A escritora galega na encruzilhada

I.-
A Galiza, é um país de encontros. Encontros com as línguas em que se desenvolve a nossa vida, encontros com as paisagens tão variadas num espaço tão pequeno. Encontros com as culturas que lá se têm gerado por milhares de anos de ocupação do território. Encontro de mares..( Atlântico e Cantâbrico )

Terra Mãe e berço duma língua que hoje é falada por mais de 250 milhões de pessoas e que celebramos neste encontro junto com a Castelhana.
No momento de se por escrever, a escritora na Galiza, tem de decidir, nesse lugar de encontros, em que língua o vai fazer, visto que a Galiza é apenas uma Nacionalidade Histórica dentro do Estado de Espanha:A língua oficial da Espanha é o castelhano. Na Galiza o idioma galego tem estatuto de co-oficialidade com esta. O idioma galego existe,como tal desde tempos bem recuados. Antes dos cancioneiros medievais do século XIII já a língua galega era falada e escrita na Galiza, Antes da criação do Estado Português.(5)

Mas a escritora encontra-se perante uma decisão que vai influir na escrita em que se vai produzir a sua criatividade

Mas a escritora encontra-se perante uma decisão que vai influir na escrita em que se vai produzir a sua criatividade. Escrita em língua Castelhana ou em língua galega Galega

Escrita em língua Castelhana ou em língua galega Galega

Depois dos cancioneiros da lírica medieval, muito espalhados por toda a Galiza, é de salientar que , apenas certos escritos foram feitos em galego por mais de trezentos anos.( trezentos anos de aparente silencio)

Mas temos, na Galiza a maior poeta romântica que se dá no mundo das línguas românicas. Rosália de Castro. Ela também teve o dilema, escrever em castelhano como outras escritoras do seu tempo faziam ou na própria língua, na língua do povo, na língua galega.

Em ela puído mais o compromisso com a sua terra e com os seus sofridos habitantes que os naturais anceios de popularidade. Ainda a sua qualidade poética e literária unidas à qualidade humana todas as barreiras venceram. É a poeta mais reconhecida, quer na Galiza quer na Espanha e também em Portugal. Foram os portugueses quem a alcumaram de Santa Rosália.  
Acho que uma das composições mais formosas da nossa língua é aquela em que Rosália declara o seu amor incondicional a Galiza,em Cantares Gallegos a 17 de maio de 1863:

IV
Cantarte hei, Galicia,
teus dulces cantares,
que así mo pediron
na veira do mare.

Cantarte hei, Galicia,
na lengua gallega,
consolo dos males,
alivio das penas.
.......
Que así mo pediron,
que así mo mandaron,
que cante e que cante
na lengua que eu falo.

É , pois uma mulher corajosa e coerente quem dá o exemplo para as escritoras galegas. Num tempo em que as dificuldades seriam bem mais grandes do que agora.

II.
Todavia, continuando com o discurso acima iniciado, fomos alfabetizadas em Castelhano, nomeadamente as galegas da minha geração. Apenas foram a aulas de galego aquelas meninas menores de trinta e cinco anos. E, ainda, o idioma dominante no mundo urbano (quer no mundo dos negócios, quer no dia-a-dia) é o castelhano. Escrever em castelhano seria o mais simples e menos complicado.

O galego, como já é sabido, ficou, por muitos séculos, reduzido ao mundo rural, aonde  os processos de alfabetização nunca chegaram realmente até os alvores da democracia.  Há trinta anos aproximadamente.
Se quisermos marcar uma data aproximativa, de viragem na alfabetização na Espanha, ficaríamos nos anos 70 com a Lei Geral de Educação de Villar Palasí( agosto de 1970) . Por esta lei foram abandonadas as pequenas escolas unitárias que estavam espalhadas pelas aldeias, para serem concentradas nos grupos escolares colocados nas vilas e cidades. Lá a Educação Geral e Básica unificou em todo o Estado Espanhol a formação elementar das espanholas/ois. E, ainda, fez normal e geral o uso do castelhano entre toda a população.

Na altura de por em andamento o Estatuto de Autonomia da Galiza, no ano 1981,( embora já tivesse sido aprovado em junho de 1936) a normalização da língua galega aparece como mais uma questão a enfrentar no conjunto de leis para a nova Galiza.

Foram fixadas umas normas ortográficas chamadas de oficiais para unificar o ensino da língua galega nas escolas. Nesta altura re- apareceu um conflito lingüístico  que já se vinha mantendo desde há muito tempo.

Por uma parte estava a opção defendida pelo doutor Ricardo Carvalho Calero que visava a aproximação da nossa língua com a do mundo da lusofonia, nomeadamente pelo diz a respeito da ortografia, é dizer ao seu aspecto gráfico. Aquela parecia ser a opção que iria ser aceite majoritariamente pelo mundo da cultura, pois a relevância e o prestigio de Dom Ricardo era reconhecido. Primeiro catedrático de Língua Galega da Galiza da Universidade de Compostela, Acadêmico da Real Academia da Língua da Galiza, escritor e teorizador da língua, com numerosos escritos acerca da gramática e da literatura galega. Velho lutador pelas liberdades e , ainda preso por defender á República espanhola contra os rebeldes de Franco que , finalmente ganharam e instauraram uma ditadura que durou mais de 40 anos.

O processo normatizador, simplificou muito a riqueza fonética do galego

Depois de tantos anos em que a língua galega não se ensinava nas escolas, os escritos em galego foram feitos, majoritariamente desde a língua castelhana que era a língua que as pessoas cultas do País conheciam. Quer Rosália de Castro, Curros Enriquez, Castelão, Otero Pedrayo, etc, todos eles, escreveram em galego, mas desde as normas castelhanas, adaptados ás peculiaridades fonéticas da galega. Todavia, muitas das nossas singularidades lingüísticas nunca ficavam refletidas na escrita. Símbolos que o castelhano não tem como o ç ou o de nasalidade ~, ou ^. Em quanto a letra ñ, é admitida, rejeitando-se o símbolo nh, ou lh como são usados na língua portuguesa.

O processo normatizador, simplificou muito a riqueza fonética do galego.

Este bateu, portanto, com duas opções claramente diferenciadas,

a) aquela que dava uma visão da escrita desde as normas castelhanas, ainda reconhecendo alguma das nossas peculiaridades fonéticas. São reconhecidas 7 vogais. A que foi preparada no Instituto da Língua Galega. E hoje é defendida também pela Academia Galega.

(Nada há na nossa grafia oficial que marque a nasalização tão típica do galego, nomeadamente na Galiza do interior (Lugo e Ourense) . De maneira que finais em –ao, como irmão , chão, mão , que é como se diz em todo o oriente galego, nunca são refletidas com o seu som nasal. Também nada há que reflita as diferencias da pronuncia entre o grupo /s/ ou /SS/ que era mui marcada até há bem pouco na Galiza mais ocidental )

b) aquela que pretendia acercar , pelo menos na grafia, à imagem da língua portuguesa, sob o intuito de ter sido esta a herdeira da língua galega , que conseguira ser língua oficial dum estado e que desde Portugal tem sido espalhada pelo mundo fora.

Uma escritora , na Galiza, defronta-se, portanto, com um múltiplo dilema :

Vai ser escritora em Castelhano, língua oficial do Estado, língua dominante na Televisão, nas escolas, com normas lingüísticas definidas, com muitas facilidades quer para escrever quer para ser lida?, Ou vai escrever em galego tratando de manter a língua com a dignidade que lhe é merecida, cultivando-a desde a literatura, da escrita como da fala.

Vai ser escritora em Castelhano, língua oficial do Estado, língua dominante na Televisão, nas escolas, com normas lingüísticas definidas, com muitas facilidades quer para escrever quer para ser lida?, Ou vai escrever em galego tratando de manter a língua com a dignidade que lhe é merecida, cultivando-a desde a literatura, da escrita como da fala.

Uma escritora na Galiza, vai defender a sua língua, utilizando para isso as armas da criatividade ou da ciência? Vai correr o risco de ser pouco divulgada com tiragens de livros que apenas ultrapassam os 1000 ou 2000 exemplares?(3)

Ou vai escrever em castelhano, em que as tiragens podem alcançar milhares de livros e a amplificação da sua obra vai estar mais garantida?

Ainda, a escritora vai escrever em galego oficial, ( galego normativo) e tirar proveito das vantagens que esta opção oferece ( ajudas, editoriais, divulgação na Galiza, etc) ?

Ou vai tentar publicar as suas obras em galego, mas na norma próxima do português? Agora já na norma do Acordo ortográfico?.

Qualquer das opções põe uma dúvida, que tem a ver mais com convicções pessoais que com estrito critério lingüístico.

Eu não sou lingüista. São, apenas uma escritora ( vocação tardia, acostumo a dizer) que fez a sua andaina no mundo da criação literária há muito pouco tempo. A primeira publicação deste gênero foi no 2003.( Vento de Amor ao Mar, Poesia Edicións do Castro)

Com anterioridade eu , apenas tenho escrito acerca de questões relativas à vida acadêmica .Quer do ensino quer de biologia ou ecologia, etc.E isso, umas vezes em norma oficial, outras em norma reintegrada ao mundo da lusofonia . Pouco ou nada tenho publicado em castelhano.

Nos inícios da normalização lingüística, houve, com certeza, tensão entre as duas tendências para a escolha da normativa. Houve mesmo perseguição para aqueles/as escritoras que publicaram na norma portuguesa ou defendessem  o acordo ortográfico.

Agora isso tem abrandado consideravelmente convivendo as duas normas com menos agressividade entre quem defende quer uma quer outra norma para a escrita.

Embora, para a publicação continua a haver dificuldades. Por exemplo, nem na Editorial Galáxia, a primeira que se constitui depois da Guerra de Espanha, no ano 1950 não admitem textos escritos fora da norma oficial nem, ainda em Edicions Xerais outra das editoriais potentes na Galiza.

Na Editorial Edicions do Castro criada pelo grande vulto da Cultura galega, Isaac Diaz-Pardo tinham mais tolerância admitindo qualquer normativa, embora a maioria dos seus títulos fossem escritos na norma oficial, ou , mais corretamente em norma não” lusista”.

Também vão aparecendo novas editoriais, que com muito esforço, publicam na norma do Acordo. (Veja-se Portal Galego da Língua)

Há hoje muitos contatos entre o mundo da lusofonia e o mundo galego, que facilitam a descida de preconceitos a respeito das normativas para a escrita do nosso idioma.

Como exemplo pode-se incorporar o reconhecimento da Intersindical Galega como partícipe da CPLP em qualidade de observadores.

Estes contatos já têm história no mundo da cultura galega. Teixeira de Pascuais, Teófilo Braga contam-se entre os intelectuais com fortes contatos com a Galiza. Rodrigues Lapa orgulhava-se de pertencer ao que na Galiza chamamos de geração Nós( a geração dos intelectuais galegos anteriores a guerra civil da Espanha do 1936, á que pertenciam os maiores vultos da nossa cultura moderna. Muitos  tiveram que abandonar a pátria quando não foram assassinados pelas hostes Franquistas).

Desde as aulas de português,na Galiza faz-se bastante labor de aproximação para facilitar estes contatos, que virão dar maior visibilidade à escrita em português .

Desde as aulas de português,na Galiza faz-se bastante labor de aproximação para facilitar estes contatos, que virão dar maior visibilidade à escrita em português .

Acaba de ser admitida e aprovada pelo Parlamento da Galiza, a Iniciativa Legislativa Popular Paz-Andrade que tenta  promover o ensino do português no nível de ensino secundário e primário. Até agora limitado unicamente para aqueles centros de ensino em que o professorado de língua Galega se comprometesse a dar estas aulas. O que é mais uma mostra da contradição em que vivemos.

Os tempos vão caminhando para uma maior compreensão e tolerância para aquelas escritoras que escolhem a norma do acordo para a sua criação. Mas esta tolerância é limitada para a esfera do social, não para o mundo editorial nem para a Xunta da Galiza que nunca admite escritos oficias nesta norma.

Um meu amigo , ao ver os meus livros dize-me que estou instalada na minoria da minoria. Visto que os livros galegos representam apenas um 26% dos livros que se vendem na Galiza, segundo o informa a “Asociación de libreiros da Galiza”, e, destes só uma minoria muito minoritária estão escritos na norma do acordo.

No entanto existem diversas plataformas que defendem a escrita na norma do acordo, chamada, na Galiza, os Reintegracionistas ou Lusistas.

Como é o Portal Galego da Língua, a Associaçom da Língua Galega, a Academia da Língua Portuguesa na Galiza, por citar apenas algo. Muitas escritoras novas estão a utilizar a norma do acordo, embora sejam muitas mais as que escrevem na norma oficial.

Há, muitas escritoras a escrever hoje em galego. E, ainda de grande categoria literária . A literatura galega tem qualidade para competir com outra qualquer do nosso âmbito e tempos

Há, muitas escritoras a escrever hoje em galego. E, ainda de grande categoria literária . A literatura galega tem qualidade para competir com outra qualquer do nosso âmbito e tempos. São as escritoras mais jovens quem utilizam a norma ortográfica do Acordo comum ao mundo da lusofonia, e , vão-se incorporando mais algumas. As Editorias não estão num momento muito bom, visto a crise econômica em que estamos mergulhadas. Mas hoje a auto publicação começa a ser freqüente, facilitada pelas novas tecnologias e as possibilidades de sites ou blogs em internet , ou no face book.

Também, não deixa de haver recitais poéticos, encontros de escritoras/es e promoção por parte de organismos oficiais, que já começam a tolerar escritos na norma ortográfica do acordo o que ajuda para a publicação de livros.

Eu , por mim são partidária de que a normativa para o galego seja unificada com a do Acordo Ortográfico, comum para toda a lusofonia, ainda compreendendo as dificuldades que esta medida trazer iria .
Muitas pessoas, que nem são especialmente contra, opinam que o galego está bastante agredido e está a recuar alarmantemente entre os falantes mais novos da Galiza. Consideram que o importante seria que o galego fosse uma língua mais utilizada e que não fosse desaparecer da Galiza, onde a língua galaico-portuguesa foi originada, e deixar brigas da normativa para melhores momentos.

Mas eu não opino assim. Com certeza, é muito mais difícil escrever na norma da lusofonia que na galega oficial, desde que esta é tão parecida com a espanhola.

Eu creio que o galego, quer na escrita quer na fala, devera  manter a sua individualidade . Mostrar a sua diferencia, nomeadamente do espanhol, que é a língua que o está a absorver pouco e pouco ( ou muito e muito) .

O que se fala hoje, na Galiza, é apenas uma caricatura do galego como língua independente. Nem políticos, nem locutores da RTVG são cuidadosos/as com o idioma, resultando uma língua de mistura que nós chamamos “castrapo” semelhante ao que se chama portunhol, noutro plano.

O que se fala hoje, na Galiza, é apenas uma caricatura do galego como língua independente. Nem políticos, nem locutores da RTVG são cuidadosos/as com o idioma, resultando uma língua de mistura que nós chamamos “castrapo” semelhante ao que se chama portunhol, noutro plano.

Há, porem, pessoas cuidadosas e estudiosas da língua, como pode ser Pilar Garcia Negro, destacada escritora, e de opinião dos media. ( só por citar alguma).

Eu não creio que o estado atual da língua galega dê para ter muitas esperanças pelo que diz a respeito do seu futuro na Galiza, terra em que a língua foi originada.

É abandonada pela maioria dos antigos falantes, embora haja que contar importantes incorporações como língua oficial da Galiza. Mas, entre estes a língua vai sendo diluída pouco e pouco no espanhol, como uma pedrinha de açúcar o faz na água em que está mergulhada.

Eu faço votos porque esta tendência virasse para outra situação mais saudável para a minha língua. O escritor Álvaro Cunqueiro desejava mil primaveras mais para a língua galega. Eu também, e sei que comigo muita mais gente deseja.

Mas tenho as minhas dúvidas. É uma questão de vontade. De vontade popular e de compromisso.

Por agora,  e como di uma canção muito popular na Galiza:
Menos Mal que nos fica Portugal

Lugo, julho 2013.

Palestra que foi aceite para ser defendida no XI Encontro internacional de Escritoras a decorrer em Brasilia no mês de março de 2014.

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