Argumentava eu estoutro dia, diante da excelente tropa filosófico-gastronómica da Troita Armada, que as esquerdas europeias estavam obrigadas a atender o duplo imperativo de defrontar a angustiosa situaçom de empobrecimento social dos países do sul da Europa -Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, com Itália e França às portas- e de arrebatar-lhe a agenda europeia ao BCE, a Troika e os seus submissos sequazes (governos de direita, oligarquias depredadoras, impolutos think tanks da ortodoxia financeira) para devolver-lha às maiorias sociais abafadas polas políticas de ajuste. Contei no debate com o valioso contraponto do funambulista coxo, David Rodríguez.
A tarefa apontada é difícil, impossível mesmo, se acreditarmos nos euro-cépticos da extrema patriótica e nos euro-desleigados da extrema alter mundial. O Parlamento europeu está ocupado hoje polas forças do statu quo
A tarefa apontada é difícil, impossível mesmo, se acreditarmos nos euro-cépticos da extrema patriótica e nos euro-desleigados da extrema alter mundial. O Parlamento europeu está ocupado hoje polas forças do statu quo: o conservadorismo hegemónico, a social-democracia acomodatícia, o ténue liberalismo, que ostentam em conjunto 72,5% do hemiciclo. O 27,6% restante reparte-se quase por metades entre anti-europeístas de variado pelame (euro cépticos, ultra direita, populismos) e um par de grupos progressistas: Verdes-Aliança Livre Europeia (7,5 %) e Esquerda Unitária Europeia-Esquerda Verde Nórdica (4,3 %).
BNG e Anova-AGE praticam um pertinaz antieuropeísmo que afunda as suas raízes nos irredutíveis dogmas da guerra fria
Os galeguistas de Compromisso alinham-se na fileira liberal, junto com CiU e PNV, o BNG acomoda-se no grupo dos Verdes-AL e Anova-AGE, junto com a catalana ICV, no grupo da esquerda unitária, em coaligaçom eleitoral com Izquierda Unida. Na Galiza, só Compromisso proclama umha posiçom claramente europeísta congruente com a tradiçom de Castelao. BNG e Anova-AGE praticam um pertinaz antieuropeísmo que afunda as suas raízes nos irredutíveis dogmas da guerra fria.
Confesso a minha coincidência com a conviçom europeísta dos galeguistas, sem por isso renunciar à perspectiva emancipatória da esquerda. Vistas as declaraçons que se venhem produzindo, deduzo que tanto o BNG como Anova seguem enfiando o seu discurso na retórica das “classes populares galegas”, “as multinacionais” às que se junta agora a Troika como cifra e metáfora do irredutível de Europa. Quanto ás propostas práticas, BNG e Anova insistem na firme defesa “dos nossos sectores produtivos”, compromisso amplamente acreditado no caso do BNG.
A indignaçom contra o círculo vicioso da austeridade e o sofrimento social clama ante o parlamento europeu. O clamor que inunda as ruas de Atenas e Lisboa
Infelizmente, tanto o BNG como Anova parecem esquecer a dimensom política que comporta a sua representaçom no foro europeu: fazer frente à degradaçom do projeto da Uniom Europeia em simples Mercado Comum com o Parlamento em funçons de comité adjunto do Conselho de Administraçom dos interesses dos aforradores norte-europeus. Ceder a tarefa de reformular a política europeia às forças hegemónicas para refugiar-se na defesa de interesses sectoriais próprios equivale, na minha opiniom, a degradar a representaçom política de Galiza a simples gestom lobbista. A sociedade agredida reclama políticos autênticos, nom astutos lobbistas e menos ainda beneméritos camaradas premiados com escano. A indignaçom contra o círculo vicioso da austeridade e o sofrimento social clama ante o parlamento europeu. O clamor que inunda as ruas de Atenas e Lisboa.
O estimulante blogue de pensamento crítico, Sin Permiso, insere nestes dias um incitante artigo de Yanis Varoufakis acerca de Syriza, essa força radical da esquerda grega que concita a atençom pública: Pode Syriza mudar a economia europeia desde a Grécia? pergunta Varoufakis. A Syriza de Alexis Tsipras defende um programa europeu para Grécia simples e radical: a renegociaçom imediata do programa imposto ao país polas autoridades europeias a fim de adaptá-lo à sua capacidade de pagamento e ao imperativo prioritário de garantir a cobertura das necessidades básicas da sociedade. Syriza pretende denunciar de imediato os compromissos assumidos polo governo grego. A novidade agora em que talvez tenha a oportunidade de levar à prática os seus propósitos: o partido goza de umha intençom de voto superior ao 25%, que pode confirmar-se nas iminentes eleiçons europeias e que poderia, provavelmente, assegurar-lhe a maioria parlamentar nas próximas legislativas gregas de 2016.
A apologética económica está sendo desafiada por um destemido grupo de economistas informados e solventes. A economia, convém nom esquecer, é umha ciência social, e a política umha actividade social temporalmente delegada
O artigo aludido de Yanis Varoufakis, professor de política económica na Universidade de Atenas, conduz-nos mediante link a outro que assina com James K. Galbraith, professor de economia pública com ele mesmo na Universidade de Austin, Texas. Este segundo artigo, complementar do já aludido, foi publicado polo NewYork Times em 23 de junho 2013. Merecem ser lidos. A apologética económica está sendo desafiada por um destemido grupo de economistas informados e solventes. A economia, convém nom esquecer, é umha ciência social, e a política umha actividade social temporalmente delegada. Economia e política devem ceder passo à sociedade quando esta o requer.
A Petiçom dos 74 reuniu mais de 18 mil assinaturas, facto que obrigará o governo e os seus fieis escudeiros a abrir o debate até agora denegado
Basta já! berram também as ruas de Portugal. O Presidente da Assembleia da República acaba de receber umha Petiçom assinada por setenta e quatro cidadaos de relevo: “Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente”. As exigências formuladas som tam simples como razoáveis: renegociaçom imediata de dêveda contraída, abaixamento da taxa média de juro que a grava, extensom dos vencimentos para quarenta anos, quando menos e renegociaçom do montante que supere o 60% do PIB. Certo que a reacçom esperável dos mercados pode ser a remontada brusco da prima de risco e o corte do financiamento externo mas, se assi for, a represália nom faria mais que acelerar a declaraçom unilateral de suspensom de pagamentos obrigando os credores a sentar-se á mesa de negociaçons, como pretendem as forças populares.
Em três dias apenas -lemos no blogue Ladrões de Bicicletas, que acolhe o ativismo do pensamento económico crítico português- a Petiçom dos 74 reuniu mais de 18 mil assinaturas, facto que obrigará o governo e os seus fieis escudeiros -Cavaco Silva e Durão Barroso, aponta diretamente LB- a abrir o debate até agora denegado. Neste contexto, hoje, dia 2 de abril, está convocado um Congresso Democrático das Alternativas, a celebrar no Auditório Camões de Lisboa. Os cravos pugnam por florescer novamente em Portugal.
A cidadania pede agora a palavra e exige o exercício da soberania expropriada. Nom renuncia a Europa porque se reconhece europeia
Grécia (172% de dêveda sobre PIB e taxa de juro do bono a 10 anos de 6,94%), Portugal (129% e 4,83%, respetivamente) sofrérom estoicamente até o momento o cruel tratamento infringido às suas sociedades maniatadas polo euro. A cidadania pede agora a palavra e exige o exercício da soberania expropriada. Nom renuncia a Europa porque se reconhece europeia, nem se limita a protestar polos interesses conculcados porque reclama simplesmente a soberania perdida. Se a Grécia ou Portugal chegam a denunciar por via democrática os compromissos financeiros assumidos polos seus governos encontrarám a cidadania de toda a Europa apoiando-os na rua e obrigando às instituiçons comunitárias a acometer um novo resgate: desta vez o das sociedades sequestradas polo euro.
Para os amigos da Troita Armada