Uma sessão docente

Unha docente imparte clase nun instituto galego Dominio Público IES da Cañiza

Este ano iniciei a escrita de um diário escolar. Não um diário de aula. Um diário escolar. Cada tardinha, quando me acordou, fui anotando cousas que aconteceram na escola, com o alunado (sobre todo com o alunado), com as companheiras, com as famílias. Cousas que me chamaram a atenção, que me fizeram reflexionar, que me raivaram, que me alegraram. Nestas semanas de arresto domiciliário acordou-me o diário. Revisei o escrito.

Escolhi para partilhar com vós a anotação do 20 de novembro de 2019:

Em segundo da eso estamos a elaborar as nossas auto-biografias. Um dos capítulos que marcamos foi o auto-retrato. Aproveitamos para revisar o texto descritivo, os nomes das partes do corpo, adjetivos referidos ao carácter e conteúdos do estilo. 

Cada moça e moço preencheu um ficha com adjetivos:

- Na primeira coluna, colocai adjetivos que reflitam como vos vedes vós. Na segunda, adjetivos que reflitam como vos veem as demais: amizades, família, vizinhança, professorado. A ideia é que partais desse rascunho para redigir o vosso auto-retrato.

Ai, mimadrinha! Quanta negatividade! Se atendo às suas declarações, aos retratos partilhados para o grupo, o meu alunado é todo feio, pesado, torpe, aparvado, nugalhão, aborrecedor, insuportável… Mesmo a rapariga com melhor expediente do grupo é incapaz de afirmar de si própria que é boa estudante. Aquele que sempre faz rir à turma escolhe para si o adjetivo paiaso e não festeiro, ou divertido. E a companheira que sempre está pendente das demais para animá-las não sabe dizer que é boa amiga. Sei que a adolescência é uma etapa dura, de desconforto e incomodidade com o próprio corpo e o próprio ser, mas ver isso refletido tão atrozmente nos textos da rapazada fez que me caíra a alma aos pés. 

Mudamos de estratégia. Não podia deixar passar como adequadas essas auto-descrições tão enfraquecedoras.

Dei a cada moça e moço um envelope. 

- Escrevei por fora o vosso nome. E recortai tantos papelinhos como pessoas sois no grupo.

Todos os envelopes recorreram as mesas todas, mudando de lugar ao meu berro de Cambio! No envelope que chegava, cada moço e cada moça tinha que introduzir um dos papelinhos, decorado com um adjetivo positivo acaído ao nome da remitente. 

- Se tomais a sério a consigna, e não aproveitais para insultar ou vacilar companheiras, podemos sair hoje da escola, não mais sábias, sim mais felizes.

O silêncio durante o ritual enquanto corriam os envelopes. A expectação por acabar e ler os papelinhos. O brilho nos olhos durante a íntima leitura. As mãos que pedem permissão para partilhar em alto. Os sorrisos. Os enormes sorrisos.

Sim. Hoje saímos da escola mais felizes. 

Um dos moços deste grupo enviou-me por correio eletrónico a tarefa que lhe propus para a quinzena anterior ás férias de Páscoa. Não me atrevo a enviar-lhe a revisão. Quando trabalhamos a autobiografia houve de sentar com ele e convencê-lo de que sim era quem de melhorar o texto. Chegados. Falando baixinho. Retrucando cada mostra de desistência dele. Acompanhando na re-escrita. Oferecendo ideias quando ficava bloqueado. Acompanhando. Acompanhando. Sentada ao carão dele. E com o ânimo da amiga das amigas de fundo: Sim, A., escreve como nos contas a nós nos recreios! Podo enviar as anotações mais animosas. Podo enviar um áudio. Mesmo um vídeo. Porém, não sei como é que está, em verdade, estes dias, há um mês que não nos vemos, que não convivemos, que não nos encontramos. Não sei se as minhas correções serão alento ou abafo, coragem ou crispação. Nada substitui o fato de sentar juntos e trabalhar. E penso nele, e penso em M. que já me escreveu a dizer que estava a passá-lo fatal, e penso em I. que antes da quarentena só desejava estar o menos possível na casa, e penso em H., incapaz de sentar e centrar-se nas tarefas, e que tanto nos aprende da paciência, e penso em S. que chorou o dia da suspensão da atividade escolar agobiada polas provas e as qualificações e o que vai ser dela no bacharelato…

Andamos a debater que fazer com o final de curso, se dar continuidade ao ano de maneira telemática, se damos em atender a todo o nosso alunado, se a fenda digital (menos a social, a cultural, a emocional). E eu sei que não. Que nada compensa o convívio, o encontro, a aprendizagem de todo o que não é sapiência, conteúdo. Porque pouco importa conhecer a técnica do retrato se somos incapazes de fazer ver às nossas crianças aquilo que elas próprias têm de bom, de maravilhoso. E elas não precisam só de nós, mestras. As companheiras, as iguais, hão de estar aí também, para oferecer o adjetivo certo no momento preciso.

Telematicamente podemos formar, sei. Educar, vejo-o complicado. E a etapa em que eu trabalho leva nas siglas o E de Educação. Algumas pelejamos por fazer das nossas turmas comunidades de aprendizagem. E esse aprendermos em comunidade é insubstituível.

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.