As outras verdades do relatório da OECD

Há uns dias foram publicados os resultados do último relatório do Programa Internacional para a Avaliação da Competência em Adultos (PIAAC) da OECD, que analisa as competências em compreensão leitora e matemáticas das pessoas entre 16 e 64 anos em 23 países. Todos os jornais e muitos políticos colocaram o foco numa parte deste estudo onde se afirma que os espanhóis são os últimos em matemáticas e os penúltimos em compreensão leitora. Isto deu pé a que impagáveis analistas concluíssem, como assim defendia a manchete do ABC que 'La Logse relega la educación de los adultos españoles a la cola de la OECD'. É surpreendente que jornalistas e políticos conseguissem tirar alguma conclusão de um estudo altamente técnico, de mais de 400 páginas, escrito em inglês, e só poucas horas depois de ter-se publicado. Podemos pensar duas cousas: ou bem os nossos jornalistas e políticos estão muito preparados e sabem rodear-se de bons assessores com grandes capacidades intelectuais, ou bem são especialistas em tirar conclusões sem ler os documentos. Não é difícil imaginar qual destas duas opções é a mais plausível.

Ou bem os nossos jornalistas e políticos estão muito preparados e sabem rodear-se de bons assessores com grandes capacidades intelectuais, ou bem são especialistas em tirar conclusões sem ler os documentos

Devo confessar que não lim todo o trabalho, de facto, é mesmo provável que não haja mais que umas poucas dúzias de especialistas em todo o mundo que tivessem tempo e paciência para ler, estudar e analisar em pormenor este monumental documento em tão poucas horas. Logo da sua publicação, descarreguei o PDF e passei parte do meu tempo de lazer a percorrer os inumeráveis gráficos e tabelas que mostram dados muito diversos e interessantes. O propósito deste artigo é simplesmente compartilhar com os leitores alguns dos dados e informações que mais me chamaram a atenção.

Contrariamente ao que se vem publicando, podemos afirmar a partir das informações deste estudo que se estão a reduzir as diferenças de Espanha com os países mais desenvolvidos no âmbito educativo

Mas antes de enumerar estes dados, vou aproveitar que estou a escrever um artigo de opinião e não um aborrecido relatório técnico, e servindo-me do tradicional estilo jornalístico sintetizarei algumas das conclusões que eu considero mais relevantes do citado estudo. Pois bem, o mais rechamante da sua leitura é que permite constatar que o sistema educativo espanhol progride adequadamente. Contrariamente ao que se vem publicando, podemos afirmar a partir das informações deste estudo que se estão a reduzir as diferenças de Espanha com os países mais desenvolvidos no âmbito educativo. Estas conclusões apoiam-se nos seguintes dados concretos: por um lado, os moços espanhóis entre 16 e 19 anos com estudos de secundária atingem a média da OECD nas duas competências, mesmo superando a países como Noruega e Canadá. E por outro lado, Coreia e Espanha são os países onde há mais diferenças entre o grupo de gente nova e o de mais idade, havendo uma diferença superior a 35 pontos entre os dous grupos a favor do primeiro. É dizer, é na Coreia e na Espanha onde mais se acentua a melhora e o progresso do ensino nos últimos anos.

A seguir, vou mencionar outras informações de interesse deste ingente estudo da OECD, que analisou uma amostra de 6.055 indivíduos só no caso do Estado Espanhol.

Se só se escolhem os moços entre 16 e 24 anos, Espanha reduz a 15 pontos a sua distância com a média, e passa a formar parte dum grupo mais numeroso de países que inclui Itália, Grão Bretanha, Irlanda e Estados Unidos

Os adultos espanhóis entre 16 e 65 anos encontram-se 19 pontos por baixo da média dos 23 países da OECD, ocupando os últimos lugares em compreensão leitora, não havendo diferenças significativas, em termos estatísticos, entre Espanha e Itália. Estes dous países formam de facto um pequeno grupo cujos resultados são significativamente inferiores ao seguinte grupo de países medíocres: França, Estados Unidos e Irlanda. Quando digo significativamente refiro-me ao resultado de uma medida estatística de significância realizada polos autores do trabalho. Os três países com melhores valorações são Japão, Finlândia e Holanda, respectivamente. No entanto, se só se escolhem os moços entre 16 e 24 anos, Espanha reduz a 15 pontos a sua distância com a média, e passa a formar parte dum grupo mais numeroso de países que inclui Itália, Grão Bretanha, Irlanda e Estados Unidos, todos sem diferenças significativas entre eles. Esta redução é ainda muito mais forte se, como já indiquei anteriormente, só se comparam os mais novos entre 16 e 19 anos que, além disso, tenham terminado os seus estudos secundários (incluindo bacharelato). Neste caso, os moços espanhóis estão a uma distância zero da média, por cima de uma dúzia de países onde se encontram Canadá ou Noruega. Por último, no caso dos universitários espanhóis, os resultados rompem a tendência à melhora, estando mesmo por baixo dos estudantes de secundária japoneses e finlandeses. Em matemáticas, os resultados em geral dos adultos espanhóis são muito similares aos atingidos em compreensão leitora, havendo uma correlação Pearson forte de 0.887 entre as duas competências seja qual for a faixa etária comparada.

Há um dado muito relevante que pode explicar, polo menos parcialmente, os pobres resultados dos adultos espanhóis e italianos: a percentagem de pessoas destes dous países que não completaram os seus estudos de secundária é muito mais elevada que a do resto de países. Nomeadamente, mais do 60% dos espanhóis entre 55 e 64 anos não completaram estudos de secundária frente ao 30% da média da OECD, e paralelamente, o número de espanhóis entre 25 e 34 anos nas mesmas circunstâncias superam em mais de 20 pontos a média. Estes dados são um reflexo de duas realidades: por um lado, tanto Espanha como Itália têm gente maior pouco formada por causa do lento desenvolvimento da segunda metade do século vinte e, por outro, nas últimas décadas constata-se um alto índice de fracasso escolar, motivado provavelmente por outro factor que aparece quantificado no estudo: Espanha é o país com mais postos de trabalho de baixa qualificação, é dizer a oferta laboral que não exige a educação secundária é a mais alta do conjunto de países analisados. Concretamente, o 25% dos trabalhos são de baixa qualificação frente ao 9% da média da OECD. Isto unido a que muitos destes trabalhos tinham até bem pouco uma alta remuneração, em particular aqueles ligados ao sector da construção, podemos inferir que o fracasso escolar pode estar motivado pola forte sedução de uma oferta laboral ampla, gratificante e sem exigências curriculares.

É curioso constatar que os Estados Unidos, o país das oportunidades, aparece aqui retratado como o país mais impermeável socialmente. O Estado Espanhol está por baixo da média, o qual significa, neste caso, que há um esforço por integrar os imigrantes no sistema educativo

O estudo da OECD oferece outros dados muito reveladores da estrutura socio-económica dos países analisados. Por exemplo, se comparamos os resultados entre dous grupos de adultos: aqueles procedentes de famílias que têm polo menos um progenitor com estudos superiores (e portanto com um nível alto em termos sócio-económicos), frente a aqueles cujos pais têm um baixo nível de estudos, as maiores diferenças aparecem em países como Estados Unidos e Alemanha. O Estado Espanhol, neste caso, encontra-se por cima da média, o qual implica que se observam menos contrastes culturais e mais permeabilidade nas camadas sociais. É curioso constatar que os Estados Unidos, o país das oportunidades, aparece aqui retratado como o país mais impermeável socialmente: um filho ou filha de pais com baixo nível cultural tem menos possibilidades de medrar que em Espanha. Um outro exemplo interessante do estudo refere-se às diferenças entre nativos e não nativos em cada país: o Estado Espanhol está por baixo da média, o qual significa, neste caso, que há um esforço por integrar os imigrantes no sistema educativo. As maiores diferenças aparecem em Finlândia e Suécia, embora são países com uma percentagem pequena de povoação imigrante.

O gasto do Estado Espanhol em educação está um pouco por cima da média da União Europeia

Para finalizar, vou completar o artigo com outras duas informações que não aparecem no estudo da OECD, mas que trago aqui a colação. A primeira refere-se ao gasto em educação, concretamente o gasto do Estado Espanhol em educação está um pouco por cima da média da União Europeia. É dizer, há bastante dinheiro para a Educação. A segunda está relacionada com o famoso Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Sabemos que os estudantes espanhóis não obtêm bons resultados, embora, globalmente, sejam melhores aos obtidos polos adultos no PIAAC. No entanto, existem enormes diferenças entre comunidades dentro do Estado Espanhol, de tal jeito que as melhores (La Rioja, Navarra e Castilla-León) atingem valores próximos aos finlandeses e holandeses. De aqui, podemos inferir que, com a mesma lei de educação, é possível estar na excelência mundial ou na excrescência. Dá igual a Lei.

Para solucionar os problemas educativos do Estado, há primeiro que solucionar os problemas ligados ao modelo produtivo e ofertar mais trabalhos qualificados

De todo o aqui exposto, tiro a seguinte conclusão: para solucionar os problemas educativos do Estado, há primeiro que solucionar os problemas ligados ao modelo produtivo e ofertar mais trabalhos qualificados. E o corolário final: jogar a mudar leis nem melhora nem piora a qualidade da educação. É indiferente.

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.