Começa o ensaio explicando como, já que os movimentos de emancipacão basco, catalão e galego consideram o idioma um factor essencial na definição da identidade, o Estado espanhol joga a dividir o campo dos seus adversários políticos, promovendo a ideia de que catalão e valenciano, por um lado, e galego e português, pelo outro, são línguas diferentes. Podes explicar melhor isto, como contexto do que acontece depois?

Em realidade já quase o explicas ti perfeitamente na pergunta. O poder do estado decide, já por volta do ano 70, começar uma política de divisão, consciente do feito de que o fracionamento do campo dos que considera os seus inimigos -que a diversidade cultural se perceba como um perigo já orienta sobre a natureza cultural e política do Estado espanhol- constitui uma estratégia essencial para derrota-los e conseguir a sua desaparição que, queira-se ou não, é o seu desejo. Os poderes do Estado estariam mui felizes se atingirem um território monolíngue espanhol e uma única cultura, a espanhola.

    "Os poderes do Estado estariam mui felizes se atingirem um território monolíngue espanhol e uma única cultura, a espanhola"

Segundo a vossa interpretação, o ILG joga, nessa estratégia, o papel de criar uma alternativa padronizadora que acople no projecto de um regionalismo no que a língua espanhola se reserva o lugar sobranceiro face às outras línguas, consideradas "autonómicas". Podes explicar mais da origem política deste projecto?

Efetivamente, o ILG joga um papel mui negativo no processo de padronização do galego e nós pensamos que isso se deve a quem colhe nas suas mãos esse processo, um asturiano, Constantino García, que, no instante no que ascende ao lugar do que gere a normativização não tem nenhuma publicação em galego e o seu conhecimento do mesmo é, séndomos educados, escasso. Em realidade, Garcia atua movimentado por prejuízos, pola consideração de Galiza como uma “região” espanhola, como chega a dizer, à que, logo, lhe corresponderá uma língua autonômica, não soberana, mas dependente. Depois de anos exercendo o poder normativo absoluto, o ILG atual segue a esteira de quem foi o seu iniciador e máximo responsável durante anos.

    "Garcia atua movimentado por prejuízos, pola consideração de Galiza como uma “região” espanhola"

Parte o livro, depois, da análise de Alain Badiou arredor da identidade. A defesa da identidade, diz o ensaio, deve envolver em primeiro lugar a purificacão de elementos conservadores e, em segundo lugar, o estabelecimento de uma ligacão entre o particular e o universal. Em que sentido? Em que sentido pode perceber-se o nacionalismo como vínculo entre o particular e o universal?

Os inimigos das identidades não dominantes acostumam acusar as pessoas nacionalistas ou independentistas de serem mentes estreitas, rudes, nazionalistas, necionalistas. Do nosso ponto de vista, o galeguismo, soberanismo, independentismo, como ti queiras, deve-se situar no lugar de convergência de dous blocos de valores: aqueles estritamente nacionais que atingem a identidade -Língua, Cultura, Costumes e outros- e os universais como Solidariedade, Igualdade, Justiça, Liberdade, etc.

Os valores universais são os que garantem não cair no racismo, na xenofobia ou no machismo, enquanto os particulares afiançam a nossa posição entre o conjunto de povos do mundo, oferecendo as nossas experiências, as nossas particularidades ao conjunto da humanidade. E duas cousas mais: não há possibilidade de universalismo se não está ancorado num lugar, como mostram os nomes de Macondo, El Toboso ou Dublim; e, ademais, é preciso a identidade própria purifica-la de elementos conservadores -racismo, sexismo...- para caminharmos numa direção de progresso e não de reação.

    "É preciso a identidade própria purifica-la de elementos conservadores (racismo, sexismo...) para caminharmos numa direção de progresso e não de reação"

O imaginário espanhol formula o tópico das "outras línguas" como "minoritárias", em correspondência com o estereótipo das "minorias" basca, catalã. A que obedece esta estratégia?

Justamente ao que comentamos antes. Para o Estado existem umas línguas minoritárias, secundárias, acessórias, prescindíveis, regionais e outra língua majoritária, principal, imprescindível, nacional, própria da nação espanhola. É uma estratégia de desrespeito e desprezo ao que não seja espanhol, digamo-lo entre aspas, e formula um combate político utilizando o imaginário, o econômico, o social e as suas poderosíssimas alavancas. Porque o Estado formula sempre as cousas da perspectiva contável e do número, como se uma verdade dependesse da quantidade de pessoas que a afirmam. Se assim for, Galileu, por por um caso, não teria razão, mas o tempo demonstrou que a tinha.

    "Para o Estado existem umas línguas minoritárias, secundárias, acessórias, prescindíveis, regionais e outra língua majoritária, principal, imprescindível, nacional, própria da nação espanhola"

Para explicar que o galego não é língua minoritária na Galiza, -em qualquer caso seria o espanhol a minoritária e o galego a minorizada-, o livro utiliza dados que não estão muito actualizados. Por que? Os últimos dados do IGE são menos optimistas.

Bom, eu diria que isso que comentas tem só uma parte de verdade. O livro terminou-se em 2013 e contem dados, vem-me agora à memória Henrique Monteagudo, de 2011. De todas maneiras, desejaria salientar que o texto não quere entrar em territórios da filologia ou da sociolinguística, mas nos da política; o texto não é um livro sobre a norma, mas sobre a política. Não desejávamos fazer projeções sobre o futuro do galego, nem analisar os retrocessos ou os avanços -que também os há´- da língua.

Queríamos sublinhar outro tipo de questões, como a higiene democrática, a censura, a escolha ideológica do padrão normativo, o consenso de dous séculos e meio, desde começos do século XVIII até o terceiro terço do XX, sobre a unidade do sistema galego-português, o abuso de poder por parte do ILG, a identidade galega, a democracia ou o teimoso projeto de afastamento do galego das suas raízes históricas e a sua vagarosa convergência prática com o espanhol.

    "Desejaria salientar que o texto não quere entrar em territórios da filologia ou da sociolinguística, mas nos da política"

Na prática, explica o livro, em muitos aspectos as normas do ILG-RAG tomam como referência o espanhol. Por exemplo, na acentuacão. Ou na aceitação do "ñ". Por que não pode suster-se, segundo vocês, nesses casos, o argumento de que se usaram razões pragmáticas de hábito (língua falada), didácticas...?

É certo que também se desenvolveu uma linha de pensamento baseada no que ti apontas, quer dizer, no pragmatismo, na facilidade de aprendizagem da escrita e outros. Mas devemos entender que, além disso, quando Constantino Garcia afirma que somos -refere-se às pessoas que estão a normativizar- “separatistas” não se pode negar que está a introduzir uma categoria política, eixo central, e a romper um consenso histórico, que, na altura, durava, como acabo de dizer, já mais de dous séculos e que afirmava a unidade basilar do bloco galego-português.

A partir da chegada de Garcia à direção do ILG começa a afirmar-se a ideia de que galego e português são idiomas distintos. É mais fácil aprender a escrita do galego a partir do espanhol? Sim, se consideramos que o primeiro está situado na órbita do segundo e que o dever da norma é ir abolindo a unidade histórica e banindo o português na mesma medida que se lhe abre a porta ao espanhol. No que atinge a acentuação, pergunto, não é estranho adotar uma acentuação dum sistema pentavocálico para um heptavocálico, rejeitando o heptavocálico que temos à nossa beira? Não subjaz nisto o conhecido quadrinho de Castelao, à beira do Minho, "e os da outra beira são mais estrangeiros que os de Madri"?

    "É mais fácil aprender a escrita do galego a partir do espanhol? Sim, se consideramos que o primeiro está situado na órbita do segundo e que o dever da norma é ir abolindo a unidade histórica"

Mas o livro descreve também uma luta de poder, nos anos 70, entre o ILG e a RAG, na que Constantino García vai impondo o seu critério. Quem era Constantino García -antes e depois de ser director do ILG-, e quais eram, na vossa opinião, os seus objectivos a respeito do galego?

Não quero fazer julgamentos sobre os objetivos de Constantino García a respeito do galego, porque não os conheço. Direi quem era, do ponto de vista acadêmico, nos anos finais da década dos 60 e começos dos 70. Era uma pessoa que, quando colhe as rédeas da padronização do galego, não tem nenhuma publicação nesta língua, como a sua bibliografia mostra. Quando dizemos no texto que Constantino Garcia é “ágrafo” em galego não se trata duma desqualificação senão que corresponde à comprovação duma evidência.

E, nessa altura, Carvalho Calero possui uma produção criativa e crítica esmagadora, é membro da Academia e do Instituto Padre Sarmiento e dá aulas na Universidade em galego, cousa que não faz Garcia. Como em tantas ocasiões, a política fornece respostas: Carvalho combatera em prol da República, fora condenado a 12 anos de cárcere e expulso da docência durante 25 anos. Constantino Garcia, um ser, para nós, tóxico para a língua galega, não pode resistir a mais mínima comparação com Carvalho no que se refere a currículo, competência, dedicação e amor polo nosso idioma. Ora, existe uma ocorrência decisiva que a crueza dos feitos mostra e que se deduz do acontecido: no ano 1970, baixo a ditadura, Carvalho Calero era um ser insuportável para esta e Constantino Garcia, não.

    "Quando dizemos no texto que Constantino Garcia é “ágrafo” em galego não se trata duma desqualificação senão que corresponde à comprovação duma evidência"

Constantino García descualifica as normas da RAG como "retrocesso", trás o qual Ramón Pinheiro, contradizendo o seu próprio discurso pró-lusófono, define o projecto do 'Gallego 1' como "interesante" e "antilusista". Que significa isto para a futuro da norma ILG-RAG? Que papel pensam que jogou o próprio Pinheiro, ademais de proteger a posição de Galaxia?

Eu penso que Pinheiro, em linha como o seu pensamento profundamente pragmático e calculadamente ambíguo, segue -ou sinala- o caminho de muitas outras pessoas, cujas opiniões se recolhem em “Da identidade à norma”, que mudam de opinião, porque os novos ventos da política o exigem. Estas mudanças contribuem a consolidar as posições “separatistas”, no sentido de Constantino Garcia e a achegarem o galego ao espanhol. Historicamente, por outra parte, como afirmava Alonso Estraviz numa entrevista que, se não erro, ti mesma lhe realizaras, o nacionalismo sempre defendera a identidade linguística galego-portuguesa, mas nunca se atrevera a leva-la à prática.

    "Como afirmava Alonso Estraviz numa entrevista, o nacionalismo sempre defendera a identidade linguística galego-portuguesa"

No 82 unificam-se as normas do ILG e da RAG, segundo afirma o livro, num processo pouco transparente. Em que sentido?

Em várias ocorrências. Uma: quando Garcia Sabell, daquela presidente da RAG, convoca uma Junta Extraordinária para estudar as normas, na convocatória roga-se que o borrador não chegue aos meios, quer dizer, que de luz e taquígrafos, nada; duas: quando se celebra a Junta, só se convida La Voz de Galicia e Ideal Gallego; três: esse dia, um trabalhador da Academia, situado à porta, pergunta a cada pessoa a que meio pertence, consentindo o acesso de uns e negando outros; quatro: ainda que se fala de estudar o relatório, este já está preparado para a sua entrega ao prelo, o que converte a Junta numa pantomima.

Cinco: uma questão tão importante como a padronização duma língua em situação de dependência leva-se a cabo sem consultar professorado, escritoras e escritores, associações de defensa da língua, profissionais, ou culturais, quer dizer setores envolvidos com o idioma, recaindo a decisão num conjunto de 27 pessoas; seis: ainda que os meios anunciam que são 27 as pessoas assistentes, em realidade só assistem 20; sete: furta-se a opinião do parlamento que, segundo se afirma, é onde repousa a soberania popular ... em fim, para que vou seguir.

Provavelmente esta atitude se resume nas palavras de Constantino Garcia que se reproduzem exatamente no nosso livro e cito de memória e que afirmam que “eu não tenho que discutir nada com ninguém, porque tenho o poder e só tenho que colocar a minha gente nos postos de poder”. Estas palavras, repugnantes do ponto de vista democrático, mostram uma mentalidade caciquista, autoritária e inadmissível para qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade.

A isso era ao que me referia antes quando falava de abuso de poder por parte do ILG e por isso considero Constantino García um ser ateigado de prepotência, sem a mínima humildade e nefasto para a língua e a cultura galega, notadamente quando demonstra como demonstra uma mui escassa capacidade de razoamento científico. O caso que analisamos no texto da tomada de decisão de man antes do que mão é um exemplo paradigmático de insuficiência discursiva e de excesso manipulador. Seria impensável um ser com o seu perfil atingir a presidência de Euskaltzaindia ou do Institut d’Estudis Catalans.

O discurso oficial considera, desde então, o português como "recurso fundamental", mas ao mesmo tempo empatiza as diferenças com o galego ou mesmo as "deficiências" do português, segundo o livro. Qual seria então o mecanismo que segue a sustentar isto, tendo em conta que o ILG e a RAG sim contam com pessoal formado em galego e em português, parte do qual sim fixo ademais trabalho de campo de lexicografia?

Ao meu ver, o mecanismo essencial que terma desta situação é a ideologia. Como ti bem dizes, ILG e RAG contam com pessoal qualificado. Ora, eu perguntaria, pondo-me com retranca galega, e desculpa que usurpe a tua função perguntadora: tenho de acreditar na formação de Francisco Fernandez Rei, Rosário Álvarez, Ramón Lorenzo ou Xosé Xove e não na de Freixeiro Mato, Pilar Garcia Negro, Elias Torres, José Luis Rodriguez ou Celso Álvarez Cáccamo, por agir só no âmbito universitário, pessoas todas as citadas com milheiros de páginas escritas sobre o galego?

A mim, defensor e orgulhoso do galego, deve-me outorgar muita confiança uma instituição que nasce com o nome de Instituto de la Lengua Gallega e tarda quase uma década em muda-lo ao atual? Devo eu confiar numa instituição que muda o nome de Real Academia Gallega para Real Academia Galega o ano 2000? Que grau de compromisso com o país e a democracia me deve merecer uma Academia da que Francisco Franco é membro até o ano 2009? Que devo pensar duma Academia na que praticamente o sessenta por cento dos seus membros pertencem à universidade de Compostela e às da Crunha e Vigo um zero por cento? Representa isso a realidade intelectual, linguística e cultural do país?

    "Que grau de compromisso com o país e a democracia me deve merecer uma Academia da que Francisco Franco é membro até o ano 2009?"

Mas, -e este é também um dos argumentos do reintegracionismo-, não existe norma "oficial" nem galego "normativo", segundo os tribunáis. Por que?

Porque o afirma uma sentença do Tribunal Superior de Justiça da Galiza que se baseia em que no Reino de Espanha não há normativas oficiais nem gráficas porque se assim for as pessoas estariam discriminadas em razão da ortografia, cousa que contradiz a constituição espanhola e o estatuto de autonomia, polo qual foi preciso que o governo galego tivesse de tirar da papelada oficial, DOG, etc. os conceitos de “normativa” e “oficial”.

Também porque magistrados do próprio TSJG redigem no seu dia sentenças em norma reintegrada que se aceitam. Que ocorre então? Que a magistratura pode escrever assim e os e as demais que o desejem não?

Finaliza o livro com um estudo sobre a língua en Galicia Confidencial, Galicia Hoxe, Praza Pública e Sermos Galiza. Ficam fóra Dioivo, Mundo Galicia ou De Luns a Venres. Por que se inclui Galicia Hoxe, tendo en comta que desde que no 2011 deitaram todos os trabalhadores à rua (lingüistas e redactores), é pouco mas que uma carauta na que alguém passa um tradutor a notícias escritas em castelhano? Quero dizer, tendo em conta isso, é como se analisas a qualidade do galego da versão web em galego de La Voz ou do Faro, em lugar das poucas novas redigidas em galego que publicam. O único que podes analisar, se calhar, neste caso, é a qualidade de um tradutor automático.

Como qualquer critério, o nosso pode ser discutível. Nós consideramos que a análise devia concretizar-se em jornais generalistas, que acolhessem política, deportes, música, economia, internacional, movimentos sociais, lezer, opinião, moda, ciência ... em fim todo o que ocorre a diário no país, no estado e no mundo. E, por outra parte, que a produção fosse regular, diária e que, com regularidade, atualizasse os conteúdos, quer dizer, que aparecessem entre dez e quinze notícias ao dia. Por isso, sem desbotar em absoluto o seu interesse que, em ocasiões é grande, não figuram Novas de Galiza, Diário Liberdade ou Mundo Galiza.

    "Nós consideramos que a análise devia concretizar-se em jornais generalistas"

Não che falta razão no que atinge Galicia Hoje, mas não deixa de ser certo que o número de notícias desta publicação é, ou era, amplo, muito mais que nos casos que vimos de sinalar e que tem um certo número de pessoas colaboradoras que escrevem, ou escreviam em 2013, artigos especificamente para esse cabeçalho e que não especificava, como nos casos que sinalavas de La Voz ou o Faro, essa dupla versão galego|espanhol que aparece nestes. E, ao invés, permite já não só detectar a presença do tradutor automático, mas também o desleixo dum jornal que nem sequer se molesta em botar uma olhada depois de traduzir.

Uma das conclusões é a relação entre qualidade linguística e maior achegamento à lusofonia. Nesse aspecto, Sermos seria o melhor. Com que critérios consideram esse maior achegamento ao terreno lusófono um signo de qualidade?

Como bem sabes, o texto explica o método escolhido: agindo sempre, e isto é muito importante sublinha-lo, dentro do campo da normativa do ILG e não na reintegracionista, analisa-se o achegamento e o afastamento dos quatro cabeçalhos a essa normativa. A seguir, sempre com critérios assentados, teimo, no nosso idioma, comprovam-se os erros cometidos por cada um dos jornais no tratamento de questões estritamente próprias do galego: incorreta colocação de pronomes na frase, confusão dos pronomes te e che, castelanismos inaceitáveis, aparição de certos tempos verbais compostos inexistentes em galego, tradução literal de frases feitas, atafegante presença da construção espanhola que implica a presença de “a” entre o verbo ir e um infinitivo -vou a fazer, em troca da galega vou fazer-, confusões de gênero, ausência da flexão do infinitivo, etc.

O resultado final da pesquisa podia-se resumir na fórmula de “quanto menor distância a respeito das opções da lusofonia, melhor qualidade do galego empregado”. Neste sentido, e por este ordem, Sermos Galiza e Praza Pública são os menos incorretos, enquanto Galicia Hoxe o que pior qualidade exibe.

    "O resultado final da pesquisa podia-se resumir na fórmula de 'quanto menor distância a respeito das opções da lusofonia, melhor qualidade do galego empregado”

Mas em geral, apreçam uma qualidade "mediocre", quando não total ausência de "interesse", e relacionam isso com a linha editorial: maior ou menor achegamento ao nacionalismo. Podem explicar isto? Nesse sentido, a direita do GH representaria o maior desleixo.

Não estou mui certo que nós estabeleçamos a equação “a mais nacionalismo, melhor idioma” nalgum ponto do texto. Em primeiro lugar, os posicionamentos ideológicos são os que se tiram de informações recebidas dos próprios jornais e como se definem a si mesmos, bem como da linha que, num sentido ou outro, vão balizando o seu roteiro.

Neste sentido, mesmo tentamos salientar que os resultados da pesquisa se focam no período analisado. O que nós afirmamos é que “a maior achegamento às opções da lusofonia, melhor qualidade do galego”. E, com efeito, tens razão ao afirmares que Galicia Hoxe mostra o maior grau de achegamento ao espanhol e, ao tempo, representa o maior desleixo no tratamento da língua galega.

    "Galicia Hoxe mostra o maior grau de achegamento ao espanhol e, ao tempo, representa o maior desleixo no tratamento da língua galega"

Que seja criticada a qualidade escassa da língua da mídia não é raro. Também não no caso do espanhol. Pode haver, então, outros factores, além da linha editorial, que a expliquem, e que não considera o livro, ou não tanto? -Refiro-me, por exemplo, à eliminação da figura do corrector linguístico, o qual é relevante num país em que as competências linguísticas em galego são pelo geral bastante deficientes-.

É verdade que a qualidade da língua dos mídia é escassa, sejam estes os que forem. Ora, concordarás comigo que não é nada habitual que num jornal escrito em espanhol na Galiza alguém escreva “produció”, “dijéronle” ou “asomada a la janela”. A presença duma pessoa que desenvolvesse funções de correção linguística, com toda segurança, melhoraria o idioma escrito.

Mas a questão na que devemos refletir é a de porque pessoas com titulação universitária, muitas vezes doutoras, muitas vezes pertencentes ao professorado da universidade (titulares ou catedráticas) não podem escrever um texto de quatrocentas palavras, um fólio, sem introduzirem quatro, sete, doze erros e isto um dia após outro, enquanto essas mesmas pessoas escrevem um espanhol impecável.

    "Por que pessoas com titulação universitária, muitas vezes doutoras não podem escrever um texto de quatrocentas palavras, um fólio, sem introduzirem quatro, sete, doze erros e isto um dia após outro?"

Nesse sentido, a experiência de Xornal de Galicia deitou abaixo alguns tópicos. O uso do galego não se reservava neste jornal a certas datas ou certas páginas/secções. Mas a maioria dos redactores escolhiam trabalhar na língua em que sabiam escrever: o castelhano. Hoje, as possibilidades de acabar escrevendo em galego num meio de comunicação são ínfimas, -e jà não digo de viver disso-, devido ao desmantelamento da imprensa em galego. Como convencemos então aos jornalistas que se estão a formar agora da importância de formar-se em galego?

Já sabes qual é a resposta: o problema do galego tem umas raízes alicerçadas no que se podem chamar condições objetivas -razoes sociais, econômicas e políticas- e outras subjetivas -baixa autoestima, insegurança, falta de decisão ...-. O convencimento, face os jornalistas e face a toda a sociedade, tem de ter em conta, necessariamente, esses dous eixos, incidindo, ousaria dizer que a partes iguais, nos dous vetores, o da objetividade e o da subjetividade.

O labor não é fácil, mas o caminho deve ser o que sempre seguiu, em qualquer parte do mundo, a sociedade, o movimento, o setor que desejou empreender um projeto emancipador: definição precisa de objetivos, determinação e confiança nas próprias forças. Esse método foi o que forneceu vitórias que, antes de começar o confronto, se consideravam uma quimera. Os exemplos na história são inumeráveis.

Como é lógico, a norma vigente não é a responsável da situação do galego, mas, justamente dentro das subjetividades, joga um papel importante, porque, no território simbólico, achega o galego ao espanhol. Por dizê-lo em palavras de Pompeu Fabra, o normativizador do catalão, o sistema de representação do galego é “demasiado espanhol” e isso é um fator mais que contribui a rilhar, de vagarinho, a nossa identidade.

    "A norma vigente não é a responsável da situação do galego, mas, justamente dentro das subjetividades, joga um papel importante"

Tu mesmo mudaste de uma norma à outra, passando de publicar em Galaxia a publicar em editoras de menor tamanho. Uma das consequências foi que Palavras a Espártaco fora excluído de um prêmio. Desde aquela, ao menos abriu-se o debate com o manifesto sobre o "apartheid" do reintegracionismo, e houve avanços como um duplo volume publicado entre a AGAL e Xerais. Como vês a situação agora? Surprendeu-te a reação da "cultura galega" oficial nesse sentido?

Eu acho dramático, não do ponto de vista pessoal, mas do da democracia, que um autor que leva publicando numa editorial trinta e cinco anos deva abandona-la por uma questão gráfica. Montse, se ti falas com responsáveis de editoriais, com membros da Real Academia Galega, com pessoas significativas da ciência, da cultura, mesmo do mundo empresarial com sensibilidade de país, reconhecem, em privado, a necessidade da convergência com o português. Mas existe medo, essencialmente de natureza política, das decisões de quem deseja perpetuar o galego na situação de dependência na que se acha.

    "Existe medo, essencialmente de natureza política, das decisões de quem deseja perpetuar o galego na situação de dependência na que se acha"

Deste ponto de vista, a situação, democraticamente falando, é própria dum país ditatorial, no que os direitos individuais não se respeitam. Do meu ponto de vista, estritamente pessoal, a única saída realmente democrática seria aquela que, mantendo a norma chamada “oficial”, permitisse o uso livre de grafias reintegracionistas em editoriais, concursos literários, relações com a administração, etc. Em resumo, que se reconhecesse a existência duma discrepância e que se aplicasse um critério aberto. Se desejarmos, que no ensino não se tocasse a norma atual, mas que se desse a oportunidade de debate em situações, polo menos, parecidas. De todas maneiras, antes ou depois, a justiça vai vencer porque, como ti sinalavas ao começo desta entrevista, está a avançar a ideia das vantagens de convergência com o português. Hoje existem editoriais, revistas, publicações diversas que não aplicam já a censura gráfica.

    "Do meu ponto de vista, estritamente pessoal, a única saída realmente democrática seria aquela que, mantendo a norma chamada “oficial”, permitisse o uso livre de grafias reintegracionistas"

Não sou quem de resistir, em relação com o que ti propões, falar do que significa a interiorização democrática, em relação ao conflito que apontas sobre o prêmio Victoriano Taibo, o Instituto de Estudos Miñoranos e o meu poemário 'Palavras a Espártaco'. Perante a situação gerada, o IEM, decidiu incluir, na seguinte edição, a restrição de normativa “oficial”, conhecendo a sentença do TSJG, a discriminação legal, com a constituição e o estatuto na mão, o caráter antidemocrático da decisão e, notadamente, a sua imensa injustiça. Outras entidades, porém, com um espírito menos repressor, permitem o concurso baixo qualquer grafia premiando só a qualidade.

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