A rebeldia como finalidade

Apareceu do nada, no meu timeline de facebook. Alguém partilhara uma foto desconhecida mas muito familiar: duas pessoas sustêm cartazes com mensagens em/sobre o galego; uma imagem já habitual em qualquer campanha pelo idioma. Na imagem, o photocall levava em grande o nome da campanha, Rebélate, fala galego, e um dos cartazes dizia “para disir sapato, ghuasap e xoghar”. Fiquei chocado pela informação que a imagem me transmitia. Não esperava que uma organização juvenil tivesse um discurso continuador do tremendismo marcante da política nacional desde a década de 60 nem que carecesse duma postura reflexionada em chave normalizadora e standardizadora da língua, a apostar por um enxebrismo incompreensível.

Vemos já de longe que esta campanha de Galiza Nova está bem demarcada no quadro de ação benegalho do derrotismo combativo. Uma actitude de “morrer a matar” que chama a viver a identidade como uma marginação necessária, ascética, que permitir chegar ao céu das boas revolucionárias para ter um dia uma estátua, uma data e uma oferenda floral. Passaram mais de quarenta anos da morte de Moncho Reboiras e persiste a crença de que o martírio socializa. Porque nos negarmos a procura da hegemonia? Rebélate, fala galego é uma campanha que persiste na busca da marginalização como pureza sincera, um objectivo a alcançar para transcender. Rebélate, fala galego é uma proposta superficialmente descontraída: “saca a língua, ri diante das câmaras, desfruta do galego”; mas mantém o discurso triste dos senhores velhos, os sacerdotes do Partido: sé a marginalidade pelo bem do país. Porém, sabemos que isto não funciona, sabemos que a liturgia dos Bons e Generosos mortos pelo Povo não é operativa. É tão difícil de entender que ninguém quer viver marginada, que ninguém quer ser uma mártir das causas justas? 

A receita era bem simples: construir um discurso em positivo. Parece óbvio mas não se faz. Muda a focagem e socializa muito melhor. Temos um objectivo concretizado, converter o galego numa língua normalizada; e temos uma realidade material, o galego está marginalizado. Galiza Nova preferiu centrar-se na realidade diglóssica desgostante, no esforço pelo esforço. Tão simples como centrarmos o nosso discurso no que queremos conseguir, que falarmos galego seja normal, que queremos a hegemonia cultural. Fala galego porque queremos uma língua normal num país normal, porque queremos que o galego seja a língua comum, de coesão social, a língua popular normalizada da Galiza. Porém, Rebélate, fala galego constrói um discurso obscuro e desagradável: falar a nossa língua é um acto de exceção (e –olho– estamos a falar duma campanha de normalização!).  Rebélate, porque tens todo a contra. Rebélate, porque com as condições materiais atuais temos tudo a perder se não sofres primeiro.

Pergunto-me, sinceramente, se alguma pessoa trás desta campanha pesquisou sobre sociolinguística ou planificação e coincidiu que não topou num texto aquilo de “profecia auto-cumprida”. Se calhar, há quem prefere ficar na auto-complacência do eu-salvadora, eu-mártir, eu-heroína. Isto, como é óbvio, funciona só para as conversas da militância linguística. Chegadas a este ponto, nego-me a aceitar que a campanha de Galiza Nova seja uma campanha para auto-satisfação e para o puro onanismo político. Nego-me a aceitar que seja uma campanha não para a língua mas para o Partido. De descartarmos o dito, semelha que Rebélate, fala galego é simplesmente uma campanha pouco estratégica.

Falado já da campanha em si própria, passemos ao outro ponto a comentar: o enxebrismo… A priori, de vermos a notícia no web da organização, veremos que se põe em destaque as ligações linguísticas e culturais com a lusofonia, sempre desde o isolacionismo, porém; mas… porque não? É um passinho em positivo! Não obstante, a despeito do que Galiza Nova diga, temos logo o que nos faz chegar – como no caso da foto do meu timeline. O cartaz dizia: “para disir sapato, ghuasap e xoghar”. Essa mensagem em galego do povo [sic], a berrar bem forte que a norma não recolhe avondo as peculiaridades de cada quem. Porque, após anos de isolacionismo, resta uma cousa bem clara: o único galego bom é o da minha casa e a norma tem que recolher exatamente como eu falo para ser operativa. Ó, ILG, glorioso ILG! Que desde os seus começos chamou a conformar uma língua operária, uma língua revolucionária, rebelde! Exigiu sempre manter a essência popular, manter a língua em mãos do povo. Eu acredito que todas queremos pensar que foi com boa vontade, que o novo projeto normativizador e normalizador era bem renovador e de boa fé… mas quem deixa uma língua moribunda nas mãos dum povo sem formar? Desbotou-se a lógica filológica, histórica e de devir sólido para a língua em favor da pura incerteza.

A história conta-se só: o stablishment espanhol na Galiza racha com a tradição escorada face ao reintegracionismo e instaura desde os novos espaços de poder (nomeadamente a Xunta) o isolacionismo –e o seu espírito popularista– como via do oficialismo. Desde então, quarenta anos de ermo para o crescimento do idioma, somado à rejeita de qualquer norma em favor do puro, do enxebre, do da casa, do “gallego de toda la vida” (em bom galego, claro). É assustador que esse isolacionismo enxebrista, alimentado pela essência originária do ilustre Instituto, partilhe o mesmo discurso que o espanholismo bilinguista. Aonde nos leva esta actitude, também a sociolinguística e a planificação deixam muito bem clarificado: ao absoluto fracasso.

Voltamos à foto e percebemos melhor o despropósito: é preferido deixar claro o tortuoso do caminho antes do que os seus objetivos concretizado, é preferido demarcar as particularidades dialetais próprias antes do que manter a coesão do standard. Auto-marginalização e desrespeito pela normativa. Pergunto, é tão difícil, realmente, ver isto tudo? Em que é que se está a pensar para fazer uma campanha de normalização que ataca diretamente o que faz normal uma língua: um standard aceite e hegemonia? Nos mais dos casos semelha que os problemas vêm de fora, mas os erros na planificação, na socialização das mensagens, são nossos; e tendemos a não querer ver que às vezes pomos muitos esforços para não avançarmos nada.

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