Hoje quando cheguei à Biblioteca ‘Concepción Arenal’ no departamento de ciências políticas solicitei emprestada a obra de Michael Billing Nacionalismo Trivial. Tentei ler o original, em inglês, mas desisti porque reconheço que ainda tenho muitas dificuldades para apanhar os matizes nesta língua. Ainda bem que podo aceder à obra igualmente, na nossa língua, mas é incrível que o pessoal da minha idade, ainda com estudos universitários tenha tanta dificuldade para ler em inglês. Espero que os programas atuais de estadias e estágios no estrangeiro consigam reverter esta realidade e que os estudantes de agora podam ter um maior domínio desta língua cada vez mais útil neste mundo global do século XXI.
Também é certo que o facto da sociedade galega dispor de duas das línguas mais pujantes, do ponto de vista global, ajuda pouco a que aprendamos inglês. Essa comodidade acho que está a ser vencida agora com estas experiências formativas longe da terra, oportunidades às que chegamos tarde os que estudamos na década de 90. É certo que cada vez somos mais os que gostamos de ver as séries, de sucesso, anglo-saxónicas através da RTP, SIC ou TVI. Fundamentalmente por causa de ter acesso às versões originais, sem dobragens. Ainda sendo maioritárias, é evidente que a TVE, Tele 5, Antena 3, La Sexta e Cuatro conseguem no nosso país as quotas de share mais baixas do Estado, em parte, por causa dessa pequena percentagem de sociedade que preferimos ouvir em inglês, mas com legendas em galego-português. Também temos que reconhecer que o trabalho da TVG foi, nestes anos todos, fundamental e por isso se situa como líder indiscutível. Com programas que arrasam como o ‘Luar’ que até provoca que os programadores portugueses se vejam obrigados a pensar, e muito, com que propostas podem concorrer nas noites das sextas. Uns índices de audiência que se mostraram espetaculares na semana passada quando por primeira vez, em dez anos, um gaiteiro transmontano conseguia ganhar o concurso do programa galego. Autêntico furor pátrio com os seus próprios gaiteiros. Ainda mais celebrado só três semanas após a vitória da jovem promessa musical galega, Alba Maria, no programa de novos talentos musicais organizado pola RTP mas que admitiu qualquer participante lusófono, independente da sua procedência. É divertida esta concorrência musical entre os dous países, tem muita piada e mostra que de Estaca de Bares até o Cabo de Santa Maria há muito talento, e nas ilhas também, é claro.
É certo que cada vez somos mais os que gostamos de ver as séries, de sucesso, anglo-saxónicas através da RTP, SIC ou TVI
Mas comecei o artigo escrevendo de livros e era nisso no que queria centrar-me, desculpem estas breves linhas sobre a TV, apesar de que até podem ser adequadas para centrar o tema. Podem ser também um jeito de ilustrar esse balanço que me pedem sobre estes ’35 anos de reintegracionismo’. Realmente este é um termo que já quase ninguém usa: após a entrada do galego no ensino, foi caindo em desuso e desaparecendo em poucos anos. Aparece nos livros de texto para explicar as velhas disputas estratégicas anteriores ao Estatuto de Autonomia mas atualmente já ficou fora de uso, só restrito a ámbitos académicos e de quem investiga. É por isso que achei mui curioso que fosse esse o lema escolhido para comemorar estes 35 anos. Eu teria preferido algo assim como ’35 anos de galego-português, como nos foi?’ Mas também pode valer, é claro. Falava de livros no começo do artigo porque ao ter dificuldades para ler em inglês tive que solicitar o livro traduzido, e ainda bem que a série de traduções de livros de ciências políticas de Galáxia é das melhores da Lusofonia. Eu acho que a aposta da sociedade galega por ter padronizado as nossas falas convergentemente com as de Portugal e o Brasil tem sido muito favorável, também para o resto da Lusofonia. Atrevo-me a afirmar que, quase com certeza, traduções como esta só existem em galego-português porque as nossas editoras apostam por elas. É por isso que aparecem como líderes neste sector do mercado e até há casos nos que traduzem já simultaneamente para o castelhano e colocam os dous livros a um tempo nas bancas e livrarias de toda a Península. Embora só neste cantinho podamos aceder com facilidade às duas traduções.
Eu acho que a aposta da sociedade galega por ter padronizado as nossas falas convergentemente com as de Portugal e o Brasil tem sido muito favorável, também para o resto da Lusofonia
Com estes exemplos queria ilustrar o que opino a respeito da estratégia destes 35 anos. É claro que devemos exigir um maior apoio e que os governos galegos se impliquem mais. É claro que preocupa, e muito, que nas zonas urbanas estejamos demasiado estancados nos usos da língua própria do país, que sejam ainda minoritários. Gostaria que a juventude urbana usasse o galego nas cidades da Galiza, igual que quando vai a Portugal em viagens de lazer, ou a trabalhar, ou como quando visita o nosso rural. É evidente que todos desejaríamos isso. Mas tenho a certeza de que a estratégia que adotamos há 35 anos tem tido mais acertos que erros e que é a que hoje nos permite que praticamente 90% da sociedade galega aposte por manter as suas competências em galego. Tenho a certeza de que se naquele debate tivessem triunfado as posições partidárias de criar um standard afastado do resto do português, hoje eu teria que ler o livro de Billing em inglês ou castelhano. Até podo afirmar que, se esse universo paralelo existisse, em Portugal ninguém teria apostado por traduzir esta obra. Tenho a certeza de que se a nossa aposta tivesse sido a outra, agora, nas bibliotecas universitárias a percentagem de livro em galego-português seria muito mais baixa que os 35% atuais. Presença que para mim ainda é claramente insuficiente, que fique claro. Tenho a certeza, ainda, de que na nossa grelha da TDT teríamos muitos menos dos atuais 12 canais na nossa língua, que suponhem quase um terço de toda a oferta –quem sabe se só teríamos um ou dous canais da TVG, mais algum que outro local.
Se tivesse triunfado a estratégia separadora a nossa perspetiva seria muito diferente. Mesmo acho que, aquele que foi um dos maiores defensores das posições da divergência, teria mui complicado ser o atual prémio Nobel de literatura. Um reconhecimento que teria sido impossível se Ferrim estivesse enquadrado dentro de um sistema literário diferente daquele no qual também está o primeiro Nobel das nossas letras, outorgado já naquele longínquo ano 1998 a José Saramago.
E assim, neste formato de fábula, acho eu que podemos fazer o nosso balanço destes 35 anos.