A verdade não se vende

Muita gente surpreende-se de na Galiza cada vez mais pessoas de empresa (agora chamadas empreendedoras) compartilhem e defendam ideias que até há pouco eram consideradas "anti-sistema", como são o reintegracionismo linguístico ou o decrescentismo económico.

Deixando de lado os tópicos ultrapassados sobre o empresariado, penso que a interpretação de "anti-sistema" vem do que entendamos por "sistema". Sendo a realidade a premissa necessária para qualquer actividade económica livre e honesta, "o sistema", tanto na versão de Estado que propicia a concentração de capital e poder, como no formato de cultura oficial galega que esse Estado impulsiona, está já completamente fora da realidade.

O Estado construiu uma mentira que ocupou o lugar da economia livre. Os grandes oligopólios controlam e concentram para si todo o poder, e ditam a política económica aos seus empregados: do presidente do governo aos demais funcionários. Ainda que em casos de ordinária administração, lhes permitam trabalhar como se existisse o princípio da não discrição entre cidadãos, e a separação do poder político e económico, e inclusive os vemos iludir programas e ainda ideologias do gosto da gente que os legítima com votos, o certo é que a verdade foi expulsa da economia e a política.

Dizia Mariano Rajoi, estando na oposição, que os espanhóis mereciam um Presidente que lhes contasse a verdade. No momento em que ele ocupou a responsabilidade de o fazer, a verdade foi a primeira vítima, e o seu programa eleitoral papel molhado. Foi por uma intenção piedosa? Talvez sim, e as pessoas que se consideram espanholas (digamos, por não entrar em questões identitárias, que aquelas que pagam gostosas os seus impostos) não estejam preparadas psicologicamente para a verdade.

Lembro essa incapacidade para ver a realidade quando Espanha participou diretamente numa guerra -a primeira do Golfo Pérsico- após muitas décadas de não fazê-lo, um dos argumentos que escutei para mascarar a palavra "guerra" foi que os espanhóis não estavam "psicologicamente preparados" para um conflito bélico. De igual maneira continua a acontecer com o eufemismo de "missões internacionais".

De qualquer jeito, desconfio que a ocultação da verdade seja apenas devida à vontade dos políticos profissionais de proteger os espanhóis por indisposição psicológica destes. Mais bem acho que a mentira forma parte da profissão política como um instrumento básico para o seu exercício; e em troca à política profissional cumpre-lhe prescindir daquele outro que destroçaria qualquer conta de resultados eleitorais: a verdade.

A lógica da carreira política profissional consiste em fazer promessas impossíveis para conseguir o poder, e ocultar a realidade para o manter. O lucro ilegítimo, a mentira e a falsidade formam parte do ofício como também acontece naquele outro que se tem denominado "o mais antigo do mundo".

Como no sistema profissional de prostituição, os eleitores e ilusos militantes compram um falso serviço. No caso da política, um bem-estar psicológico, de participação, de seguridade, de justiça e de proteção. Em ambos, os clientes pagam por aquilo que poderiam e deveriam obter de graça mútua e sem rapina.

No subsistema político galego ainda observamos uma particularidade mais: os profissionais vendem à sua torcida sentimentos de compromisso e boa consciência. Os ridículos eleitorais do nacionalismo galego, o seu cainismo e devalo teriam que ser estudados algum dia por expertos mais formados do que eu com base nestas claves interpretativas.

Ainda a nossa extinção cultural e linguística também poderia ser interpretada com honestidade e considerando a falsidade dos atuais referentes culturais oficiais do sistema. Esperemos que a mentira seja desmascarada a tempo, e a verdade apareça antes de ser um resto descoberto em escavações.

Negativismo? Ao contrário. Se todo isto não é fácil de admitir é porque a mentira virou para nós em parte do jogo aceite universalmente, e a verdade em algo nem necessário nem conveniente. Contudo, aspirarmos à verdade continua a ser algo irrenunciável. É-o para a própria dignidade, e diria que também para a própria sobrevivência e realização pessoal e colectiva.

E quê é a verdade? Não há respostas para essa pergunta. Apenas procuras. Um exemplo mo aprendeu um animal que convive connosco: o mais sábio e de linhagem mais antiga, a tartaruga. Ela afirma que hibernar é necessário para ter uma vida mais longa e feliz. Se um não lhe fizer caso e lhe aplicar água quente no inverno, ela comeria mais e seria mais grande. Mas o seu ciclo natural é crescer de vagar... e viver mais de cem anos.

Antes de termos o chamado "bem-estar" os humanos que povoávamos Galiza trabalhávamos pouco no inverno, que é quando há menos luz e calor, e mais -e cantando!- no verão, que é quando temos energia natural. Com o "bem-estar" moderno trabalhamos (quem diz que tem "a sorte") chorando de noite a noite, tomamos pastilhas para dormir, e descansamos nas estações de calor do estrés produzido nas de frio. A energia artificial barata e os serviços médicos para nos manter operativos e prolongar as nossas vidas são produzidos (cada vez menos) ou prometidos (cada vez mais) polo Estado-Amo. De dentro é difícil ver que esse tipo de vida escrava e destrutiva nem é humana nem é lógica, e ainda mais: é impossível de manter e fazer progredir eternamente. Os galegos "modernos" tampouco estamos preparados para a verdade.

Moramos num sistema falso e injusto, e talvez não poderemos abandona-lo dum dia para o seguinte. Mas algum dia será ele quem nos abandonará definitivamente. Porém, não faz sentido acreditar em alternativas salvadoras no seu interior, nem ainda menos aceitá-lo como inevitável: adorá-lo, convertê-lo em fim das nossas vidas, objecto das nossas ilusões e as das nossas crianças, e único futuro para a Humanidade.

Talvez tenhamos que seguir as suas regras obrigatórias, continuar vivendo nele com toda a dignidade e liberdade interior de que formos capazes. Mas não renunciemos ao nosso direito e dever de procurar a verdade, e ajudar outrem a procurá-la para contribuir a fazer mais digna a vida, a compreender melhor as suas contradições e quebras, e encontrar possibilidades e caminhos de economia real.

Podemos neste sentido preparar o futuro coletivo com instrumentos sociais e produtivos que tivemos no passado e que permanecerão no futuro. Mas todo isso não o encontrarão nas montras habituais da atual oferta política profissional. A verdade não se vende, nem está à venda.

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