Confesso: eu também sou bolivariana

Confesso. Sim. Eu fiz parte do grupo de intelectuais, artistas e movimentos sociais que o governo bolivariano reuniu em Caracas em dezembro de 2014. Confesso. Viajei no avião presidencial e participei nos intensos dias que durou o encontro como convidada, desfrutando da gentileza do governo e do povo da Venezuela. Confesso: assisti às reuniões daqueles dias, às mesas de trabalho e de debate. Escutei palestras e discussões menos formais, e mesmo tive a oportunidade de intervir como relatora. Como se pode imaginar numa reunião destas caraterísticas, as palavras eram graves, as análises contra o capitalismo beligerantes, as críticas aos amos do mundo contínuas. Nem seria preciso clarificar isso: dá-se por sobre-entendido. No cenário de feroz capitalismo em que se desenvolve o nosso tempo, um intelectual não pode ser de direitas: tem a obrigação ética de desenhar outro mundo possível, de pôr ordem no caos e plantar árvores frondosas no desespero. É por isso que quando um médio de comunicação vem agora a difundir esta informação está a incorrer em grave falta. Primeiro, porque isto não é notícia: aconteceu há mais dum ano. Segundo, porque tenta insinuar vai lá saber que escuras conexões entre radicalidades várias; quer dizer, cria ruído e constrói mentiras. Com certeza que erros tão graves contra o dever de informar têm que responder a algum tipo de interesses; esses, no entanto, absolutamente inconfessáveis.

As e os intelectuais, as e os artistas e os movimentos sociais não podem ser dóceis, por definição. Por isso, devo confessar: não se tratava dum congresso profissional ou científico; mas dum encontro de óticas rebeldes, de dissidentes do stablishment, de gentes de prática subversiva, em maior ou menor medida. Visto que se visualiza em particular a presença de Anna Gabriel e Iñaki Gil de San Vicente, declaro que passei com eles muitas horas, que partilhamos impressões sobre a realidade venezuelana, mas também que falamos dos movimentos independentistas das nossas nações, porque os três estamos implicados nesse tipo de ativismo. Traçamos amizades, estreitamos laços. E contemplamos com prazer como as nossas nações eram mencionadas no discurso de Maduro, com nome próprio, num reconhecimento tão desusual em encontros internacionais como imprescindível.

O Socialismo para o século XXI é um projeto político necessário e bastante diferente da propaganda que expande no Estado espanhol uma imprensa desenhada para intoxicar. O governo bolivariano impõe uma certa ordem em meio do caos, tenta uma distribuição justa da riqueza, dá dignidade a um povo. As recentes eleições na Venezuela demonstram que a elite rica e a corrupção estão a ameaçar o projeto chavista e algumas análises que tenho lido dos setores à esquerda de Maduro marcam caminhos que devem ser emendados urgentemente para atingir objetivos precisos e, especialmente, para que não se inverta o caminho andado. Aquela reunião era apenas isso: um marco para dar-nos a conhecer a sua realidade e os perigos que espreitam essa revolução em marcha. Nem tinha nada de escuro ou conspiratório, nem as pessoas lá reunidas éramos homogéneas, nem muito menos temos outra capacidade ao nosso dispor que a velha arma militante da persuasão, da olhada crítica contra os excessos. A ideia da convocatória era dar continuidade ao I Encontro de Intelectuais, Artistas e Movimentos sociais, auspiciado por Chávez dez anos atrás, num texto lúcido e carregado de referências humanitárias, um desses textos do Comandante que insuflam a força imensa da Política quando for vontade de transformação social.

O objetivo era construir uma rede de informação verídica que pudesse contrapesar a propaganda vazia. Porque no mundo do século XXI, por muito anacrónico que pareça, os povos são oprimidos, as elites poderosas controlam as fontes de riqueza, @s de arriba submetem @s de abaixo. Porque no mundo do século XXI, por muito ridículo que achemos, um médio de comunicação pode relacionar todos os movimentos contestatários reunidos num encontro, apresentá-los num vídeo e pôr em circulação um relato falso. Mas encontros como este servem à Verdade, não às mentiras interesseiras. Haverá ainda, com efeito, quem acredite em que a verdade dum relato é diretamente proporcional ao poder do emissor, que só o que sai na TV é certo. Essas pessoas ingénuas, deveriam apagar o televisor e ir ocupar as ruas. Nada de que envergonhar-me. Confesso: senti-me bem orgulhosa de representar Galiza. Confesso: sinto-me orgulhosa de ter brindado publicamente o meu apoio a Venezuela depois daquele viagem, em diferentes atividades que o Consulado venezuelano em Vigo tem organizado.

Sinto-me orgulhosa das lúcidas pessoas que conheci lá. Dalguma maneira, terei que acabar parabenizando esses médios falazes por terem difundido que estivemos lá, dando apoio ao governo bolivariano, chegad@s de todas as partes do mundo, com mochilas dissidentes e diferentes. A verdadeira notícia é que fomos para contribuirmos a lutar por um mundo melhor, para darmos testemunha ética, para não passarmos a vida diante do televisor.

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.