Mercenários do terror, Ucránia invadida

Memorial de Mihail Chemiakine en San Petersburgo dedicado ás vítimas da represión política © http://www.saint-petersburg.com/

O implacável exercício do terror alimentado polas geoestratégias que se disputam o mundo bateu com força na consciência mundial com ocasiom da flagrante insubordinaçom ao Kremlin do Grupo Wagner. Um episódio extremo da dialéctica do amo e o escravo, tema predilecto da filosofia hegeliana que actualiza o implacável universo hobbesiano que preside a lógica do poder político. O amo desafiado polo escravo reclama vingança pública para restituir a ordem natural da cadeia de poder.

Há momentos em que a trama oculta salta à luz revelando a tramoia oculta do guiom. O 23 de Agosto um aviom privado da companhia brasileira Embraer que transportaba a sete passageiros e a três membros da tripulaçom saía de Moscovo rumo a Sam Petersburgo estrelava-se cerca da aldeia de Kuzhenkino com todo o estado maior do Grupo Wagner, levava apenas meia hora de voo

Vimo-nos obrigados de repente a actualizar o nosso impreciso conhecimento da lógica geoestratégica que tem a violência como última ratio. A rede mundial das corporaçons do terror promovidas polos estados para complementar o impoluto mapa das chancelarias.

Academi, actual avatar de Blackwater foi fundada em 1997 polo empresário e ex militar Erik Prince para treinar marines norte-americanos encarregados mais tarde das guerras de Afeganistám e Iraque de infausta memória e discreto braço executor das operaçons extrajudiciárias amparadas sempre polo generoso manto da imunidade governamental. Ou o Triple Canopy, triple dossel, fundada em 2003 por curtidos veteranos de corpos de elite norte-americanos como os míticos Navy SEALs da Marina dos EUA por nom falar dos Garda World canadianos ou a multinacional de “serviços de segurança” británica G4S. Todo um universo na sobra dedicado ao negócio da morte a escala industrial, um dos mais lucrativos e protegidos do mundo. Luzia entre eles o Grupo Wagner fundado polo misterioso ex-oficial do exército russo Dmitriy Valeryevich Utkin, "Wagner", e o seu comandante em praça Yevgeny Prigozhin, eliminados ambos finalmente por exigência de disciplina e exemplaridade emanados do Kremlin, o amo na sombra.

Há momentos em que a trama oculta salta à luz revelando a tramoia oculta do guiom. O 23 de Agosto um aviom privado da companhia brasileira Embraer que transportaba a sete passageiros e a três membros da tripulaçom saía de Moscovo rumo a Sam Petersburgo estrelava-se cerca da aldeia de Kuzhenkino com todo o estado maior do Grupo Wagner, levava apenas meia hora de voo. Depois véu o discreto enterro submetido a forte vigiláncia policial e concorrência restringida no cemitério Porojovskoye. Que formosos os cemitérios os russos, pensamos, instalados em plena natureza, comparados com a abigarrada cenografia fúnebre e barroca reservada aos nossos finadinhos. Era o acto final do Grupo Wagner que conseguira comover os cimentos do Kremlin por um momento.

Cemiterio militar do grupo Wagner CC-BY-SA RG72

O momento estelar do Grupo Wagner chegara em 2022 quando a Federaçom Russa decidiu encomendar sem fingimentos à corporaçom guerreira de propriedade privada o protagonismo da operaçom militar especial desenhada por Putin contra Ucránia para lavar antigos rancores de grande potência contra o irmao menor díscolo, de idêntica estirpe eslava e parelha filiaçom ortodoxa. Tratava-se de sondar agora as possibilidades de redefinir a insolente fronteira europeia da OTAN que coutava a Rússia polo oeste e cujo estado acabava de ser diagnosticada em 2019 por Emmanuel Macron de morte cerebral. Umha antigualha da Guerra Fria naquela altura.

Antes da invasom russa de Ucránia em 2022 atribuíam-se ao Grupo Wagner uns efectivos em volta dos 8.000 soldados que se iriam engrossado até alcançar os 50.000 para acometer a campanha em Ucránia

A ocasiom parecia prometedora, o astuto inquilino do Kremlin viu chegada a oportunidade de verificar a resistência da sua fronteira ocidental e o grau de conformismo da sociedade ucraniana tradicionalmente dilacerada entre a aspiraçom à cidadania europeia plena e o vínculo histórico secular com o mundo russo bem patente na longa coexistência entre o idioma russo e o ucraniano.

Antes da invasom russa de Ucránia em 2022 atribuíam-se ao Grupo Wagner uns efectivos em volta dos 8.000 soldados que se iriam engrossado até alcançar os 50.000 para acometer a campanha em Ucránia; presidiários e convictos encarcerados na sua maioria aos que se lhes prometiam soldos elevados e garantia de impunidade em troca do serviço de armas numha guerra sem quartel. As imagens da barbárie executada polo Grupo em Bucha e Bajmut e a paisagem baldia semeada de cadáveres é a imagem que persistirá para a história. Prigozhin exibia-as impudicamente ante as cámaras de televisom como troféu próprio em desonra dos generais e oligarcas do Kremlin. Umha denúncia que desfiava directamente o aparelho militar e especulativo que sustenta o regime putinista. Finalmente Prigozhin num movimento sem volta atrás decidia dirigiu as suas colunas contra Moscovo sem encontrar resistência para exibir assi ante todos a incompetência apavorada e confortável da corte moscovita. O escravo desmascarava o amo e amostrava-o inerme e impotente ante o mundo. Os mercenários da morte alçavam publicamente o seu estandarte de terror como nova legalidade, umha caveira enfurecida símbolo do seu fúnebre negócio.

Amargo final para o aprendiz de feiticeiro empenhado em reinventar a história sagrada do imenso país. Encerrado na gaiola dourada do Kremlin, o derradeiro czar contempla o seu ocaso dos deuses evocado no imaginário fúnebre do Grupo Wagner

Em 23 de Junho de 2023, o Grupo Wagner amotinou as suas tropas acusando à linha de mando do Kremlin de incompetência e traiçom. Durante a noite do 23 para o 24 de Junho, o Grupo Wagner tomou a cidade da Rostóvia do Dom, onde ficava o Quartel-General do Distrito Militar Sul que se rendeu sem opor resistência e finalmente o comboio rebelde partiu cara Moscovo detendo a marcha a apenas 200 quilómetros de Moscovo onde inesperadamente se parou depois de infringir umha humilhaçom histórica às omnipotentes Forças Armadas russas. Para Rússia já nada será igual, os EUA, a Índia e a China como principais competidores pudêrom constatar como um conflito regional europeu limitado afastava Rússia do seu papel protagonista e a relegava á condiçom de simples actor regional submetido a controle e vigilância acrescentada de umha OTAN reactivada. Nom sabemos ainda como poderá gerir Rússia o cúmulo de frustraçom acumulada e a sua degradaçom do papel preeminente consagrado em Ialta com Roosevelt e Churchill de testemunhas. Hoje mesmo, Putin nom se atreve a sair do país por temor fundado a ser reclamado polo Tribunal Internacional de Crimes de Guerra. Amargo final para o aprendiz de feiticeiro empenhado em reinventar a história sagrada do imenso país. Encerrado na gaiola dourada do Kremlin, o derradeiro czar contempla o seu ocaso dos deuses evocado no imaginário fúnebre do Grupo Wagner.

Distintivo do Grupo Wagner ata o ano 2022 © Wagner Group

O epílogo desta história podemos encontrá-lo no Passeio das Esfinges de Sam Petersburgo no tramo da escadaria do rio Nevá habilitado polos czares a finais do século XIX para instalar os templos recuperados de Tebas que iam luzir no jardim da Academia Imperial das Artes, trasladados posteriormente ao seu lugar actual em 1832. O severo e majestoso porte das esfinges segue ditando o seu misterioso oráculo de eternidade desde a ribeira do Nevá.

A atroz careta da esfinge metafísica evoca em nós a máscara de morte do Grupo Wagner designada para transmitir a imagem de ódio e destruçom, matéria prima dos grupos mercenários. A olhada artística enobrece e universaliza a grotesca insígnia do Grupo Wagner; elevando-a signo de depravaçom universal e terror cego

Mas nom é o intemporal oráculo das esfinges a imagem que agora nos interpela como símbolo da desmesura desencadeada polo Kremlin senom umha imagem mais inquietante que parece concentrar todo o horror em forma de esfinge metafísica de rosto desencarnado com umha órbita vazia e um olho apavorado na outra que parece buscar resposta ao espanto desatado.

É a esfinge metafísica que completa o Passeio das Esfinges de Sam Petersburgo, obra inesquecível do artista nado nesta cidade, Mijail Shemiakin1, instalada em 1995 como memorial às vítimas da repressom política. Umha terrível representaçom da barbárie irracional que prolonga as vagas de terror hitleriana e estalinista. Evocaçom da massacre de Babi Yar ao pé de Kiev. "O horror, o horror..." exclamava Kurtz em O coraçom das trevas de Joseph Conrad.

A atroz careta da esfinge metafísica evoca em nós a máscara de morte do Grupo Wagner designada para transmitir a imagem de ódio e destruçom, matéria prima dos grupos mercenários. A olhada artística enobrece e universaliza a grotesca insígnia do Grupo Wagner; elevando-a signo de depravaçom universal e terror cego. Como o cavalo moribundo e a espada rompida do Guernica de Picasso, a órbita vazia e o interrogante olho apavorado de Shemiakin demandam resposta ao horror sem sentido desencadeado sobre os seres humanos geraçom trás geraçom.

 

Notas

1 https://en.wikipedia.org/wiki/Mihail_Chemiakin

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.