Crise e desconcerto é a imagem que resume o panorama pós eleitoral da esquerda nacionalista. Um inquietante reinício após cinquenta anos de militáncia, proclamas, rupturas e recomposiçons. Algo deveu sair mal quando o requeijo nom acaba de coalhar. A tese de que a culpa do país a tem o próprio país, além de tautológica pertence a esse niilismo político que confunde a decrepitude própria com o fim do mundo. Mudemos de país dado que nom podemos mudá-lo. Um certo saibo de acedume nos assalta quando evocamos projectos prematuramente malogrados de nacionalista cívico, europeísta e transformador. Afinal ganhou a épica.
O nacionalismo galego nunca atingiu maior grau de presença social e capacidade de convocatória mália a conjuntura eleitoral, por outra parte ambígua
E contodo, como nom cair na conta de que a situaçom actual é também umha crise de reconfiguraçom? A derrota do nacionalismo contém também umha convocatória à renovaçom de modos, mensagens e liderados para acercá-los aos seus autênticos destinatários, que nom som os militantes. O nacionalismo galego nunca atingiu maior grau de presença social e capacidade de convocatória mália a conjuntura eleitoral, por outra parte ambígua. Umha mirada imparcial bem pode deduzir que embora o epicentro do terramoto eleitoral se situou no BNG também é certo que o espaço nacionalista foi o único em submeter a crítica imediata a alarmante situaçom sobrevinda e em tomar consciência da necessidade de acometer mudanças radicais. Um signo inequívoco de vitalidade. As forças de instalaçom institucional -PP e PSOE- permanecem no entanto aquarteladas recontando as avarias do mecanismo bipartidista e baralhando formas de atalhar a defecçom social acelerada ocasionada pola crise interminável e o crescente descrédito do modelo da transiçom. Crise de reconfiguraçom no nacionalismo, ominoso marasmo no centro do sistema. Batedoiro de ideias no campo nacionalista, sussurros sucessórios nas cúpulas do PP e do PSOE.
A tarefa aberta ao nacionalismo organizado e emergente é tam árdua como urgente: exame desapiedado do divórcio com a consciência social, reparaçom das feridas infligidas aos mais próximos por mao do fanatismo incapaz de reconhecer ao companheiro discrepante, e, talvez a tarefa mais difícil -penso agora no BNG- a clausura definitiva de qualquer gabinete de verdades eternas e dos seus textos veneráveis. Eternidade e veneraçom som valores em baixa numha sociedade que opta pola rede twitter a custa do relato épico.
Na realidade, como sabemos, qualquer discurso integrador é incompatível cumha cultura política baseada na desconfiança e a práctica da contravigiláncia mútua a maior honra da gnose que custodia o corpo dos iniciados
Verdades de montanheiro: mover-se é decisom imperativa em momentos de supervivência, abdicar leva à congelaçom. E há muito a mover. Imaginemos um breve episódio contrafactual. Cenário: o último Congresso do BNG prévio à excisom. Ponhamos, é um falar, que a fracçom ganhadora inicia o discurso de clausura com estas palavras: “Estimados companheiros, pudemos constatar nestas jornadas a profunda brecha que ameaça a nossa organizaçom. Corresponde-nos a nós, ganhadores em boa lide democrática, proclamar que é tempo de debater sossegadamente as diferências que nos separam para preservar a pluralidade que nos justifica e nos honra. Manhá mesmo contámos com todos vós, com todos nós, porque todos contámos igual no projecto que a todos nos une”. Fantasia idealista?, puro pragmatismo político. Na realidade, como sabemos, qualquer discurso integrador é incompatível cumha cultura política baseada na desconfiança e a práctica da contravigiláncia mútua a maior honra da gnose que custodia o corpo dos iniciados. Será preciso traer à memória a rechamante semelhança entre as trajectórias do PCE-IU e da UPG-BNG? A incompatibilidade genética entre iniciados e novícios corrói os alicerces mais sólidos de qualquer organizaçom. E por riba, a coexistência forçada produz um discurso consensual chato e timorato: “nós dizemos, nós opinamos, nós pretendemos”. Impossível a espontaneidade quando um fala em nome de um árduo e trabalhado consenso, do discurso aritmético da assembleia. Impossíveis os liderados.
Nas passadas eleiçons, o PP concentrou o 45,7% dos votos, o PSdG-PSOE ficou no 20,5% e as forças de componente nacionalista alcançárom o 25,2%: 14%, AGE; 10,2%, BNG; 1, CxG. Nom é a minha intençom repartir análises e recomedaçons. Para o primeiro abundam analistas competentes e para o segundo militantes. Assi e todo, gostaria fazer uso do meu direito de cidadám da pólis a emitir opinions na praça pública. Espero a mínima benevolência que pode reclamar quem pouco espera e nada representa.
A UPG faria-lhe um inestimável presente ao país se for capaz de dissolver-se no seu filho legítimo: o BNG
A UPG faria-lhe um inestimável presente ao país se for capaz de dissolver-se no seu filho legítimo: o BNG, transmutando a sua tutela reticular, implícita e disfuncional em núcleo propulsor de um novo partido unitário, plural e aberto a toda a sociedade. Sem letra pequena como deve ser todo contrato fiável. Renunciar a convicçons... quem fala nisso?, apenas a mitologias, que é, com frequência, o mais difícil. Nada impede afirmar: aspiramos a unha sociedade sem classes, dedicaremos a tal objectivo todo o nosso empenho; aspiramos a umha República Galega independente quando a sociedade galega o demandar, denunciamos qualquer relaçom de dominaçom imperial, política ou de gênero, e, finalmente, convocamos à cidadania galega a empuxar adiante a naçom que nos acovilha desde muito antes de terem sido promulgadas a Constituiçom de 1978 e as precedentes. Haverá coragem para tanto?
Anova-EU -água e azeite em batedeira de potência escassa- conseguiu espertar à franja mais activa da cidadania: aquela que reclama mudanças imediatas em políticas e valores. Um triunfo tam indiscutível como frágil
Anova-EU -água e azeite em batedeira de potência escassa- conseguiu espertar à franja mais activa da cidadania: aquela que reclama mudanças imediatas em políticas e valores. Um triunfo tam indiscutível como frágil. A disjuntiva que agora se abre à coaligaçom, água e azeite, só admite duas saídas: ou tentar constituir-se em núcleo convocante de um projecto de esquerda nacional galega comprometido como a mudança social e com a formulaçom dum projecto nacional para Galiza (lembram, amigos de EU, ao velho PSUC?) ou somar-se a um projecto de concentraçom plural das esquerdas nacionalistas galegas. Tertium non datur como nom seja um cambalacho entre Madrid e Briom do frágil micropoder encomendado à coaligaçom. Que fazer?
Quanto a CxG, confesso apreciar os modos exibidos em campanha e a ousadia da aventura empreendida. A elocuçom política é laica, parca em retórica e liturgia como demandam estes tempos de impiedade
Quanto a CxG, confesso apreciar os modos exibidos em campanha e a ousadia da aventura empreendida. A elocuçom política é laica, parca em retórica e liturgia como demandam estes tempos de impiedade. Umha oferta simples a fazer país, aberta às amplas classes médias dispostas a resistir o assimilismo em curso e o cruel receituário económico que nos está sendo subministrado. Gostei também da bandeira sem estrela que presidiu os seus actos -a bandeira de Castelao- e do argumento reiterado de transitar polas ruas que frequenta a gente comum; essa que nunca lerá Sempre em Galiza mas que talvez suspeita que o país é algo mais que umha Mancomunidade de poderes locais e a autonomia bastante mais que um vistoso troféu a exibir nos círculos da capital. Poderá resistir?