Federalismo implícito e paridade territorial (e V)

O conflito catalám (em aberto contraste, vale a pena apontar, com a patente satisfaçom do governo basco), sumado à iminente revisom da normativa de financiamento das CC.AA de regime comum e à hipotética actualizaçom do texto constitucional, convidam a examinar o grau de federalizaçom do estado espanhol e o seu nível de coesom territorial. Medir a magnitude do federalismo implícito no sistema autonómico e a paridade económica interterritorial pode servir de preámbulo ao debate, sempre latente, da heterogeneidade constitutiva do Estado espanhol.

Medir a magnitude do federalismo implícito no sistema autonómico e a paridade económica interterritorial pode servir de preámbulo ao debate, sempre latente, da heterogeneidade constitutiva do Estado espanhol

A distinçom significativa do artigo 2 do texto constitucional entre nacionalidades e regions inclina a umha leitura assimétrica e mesmo plurinacional do texto, que o PSOE pretende impulsionar sem excessivo entusiasmo e escassas expectativas. Um sistema federal de teor assimétrico tem, aliás, antecedentes certos no sistema de concerto do País Basco e Navarra, alicerçados numha alegada legitimidade que remonta à terceira guerra carlista. Carlismo e plurinacionalidade, ominoso par. A provável opçom imobilista contribuiria a agudizar a sensaçom de fim de ciclo e a reactivar o dissenso e a instabilidade latente.

Avaliar o cenário autonómico nas duas dimensons complementárias de descentralizaçom e equidade interterritorial pode ser umha boa maneira de testar a madureza alcançada polo sistema e a conveniência de afrontar o repto da obsolescência constitucional. Nesta situaçom, surpreende a aparente indiferença da esquerda transformadora ante o repto; o futuro, conviria lembrar, dirime-se no presente e a mudança estrutural na conjuntura.

Avancemos já a conclusom da análise de situaçom: em perspectiva internacional, o sistema autonómico espanhol goza dum alto grau de descentralizaçom e de notável paridade económica. Vaiamos aos papéis.

Recorreremos a um recente informe resumo do federalismo fiscal no mundo publicado pola OECD1. Umha imagem, extraída do mencionado informe, permite-nos situar com precisom o caso espanhol. No eixo horizontal do gráfico lemos a percentagem de gasto público descentralizado e no vertical a percentagem de arrecadaçom fiscal descentralizada. Observamos de entrada que a descentralizaçom do gasto supera sempre à do ingresso, motivo polo qual a totalidade dos países analisados figuram por debaixo da diagonal. O grau de federalismo será tanto maior quanto mais á direita (maior descentralizaçom do gasto) e mais próximo da linha diagonal (maior descentralizaçom no ingresso) se situe o país.

Nom obstante a notável centralizaçom do ingresso público, Espanha figura como país inequivocamente federal quanto à descentralizaçom do gasto

Nom obstante a notável centralizaçom do ingresso público, Espanha figura como país inequivocamente federal quanto à descentralizaçom do gasto. Em gasto descentralizado, Espanha (ESP), (40 - 50%), equipara-se razoavelmente com os Estados Unidos (USA), Suécia (SWE), Alemanha (DEU), Finlándia (FIN) e México (MEX) embora se mantenha por debaixo de Dinamarca (DNK) e Canadá (CAN) (60-70%) e, naturalmente, da Suiça (CHE), (50-60%).

Mesmo sublinhando o insatisfatório nível de descentralizaçom na arrecadaçom fiscal, a sua magnitude –medida em distáncia à diagonal — fica por riba de imensa maioria dos Estados superando a países como Dinamarca (DNK), fortemente descentralizada em gasto público.

Procedamos a testar agora a equidade territorial segundo dados de Eurostat para 2014 medida em PIB por habitante em termos de capacidade aquisitiva.

Observemos o grau de paridade económica das CC.AA em relaçom com as unidades territoriais de outros países europeus, concretamente Gram Bretanha, França, Itália e Portugal. Para medir o nível económico de cada país adoptamos o valor da média do produto por habitante em termos de poder aquisitivo do conjunto dos seus territórios. Para calibrar a dispersom do bem-estar arredor deste valor médio faremos uso de dous indicadores: A) o coeficiente de variaçom, CV, que mede a dispersom dos valores arredor da média2 e B) a relaçom entre o produto por habitante da comunidade mais rica e a mais pobre. O país será tanto mais igualitário quanto mais se aproxime CV a 0 e a relaçom entre a comunidade mais rica e a mais pobre se aproxime à unidade.

Ordenamos os dados num quadro resumo, ordenado do país mais modesto (Portugal: média = 75% da UE) ao mais opulento (Alemanha: média = 120%); constatamos que Portugal é o país mais igualitário (CV = 0,18: r = 1,58) e a Gram Bretanha o que menos (CV = 0,73: r = 8,53).

Portugal é o país mais coeso e Itália o mais desigual, fora do caso británico. A desigualdade interterritorial em Espanha pode ser qualificada de moderada em termos comparativos

Portugal exibe, com efeito, um diferencial de bem-estar na Área Metropolitana de Lisboa (103) superior num 58% à da Região Norte (65); em Espanha, Madrid (123) supera num 98% a Extremadura (62) e na França, Paris (176) supera no 123% a Picardia (79). Na Itália, a relaçom extrema alcança o 141% entre a Província Autónoma de Bolzano, no Alto Adígio, (147) e Sicília ou a Campánia (61); na Gram-Bretanha a brecha relativa entre o West London, onde reside o distrito financeiro (580) e Gales Oeste (68) alcança a desorbitada diferença de 753% e em Alemanha o 148% entre Hamburgo (206) e Mecklemburgo Pomeránia Occidental (83). Portugal é o país mais coeso e Itália o mais desigual, fora do caso británico. A desigualdade interterritorial em Espanha pode ser qualificada de moderada em termos comparativos.

(PIB/hb) em paridade adquisitiva: UE=100 Portugal Espanha França Itália Gram Bretanha Alemanha
Média 74,86 86,26 92,59 95,05 108,93 119,61
Relaçom entre as Comunidades extremas 1,58 1,86 2,23 2,41 8,53 2,48
Coeficiente de variaçom 0,18 0,22 0,21 0,27 0,73 0,23

 

Um possível corolário é o de Espanha contar com umha base material apta para avançar no federalismo mesmo na sua versom assimétrica

É bom educar a percepçom nas diferenças relativas, por quanto contribui a relativizar o habitual subjectivismo na apreciaçom das dificuldades próprias e as bondades alheias. Mesmo se nos comparamos com Baviera, o land mais extenso e rico do opulento Estado federal alemám, convém nom esquecer que o land é feudo inexpugnável da Uniom Social Cristiana da Baviera (CSU) desde 1947, facto que suscitava a inveja do Fraga Iribarne que sonhava na Administraçom Única; hoje seria tachada de perigosa quimera independentista. O horizonte político encolheu radicalmente com a crise, e com ela as aspiraçons da Junta da Galiza limitadas agora ás de um aplicado contável em procura do reconhecimento do Chefe da Serviço.

Outro é o valor de conjugar o máximo nível competencial com a preservaçom dos mecanismos de coesom, como a caixa única das pensons ou a cobertura das contingências laborais

Um possível corolário é o de Espanha contar com umha base material apta para avançar no federalismo mesmo na sua versom assimétrica. Outro é o valor de conjugar o máximo nível competencial com a preservaçom dos mecanismos de coesom, como a caixa única das pensons ou a cobertura das contingências laborais. Optar pola soberania a custo da solidariedade social é esquecer a malha de interdependências e a sua capacidade de vingança. O pacto federal possível impom a transacçom entre o direito à diferença e o direito à igualdade, tanto em Espanha como na Uniom. A DUI catalã, como o Brexit británico, som caminhos fechados, sequelas dumha crise sistémica irresoluta que acabou convocando multidons ao refúgio no santuário auto-referencial.

 

NOTAS

1- Fiscal Federalism 2016, Making Decentralization work, OECD.

2- Tecnicamente é o resultado de dividir a desviaçom standard, que mede o grau de dispersom, pola média que é o valor central. O valor CV = 0 dará-se no caso de coincidirem todos os dados com o valor da média.

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