Capitalismo, o sistema global sem alternativa

Capitalismo global binario Dominio Público

A utopia altermundista, junto com outras precedentes parecem terem-se evaporado definitivamente no mundo desencantado de incerto futuro com que culminamos o primeiro quarto do século XXI. A Grande Depressom de 2008, o Grande Confinamento vírico do 2020 e a rotura dos equilíbrios geoestratégico provocada pola Guerra de Ucránia preludiam o imparável declínio das utopias.

A utopia altermundista, junto com outras precedentes parecem terem-se evaporado definitivamente no mundo desencantado de incerto futuro com que culminamos o primeiro quarto do século XXI

Conceitos como Revoluçom Social e Comunismo perdérom toda credibilidade. A persistência da utopia da redençom social em determinados círculos só pode explicar-se pola vao empenho de manter vivo o relato consolador que inspira determinadas comunidades de sentido, política e socialmente irrelevantes. Comunismo?: apenas Coreia do Norte e Cuba.

Aquele fantasma que recorria Europa no Manifesto revelou-a sua existência espectral. Acode imediatamente à mente a aguda observaçom de J. M. Keynes nas notas finais da sua Teoria Geral: “…as ideias dos economistas e os filósofos políticos, tanto se forem correctas como erróneas, tenhem mais poder do que se crê. De facto, o mundo está dominado por elas. Os homens práticos, que se crêem livres de qualquer influência intelectual, costumam ser escravos de algum economista defunto. Loucos com autoridade, que auscultam vozes no ar...”.

A crise de grande relato, as potentes cosmovisons que dotavam de sentido à existência, refugiam-se actualmente nas bibliotecas enquanto o capitalismo campa sem rival mundo adiante em diversas variedades,. O capitalismo é o autêntico sistema-mundo. Nada fica fora do sistema nem se percebem alternativas fora dalgumha fantasia tecnológica, verde ou comunitária. A hipótese de existir um sentido no percurso da história fica reduzida a quimera desacreditada cunhada por um filósofo defunto há mais de duzentos anos, Friedrich Hegel.

Bandeiras dos EUA e de China Dominio Público USDA

O domínio sem rival do sistema capitalista mundial acabou prevalecendo sobre os arrepiantes experimentos de engenharia social que foram ensaiados para superá-lo. A actual ciência social tende a julgar o cruento experimento comunista como umha simples modalidade do mecanismo de acumulaçom primitiva de capital, idóneo em sociedades pós-colonialistas ou pós-comunistas em procura de desenvolvimento. Um atalho serôdio ao bem-estar.

Conceitos como Revoluçom Social e Comunismo perdérom toda credibilidade. A persistência da utopia da redençom social em determinados círculos só pode explicar-se pola vao empenho de manter vivo o relato consolador que inspira determinadas comunidades de sentido, política e socialmente irrelevantes

A dissoluçom da Uniom Soviética a final de 1991 derivou em caótica rapina de empresas e bens públicos que permitiu alicerçar o capitalismo oligárquico que actualmente sustenta o regime de Putin. Na China, a consagraçom do regime de capitalismo de Estado experimentou um rápido desenvolvimento a partir da chefia de Deng Xiaoping no Comité Central do Partido Comunista, inaugurado aliás com violência tiránica na Praça Tiananmen em 1989. Deng Xiaoping foi o autêntico demiurgo do tránsito do dogmatismo maoista à denominada economia socialista de mercado em vigor desde aquela. Um famoso lema do próprio Deng resume o seu pragmatismo pós-ideológico: gato branco gato preto tanto tem enquanto caçar ratos. O imparável crescimento da desigualdade social e a poderosa influência de macro corporaçons oligárquicas como o portal de internet Tencent, a plataforma de comércio electrónico Alibaba ou o florescente portal de ediçom de vídeos Tik Tok, mostram umha China auto satisfeita plenamente integrada na selva mercantil internacional.

Os regimes capitalistas imperante nos países pós-comunistas exibem como elemento característico um poderoso segmento oligárquico subordinado ao poder político e leal aos ditames do partido guia que rege o sistema. As normas implícitas que o regulam tenhem carácter discricional e limites competenciais fluidos e difusos aptos para activar a vontade. A diarquia político-empresarial que ostenta o poder revelou-se com toda claridade no casso russo com ocasiom da invasom de Ucránia em forma de luxuosos iates e opulentas mansons em maos dos privilegiados polo sistema. Fica sempre em reserva a possibilidade de infligir purgas aos empresários díscolos como aconteceu na China com a condena de dezoito anos de prisom do magnate Sun Dawu. Convidamos o leitor interessado no particular funcionamento da diarquia político-empresarial chinesa à leitura dum esclarecedor artigo ao respeito de um reputado especialista na matéria1.

Vivemos imersos num regime de capitalismo mundial cuja estrutura comportamento e modalidades particulares fôrom objecto de um penetrante ensaio interpretativo por parte do reputado economista sérvio-americano Branko Milanovic,. No seu livro, Capitalismo nada mais2, o autor analisa o domínio mundial sem alternativa do sistema capitalista caracterizado pola propriedade privada dos meios de produçom e o reparto dos ingressos gerados entre os proprietários dos meios de produçom e o seus assalariados. Branko Milanovic postula o carácter binário do sistema com duas modalidades em aberta competência: o capitalismo meritocrático e liberal, CML, e o capitalismo político autocrático, CPA. Coexistentes por enquanto na China sob a fórmula um país, dous sistemas consagrada por Deng Xiaoping para acolher as duas modalidades do capitalismo chinês, o continental e o de Taiwan.

Branko Milanovic postula o carácter binário do sistema com duas modalidades em aberta competência: o capitalismo meritocrático e liberal, CML, e o capitalismo político autocrático, CPA

Neste sistema-mundo de estrutura binária ou dual, os adjectivos meritocrático e liberal do capitalismo euro-atlántico procedem da Teoria da Justiça (1971) de John Rawls que delimita as duas características inerentes ao mesmo: a selecçom profissional a partir do talento —embora a sua apropriaçom em forma de capital humano esteja altamente determinada polo status social de partida— e a existência de mecanismos fiscais redistributivos garantes da “igualdade liberal”. O capitalismo meritocrático liberal experimentou contodo notáveis mudanças desde finais do século XIX: capitalismo clássico, anterior a 1914; capitalismo social-democrata, posterior à Segunda Guerra Mundial; capitalismo meritocrático e liberal, CML, irradiado desde os EUA desde começos do presente século.

A outra modalidade do capitalismo contemporâneo, o capitalismo político autocrático, CPA, surgiu nas sociedades pós-comunista da Federaçom Russa e a China, seguidas polo Vietname, Malásia e Singapura e projectado com sucesso ao continente africano e na América do Sul. O modelo CPA ajusta-se às seguintes características: 1) o sistema gravita entorno a um núcleo dirigente configurado como burocracia rectora, tecnicamente esperta e beneficiária principal, responsável de assegurar o crescimento económico em que baseia a sua hegemonia 2) Inexistência de um sistema jurídico-legal garante do império da lei, substituído por um regime discricional desenhado e gerido pola burocracia dominante 3) Autonomia ilimitada do Estado e do partido que o representa como instáncia decisora única e inapelável.

A modalidade meritocrática sustenta-se num sistema de garantias submetido ao império da lei juridicamente protegidas da arbitrariedade dos poderes económico e político. O modelo político autocrático no entanto carece de contrapesos arbitrais e fica sujeito à discricionariedade inapelável do poder político. A imprescindível legitimaçom social do sistema CPA descansa na sua capacidade para garantir o progresso económico e de difundi-lo ao conjunto da sociedade que o reconhecido sinólogo galego Xúlio Rios caracterizou com engraçada agudeza como regime de eficracia3. O Gato branco, gato negro do credo político chinês.

A imprescindível legitimaçom social do sistema CPA descansa na sua capacidade para garantir o progresso económico e de difundi-lo ao conjunto da sociedade que o reconhecido sinólogo galego Xúlio Rios caracterizou com engraçada agudeza como regime de eficracia

A dimensom planetária do bloco de países alinhados em regimes de capitalismo político autoritário, CPA, é muito mais extenso do que caberia imaginar. Milanovic enumera uma listagem de onze países4 que transitárom de regimes coloniais a autocracias capitalistas que somavam 1.700 milhons de habitantes (24,5% da populaçom global) em 2016 e geravam o 21% do produto global medido em termos de poder aquisitivo, á altura de 2011.

A política discricional praticada no conjunto destes países em favor da plutocracia amparada polo poder tem como consequência um regime de corrupçom institucionalizada que é objecto de análise e medida pola agência Transparency International5 Os resultados relativos ao ano 2019 para o 119 países examinados mostram um mapa mundial da corrupçom onde Dinamarca com um Índice de 12 encabeça a listagem como país mais virtuoso e Sudám do Sul o cerra com um índice 89. O mapa-múndi da corrupçom, colorido de marrom, coincide com o hemisfério sul. No hemisfério norte, a China ostenta umha discreta posiçom 39 com um índice 55 e a Rússia de Putin um lamentável posto 78 com um índice 71, por debaixo figura Angola, no posto 75 e um índice 71. Por debaixo de Rússia desfila a santa companha das ditaduras cleptocrática e os seus potentados: Pakistám, Moçambique, Guatemala, a Guiné, Irám, Honduras..., vítimas da tirania e o roubo sistemático.

 

Notas

1 https://ctxt.es/es/20200901/Politica/33392/china-capitalismo-hukou-huelgas-eli-friedman.htm

2 Branko Milanovic (2020): Capitalismo nada más. El futuro del sistema que domina el mundo, Taurus, 2020, Barcelona.

3 https://ctxt.es/es/20220401/Firmas/39368/Xulio-Rios-china-eeuu-xi-jinping-democracia-partido-comunista-chino.htm

4 Os anos resenhados som os transcorridos em regime de partido único: China (1949), Vietname (1975), Malásia (1957-2018), Laos (1975), Singapura (1959), Argélia (1962), Tanzánia (1962), Angola (1975), Botsuana (1965), Etiópia (1991), Ruanda (1964).

5 https://www.datosmundial.com/corrupcion.php

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