Trabalhos comunais nos festivais de verão

Algumas fórmulas de ajuda mútua (rogas, ajudas, jeiras e torna-jeiras, etc.) continuam vivas na Galiza rural. Por fortuna, entre o acervo cultural da juventude está a experiência nestas formas de trabalho cooperativo, já seja no ensilado, recolha da erva seca ou apanhado das patacas, trabalhos urgentes –polas inclemencias meteorológicas- e que uma casa não pode realizar por si soa, resultando imprescindível essa ajuda vizinhal que, sem mediação do dinheiro, se devolve com outra ajuda e algo de petiscar e vinho. Também se faziam estes trabalhos coletivos em ajuda de viúvas ou doentes. Contudo, nunca tivemos o acerto de dar-lhe um sentido mais amplo a esta ajuda mútua, que em Astúries chamam “andecha” e que sim alargarom –polo menos no simbólico- ao terreno político, por exemplo no nome da organização Andecha Astur.

Havia outro tipo de trabalhos coletivos em que se juntavam todas as casas para un assunto comum que não era propriamente duma casa em concreto: arranjo de caminhos, limpeza de fontes e lavadoiros, etc., um pouco como funcionam hoje as comissões de festas de algumas paróquias.

De estes trabalhos para o comum dizia-se em algumas paróquias que se convocavam “em concelho aberto” (1). Em Astúries chama-se esta instituição “sextaferia”, por fazerem-se originariamente estes trabalhos na sexta-feira (2); José Luis Pensado encontrou as variantes estafeira e estafeyra em vários documentos de Compostela dos séculos XIV e XV, assim vomo nos foros romanceados de Nóia (3). No País Basco chamam-lhe auzolan, incorporando o seu léxico e filosofia os movimentos sociais, que falam, por exemplo, de habilitar em auzolan carros para visitar as presas políticas; ou fazer uma horta urbana en auzolan.

Este tipo de trabalhos em comum e polo comum, além de serem efetivos na sua finalidade (muitas casas temos trazida de água graças a eles, e as casas de aldeias inteiras –como a de um amigo do CS Fuscalho da Guarda- foram construídas assim), eran altamente gratificantes em si mesmas.

Eram alegres no sentido spinoziano: desfrutava-se pola própria sensação de empoderamento coletivo e o prazer de estar juntas. Como não podia ser de outra maneira, a comensalidade e a festa eran o corolário destes trabalhos que, em casos como o do carreto –a instituição de ajuta mútua para o carrejo de material para a construção de novas moradas-, incluiam regueifas que entre gargalhadas limavam as fricções inherentes ao convívio, e sancionavam burlonamente os vizinhos que não prestaram ajuda (4). Na Sierra Madres Occidental o povo Tarahumara recorre à ajuda mútua para trabalhos tais como erguer uma casa, valar um campo ou limpar uma leira. A instituição chama-se tesguinada, porque a família convocante oferecia, após rematar o trabalho, uma festa em que se bebiam quantidades ingentes de tesguino, uma augardente de milho (5).

O Verão galego está cheio de festivais organizados por pequenas associações culturais das vizinhas. Gente como a de Salvaterra do Minho, Pardinhas ou Balboa, trabalham todo o ano para que essas grandes festas à margen da cultura mercantilizada sejam possíveis; mas as pessoas que acudimos à festa não deixamos de fazê-lo como espetadores-consumidores, colaborando apenas consumindo no balcão ou comprando a camiseta do festival. O preço de não ajudar na tesguinada é pagar pola tesguina, mas isso não é comunidade, é uma relação de consumo. É uma pena não aproveitar toda essa energia que se concentra nos festivais em ações de transformação social, reinventando trabalhos em concelho aberto que redundem na defesa e empoderamento de comunidade que organiza a festa. Neste ano, antes de bailar com Zënzar ou Machina no ‘Som de Traço’, bem se podia desbroçar o castro de Vilouchada em concelho aberto.

NOTAS

1. Carmelo Lisón Tolosana, Antropología cultural de Galicia, Madrid, Siglo XXI, 1972.
2. Francisco Tuero Bertrand, Instituciones tradicionales en Asturias, Salinas, Ayalga Ediciones, 1976, pp. 147-156.
3. José Luis Pensando, “Anotaciones al léxico asturiano”, separata de Archivum, XII, Ovedo, 1963.
4. Joám Evans Pim, “Man the Singer. Song Duels as an Agression Restraint Mechanism for Nonkilling Conflict Management” em Douglas P. Fray (ed.), War, Peace and Human Nature. The Convergence of Evolutionary and Cultural Views, Nova Iorque, Oxford University Press, 2013, pp. 514-540.
5. Michael Marten, “Los Tavahumeras”, em Edward Evans-Pritchard (dir.), Pueblos de la Tierra. Razas, ritos y costumbres, Tomo 6, Barcelona, Salvat, 1981.

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.