A membrana: fenómenos de interface

Un galego de nascimento nunca dirá “nonestá bem” por “nom está bem”. O n final do nosso advérbio de negaçom tem som velar em galego, traço fonético que lhe impede a uniom com a vogal seguinte, ao contrário do espanhol cuja n alveolar nom repudia a ligaçom. Nom é preciso um elevado grau de competência lingüística para perceber o fenómeno acelerado do abandono do nosso n próprio. Emprestem ouvido. Igualmente, um galego nunca deveria dizer “benestar” por “bem-estar” por muito que a Real Academia Galega abone tal substantivo no seu último dicionário como par simétrico de malestar (mal-estar): “Sensación de tranquilidade e satisfacción. Unha ducha quente produce un gran benestar. Iso nonestá bem senhores académicos. Conta-se de Unamuno que, revisando um texto próprio para a publicaçom, tropezou com a seguinte apostila do seu corrector ortográfico a carom da palavra setiembre: ¡Ojo, septiembre! Unamuno devolveu o texto com a nota: ¡Oido, setiembre! Gozosa parábola para os fonetistas da R.A.G meditarem.

A diluiçom do nosso idioma secular por absorçom massiva, incompetente e preguiceira da morfologia, fonética e sintaxe espanhola constitui umha ominosa ameaça à nossa singularidade lingüística

A diluiçom do nosso idioma secular por absorçom massiva, incompetente e preguiceira da morfologia, fonética e sintaxe espanhola constitui umha ominosa ameaça à nossa singularidade lingüística. Umha rendiçom acrítica e incondicionada a um idioma próximo mas alheio muito mais insidiosa e letal que as torpes proclamas analfabetas do barulho bilingüeiro e os seus sequazes.

Por limitar-nos à terminologia económica, é desalentador observar como analistas, professores e opinantes, alguns comprometidos com a defesa da soberania cultural de Galiza, preferem “burbulha inmobiliária” a “bocha imobiliária” (esp: burbuja, port: bolha), “paro” a “desemprego”, “economia sostível” (esp: sostenible) a “economía sustentável”. Simples submissom ao discurso alheio, menosprezo da raiz lingüística genuína tam acessível agora através da literatura técnica em português ou da simples consulta à internet, sem mais. Preguiça, desleixo, declaraçom de derrota incondicional. Parece como se tivéssemos completado de sobejo a quota de terminologia económica imprescindível para irmos tirando com a importaçom de orçamentos, investimentos, e taxas de juro procedentes de quem guarda o património lingüístico intacto: o galego falado de Valença para abaixo. Do português, língua estrangeira para galegos inconscientes, simples prolongaçom cordial do idioma comum para qualquer mente livre de preconceitos.

Qualquer cidadám galego alfabetizado, ou simplesmente televidente, é competente em espanhol e analfabeto em português

O idioma galego possui a afortunada circunstáncia de contar com duas interfaces lingüísticas que o conectam com a exterioridade babélica onde reinam o inglês e o chinês: a membrana hispano-galaica e a luso-galaica. Qualquer cidadám galego alfabetizado, ou simplesmente televidente, é competente em espanhol e analfabeto em português. Somos loquaces em Andújar ou Alcorcom, mudos em Valença ou Lisboa. Eliminada a fronteira económica hispano-portuguesa em virtude da Uniom Europeia -sem ela seria impossível enterrar tanto honor pátrio soterrado- empenhamo-nos em conservar a aduana lingüística e mesmo em reforçá-la com peculiares neologismos e teológicas cautelas semánticas. “Galego, castelhano, afinal, todos somos espanhóis, nom é”? A inexorável deriva do galego cara umha variante dialectal do castelhano nom parece preocupar. Para alguns é mesmo um alívio. Os expertos na matéria nom se manifestam, a política lingüística nom deixa de ser política, perigoso conceito.

Falávamos de interfaces, umha categoria científica fundamental. Todo sistema, vivo ou inerte, material ou imaterial, célula viva ou mineral, programa informático ou idioma falado estabelece nexos com o exterior através dumha superfície de contacto que constitui a sua interface. As funçons desta som essenciais para a persistência do sistema: reconhecimento e intercámbio de substáncias e informaçom, transporte, assimilaçom ou dissimilaçom; operaçons todas determinantes da sua capacidade de super vivência e desenvolvimento. A membrana é a aduana, a porta aberta ao amplo mercado de abastos onde há de viver. A capa que separa o sistema do propício e do hostil.

A interface galaico-espanhola alimenta mecanismos de tipo degenerativo, semelhantes aos experimentados polas plantas glicófitas -intolerantes ao sal, quase todas- expostas à salinidade. Só as halófitas, tolerantes ao sal, como as junqueiras e o cardo da ribeira sobrevivem à salgadura. Observamos os efeitos progressivos da salmoira circundante no nosso idioma, corre perigo certo de tornar-se cardo ou junqueira quando antes florescia e frutificava.

A pele do idioma em meio hostil encalece. Reparar ou mudar de interface é o que cumpre, na superfície está o futuro

Devemos-lhe a Paul Valery, o poeta filósofo, um aforismo magistral: “A pele é o mais profundo que há no ser humano”. A pele: arrepio, esmagadura ou carícia. A pele do idioma em meio hostil encalece. Reparar ou mudar de interface é o que cumpre, na superfície está o futuro. Umha nutriçom racional -insistem os especialistas- é a chave de umha vida dilatada.

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.