A língua, submetida a tortura, acaba declarando qualquer cousa que o torturador pretenda. A técnica da tortura da língua é arte veterana, mas tem progredido muito. As ditaduras som excelentes masmorras para tal prática, as democracias supervisadas, geridas poderíamos dizer, também. “Nom me consta” quer dizer “nunca vou reconhecer isso”. “Essa questom pola qual me pergunta” pode aludir a flagrante apropriaçom indevida, legislaçom abusiva ou incremento do desemprego, a desprotecçom social e desigualdade. O desvendamento informativo de qualquer episódio de rapina de rendas e propriedades públicas merece automaticamente a mesma resposta: “tenho a consciência mui tranquila”, quer dizer: careço desse estranho órgao designado para medir o nível da degradaçom moral. Os informes e opinions procedentes da imprensa in-controlada, sempre escassa, devem ser ignoradas como simples ruído de fundo. Enquanto, os jornalistas de guarda se afanam em destilar enredos argumentais e expedir indulgências plenárias a favor do amo e da boa consciência da paróquia fiel.
A língua, submetida a tortura, acaba declarando qualquer cousa que o torturador pretenda
Os astutos teros de Martin Fierro “para esconder sus niditos/en un lao pegan los gritos/y en otro ponen los huevos”. Dostoievski elevou a relato imorredoiro a lenda do Grande Inquisidor, obrigado por imperativo moral a mentir, matar e torturar para assi preservar a mensagem de Cristo. A virtude protectora do manto moral demonstrou-se finalmente prescindível. O cinismo descarnado pode substituí-la com vantagem como prova concludente da astúcia do “nosso” representante ante o desprezível assédio do inimigo. O argumento parlamentar de maior sucesso é: “você mente” e a sua resposta automática: “você mais ainda, todos somos corruptos, escusado pretextar inocências”. A filosofia popular conhece bem as regras de jogo político. Lembro ter ouvido a um amigo da aldeia de bom siso comentar: “Sabes umha cousa? O melhor é que sigam os do governo, os outros venhem com fame atrasada e é pior”.
As técnicas científicas de intoxicaçom massiva em sociedades com voto livre som mais subtis como corresponde à disciplinada inspiraçom das fundaçons e gabinetes especializados em técnicas de manipulaçom de consciências
A verdade em política é umha categoria instrumental cujo significado é fixado polo poder. Lembramos como exemplo memorável na arte da falsificaçom A língua do Terceiro Reich. Apontamentos de um filólogo, de Victor Klemperer, por nom traguer à memória a estúpida logomaquia praticada nos repugnantes processos encomendados polo urso do Kremlin ou os macabros esquartejamentos, gratos ao malvado deusezinho nor-coreano Kim Jong-um que gosta adornar com ultraje oratório o carnifício. O líder insubstituível escala o céu da História em palmas da falácia insultante até alcançar a plena glorificaçom no altar-mausoléu previamente disposto: o reino do formol.
As técnicas científicas de intoxicaçom massiva em sociedades com voto livre som mais subtis como corresponde à disciplinada inspiraçom das fundaçons e gabinetes especializados em técnicas de manipulaçom de consciências. Conta-o com eloquência George Lakoff num pequeno livro de leitura mais que recomendável, Nom penses num elefante. Linguagem e debate político, no qual explica as técnicas de manipulaçom da linguagem destinada a distribuiçom massiva de óculos mágicos á sociedade para que poda contemplar o resplendor do programa do poder.
As técnicas de acondicionamento social massivo, impulsionadas pola revoluçom conservadora, alcançárom sucesso ressonante nos E.U.A. com o advento da revoluçom conservadora; esse estranho oxímorom
As técnicas de acondicionamento social massivo, impulsionadas pola revoluçom conservadora, alcançárom sucesso ressonante nos E.U.A. com o advento da revoluçom conservadora; esse estranho oxímorom. O período áureo das políticas da maioria moral decorreu assentou nos oitenta do século XX quando coincidírom no pontificado da humanidade as figuras de Margaret Thatcher (1979-1990), Ronald Reagan (1981-1989) e Karol Wojtyla (1978-2005). Umha mulher de ferro e dous artistas de mérito em artes cênicas.
Lakoff, professor de ciência cognitiva e linguística em Berkeley e fundador do think tank progressista e apartidário Rockridge Institute, é um excelente guia para navegar polas águas ignotas do código linguístico da direita conservadora norte-americana. Apreendemos no seu livro que o Rockridge é o único laboratório no campo liberal progressista enquanto se disputam o negócio da logopedia de cámara da direita um nutrido feixe de instituiçons bem nutridas com doaçons que nom baixam dos quatro a seis mil milhons de dólares anuais de orçamento nas mais modestas e podem alcançar os trinta mil milhons nas mais afortunadas. Há ideias sublimes que nom podem subsistir sem orçamento. Informa Lakoff que Grover Norquist, um afortunado advogado que sacrifica a sua vida na pregaçom das virtudes curativas da rebaixa geral tributária, reúne cada semana oitenta líderes da direita para debater ideias e limar diferenças. Admirável instituiçom que nom nos desgostaria transplantar ao país mesmo que fosse com intervalo bienal.
Deixemos ao Lakoff explicá-lo: “A gente nom vota necessariamente polos seus interesses. Vota pola sua identidade. Vota por valores. Vota por aqueles com os quais se identifica”
Em Espanha todo é mais modesto como corresponde à lendária austeridade da raça. Em 2012, a Administraçom do Estado injectou 1.188.071 euros de subsídios públicos na FAES, quantidade indiscutivelmente moderada se ponderamos que o orçamento anual da fundaçom nom baixa dos 5.000.000. A FAES alardeia de ser a melhor “fábrica de ideias” de Espanha e umha das 50 primeiras do mundo. Há informaçons que afirmam que a fundaçon teria recebido 27 milhons nos últimos 8 anos. Se é para “fabricar ideias” por nós nom vai ser, pensar nom é ofício fácil e mesmo nom é infrequente achar fábricas de ideias paradas ou com baixíssimo índice de produtividade e cliente único.
Na pugna ideológica há elementos tam incompreensíveis nas secretarias de formaçom e programas como bem conhecidos da gente comum. Deixemos ao Lakoff explicá-lo: “A gente nom vota necessariamente polos seus interesses. Vota pola sua identidade. Vota por valores. Vota por aqueles com os quais se identifica”. Bom motivo para refletirem os membros do Comité Central. Quanta gentinha empurrada à procissom da direita por desleixo ou irreverência com as conviçons da multidom. Acompasar-se ao interlocutor é, além de preceito de cortesia social, requisito comunicativo indispensável. A ignoráncia do código de acesso ao receptor incapacita o emissor para ligar linha e mensagem.
A pugna polas ideias políticas é umha palestra de incerta evoluçom: direita e esquerda repartem-se o eleitorado pola metade. É verdade que a concentraçom parcelária de esforços, tam bem sucedida na direita, nom alcançou fortuna na agra contrária. Ainda dura o eco da última explosom do artefacto arquitectado para ser casa comum.
Em Galiza nom escasseia coragem intelectual e activismo social. Falta apenas articulá-los mediante fussons -instrumento de grande atractivo social- e, se isso nom for possível por recusa orgânica imperativa em defesa do relato teológico particular, mediante pactos inclusivos
Em Galiza nom escasseia coragem intelectual e activismo social. Falta apenas articulá-los mediante fussons -instrumento de grande atractivo social- e, se isso nom for possível por recusa orgânica imperativa em defesa do relato teológico particular, mediante pactos inclusivos. A deserçom e dispersom da vontade transformadora é extremamente onerosa em termos históricos. O nosso mundo é deste reino, conviria nom esquecer. O “utopismo reflexivo” que enunciara Ernst Bloch e recuperou Pierre Bourdieu pode ser um bom tema de reflexom com a vantagem adicional nos tempos que agora correm de que utopia é quase todo. Seria bom aplicar-se a confeccionar umha listagem, começando polo imprescindível e sem esquecer que toda utopia é literatura se nom for reflexiva. De utopia nom se vive.
“Aquilo que nos proponhem como horizonte insuperável do pensamento -quer dizer, o final das utopias críticas- nom é mais que fatalismo económico”
Falava Pierre Bourdieu na sede do Instituto Ernst Bloch, diante do sociólogo Ulrich Beck. A serenidade filosófica do seu discurso contra o esperanto neoliberal reinante nom lhe impediu deplorar os silêncios: “¿Poderia alguém dizer-me que é o que fazem os intelectuais diante de todo isto? Nom me dedicarei a enumerar -seria demasiado longo e cruel- todas as formas de demissom ou colaboracionismo”. Sem cair em desánimo, Bordieu aponta para o coraçom do pensamento reacionário: “Aquilo que nos proponhem como horizonte insuperável do pensamento -quer dizer, o final das utopias críticas- nom é mais que fatalismo económico”. Coragem moral, paciência resoluta e mao tendida ao discrepante som parte do programa de descontaminaçom necessário.