O comboio descendente de Fernando Pessoa ia de Queluz a Palmela, passando por Cruz Quebrada, e continuando dali para Portimão; um transporte barulhento, ateigado de gente festeira mais inclinada ao amistoso buliço que à própria viagem.
O projecto de trem transfronteiriço que visa conectar Corunha com Porto, passando por Santiago, Vila Garcia e Vigo parece cousa mais séria. Um autêntico metro interurbano galaico-português que bem poderia ter-se-lhe ocorrido a dona Ethel Mª Vázquez Mourelle, Conselheira de Infraestruturas e Mobilidade pero que nasce por iniciativa de Arriva Galícia, filial da Deutsche Bahn AG, com sede en Berlim, fundada em 1994 e actualmente operativa em 130 países. Compreenderám que em persectiva berlinesa a ténue fronteira que nos une a Valença do Minho nom suponha um obstáculo dissuasório como parece ser ainda para os galegos educados no mapa escolar de Espanha e a sua história sagrada.
Excelente ideia a de tender um metro lançadeira da Corunha ao Porto que eu denominaria oitava capital do nosso Reino, cheia de possibilidades inexploradas entre as quais nom é a menor a de podermos falar galego arreu, sem perigo de traduçom simultánea e gratuita.
– Um café com leite, por favor – Con leche? – Nom, com leite por favor.
O Observatório Transfronteiriço Espanha/Portugal, OTEP, informa no seu relatório nº 8, dados de 2015, que o tráfico de veículos ligeiros e autocarros em ambos sentidos, medido em intensidade média diária, IMD, alcança 57% da totalidade no tramo galego da fronteira, com 33.624 (veículos/dia) contra 25.724 veículos, 43% do total, no resto da fronteira até Ayamonte. Considerando que a fronteira galega, desde o Penedo dos Três Reis até o monte de Santa Trega, mede 296 quilómetros contra 1.214 do resto até Ayamonte, resulta que a densidade de tráfico no tramo galego ascende a 113,5 (veículos diários/km) contra 21,2 no resto. Umha fronteira porosa ao norte e inóspita ao leste de Portugal.
Se preferem medir o tránsito transfronteiriço em (persoas/ano) (a razom de 1,7 passageiros/automóvel e de 29,1 em autocarro) as contas certificam 26,8 milhons de passageiros cruzando cada ano a fronteira galega contra 20,5 atravessando a dilatada fronteira nom galega.
Como caberia supor, a ameaça da nova competência alarmou à Renfe inquietando em igual medida os despachos oficiais. Como já informara Praça Pública, a Comissom Nacional dos Mercados e da Competência (CNMC) condicionou a autorizaçom ao comboio descendente galego a que o seu impacte económico nom superasse o 2% da facturaçom anual da muito popular linha Corunha-Vigo. As paragens intermédias projectadas por Arriva, em Santiago, Vila Garcia, Pontevedra e Vigo, som um pesadelo para o monopólio de Renfe sobre a mobilidade persoal na franja atlántica galega.
Ninguém se atreve a questionar frontalmente as virtudes da competência, mormente quando favorece o tránsito transfronteiriço que nos permite presumir de fervorosos europeístas, mas, o reflexo proteccionista acaba por impor-se. Favorecer o usuário transeunte e estimular o troco bilateral acaba desatando o reflexo proteccionista, actualmente tam na moda. Bom tema este para debater nos cerimoniosos encontros hispano portugueses.
Falávamos da Conselheira de Infraestruturas e Mobilidade mas talvez fosse mais justo falar do Governo Galego, tam cortês sempre com as esferas centrais como desatento com o país e a sua vizinhança meridional. Maus hábitos de umha educaçom deficiente em geografia e história. Lembrem sem ir mais longe os arrepios periódicos que comovem o patriotismo aeroportuário pátrio com ocasiom dos êxitos do aeroporto portuense, inevitavelmente interpretados como ameaça intolerável ao honor aeronáutico municipal.
Talvez seja oportuno lembrar que Galiza exporta cada ano a Portugal por importe superior aos 2.500 milhons de euros e importa por valor de 1.900, a diferença com umha balaça favorável de 600 milhons de euros que incrementa em igual medida o nosso PIB. Só a França constitui um sócio comercial mais importante com a diferença de aqui a balança ser-nos negativa com a consequência de deprimir o PIB do nosso país.
Arriva pretendia de inaugurar a linha Corunha-Porto no mês de junho de 2019 mas, as preceptivas autorizaçons e o acondicionamento do tramo final podem atrasar, e quem sabe se desanimar a iniciativa. Seria lamentável renunciar a um serviço público de 342 km a percorrer em 2 horas e 3/4 com paragem intercalar em Nine, Portugal, para permitir a conexom com Braga. Custa entender a resistência passiva a esta iniciativa multimodal — combina comboio com autocarro — desenvolvida por umha empresa que movimenta 5 milhons de galegos cada ano na sua frota de 220 autocarros.
Ignoramos o calendário e os termos da negociaçom do projecto como também os argumentos em lide, mas suspeitamos que falta o ponto fundamental: as razons do sujeito passivo, afeito a se inteirar de todo com atraso e a ser sacrificado em conciliábulos secretos tramados na sombra. Lembram as generosas concesons à permanência de Ence e às tarifas de Autopista do Atlántico?
Respeitados representantes, digníssimas autoridades: quem é quem manda aqui e em nome de quem?
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