Crise de reorientaçom na AGAL

Crise, limitada, parcial, mas crise afinal é o conceito que melhor descreve a situaçom sobrevinda após da Assembleia da AGAL de 24 de outubro de 2015. O motivo do dissenso, para os desconhecedores das coordenadas em que se move a organizaçom, pode resumir-se na discrepância latente entre os partidários de seguir escrevendo “capitám” e “coraçom” por fidelidade à língua falada e à sua fonética  a letra “ ç”pode ser lida como a “z” castelhana para os nom praticantes do sesseio  e os partidários de grafar “capitão” e “coração” como tributo à potência incomparável do português. Mais ominosas ainda som as inovaçons em conjugaçom verbal e outros postiços disfuncionais em galego que contribuem a afastar a língua da sociedade.

A convivência das duas almas da AGAL viu-se abalada polo new deal impulsionado pola corrente promotora da nova directiva, finalmente eleita, em cujo programa se incluía a equiparaçom de ambas as grafias num programa denominado de aglutinaçom normativa que representa um desafio de facto à normativa desenvolvida pola AGAL desde a fundaçom em 1981 através da sua Comissom Lingüística, autêntico coraçom da Associaçom.

O objectivo tenazmente perseguido pola AGAL desde a sua fundaçom, consistente na elaboraçom e desenvolvimento dum corpus lingüístico radicalmente independente do espanhol e plenamente congruente com a norma internacional do nosso idioma, fica assi desvalorizado e preterido em favor do prestigiado português como grande língua internacional indiscutível. Foi esta precisamente a escolha que deu nascimento à Academia Galega da Língua Portuguesa em 2008, a filha da AGAL que finalmente parece ter contagiado a sua matriz originária.

Os usuários da normativa tradicional da AGAL pudemos observar com apreensom a imparável deriva em curso cara ao padrom ortográfico português, tanto nas suas publicaçons corporativas e editoriais como nas colaboraçons dos aderentes e amigos no portal corporativo PGL, num imparável processo de assimilaçom ao português que o uso da internet propicia e acelera.

A intrusom do português é, com certeza, um factor altamente positivo no processo de depuraçom do galego e consequente libertaçom da iníqua subserviência ao espanhol em que se debate; sendo isto assi, qual é o problema?

Além do afastamento da percepçom social que comporta, o problema da opçom polo português tem, segundo eu vejo, dous efeitos prejudiciais. O primeiro é a agudizaçom do desdém ou menosprezo polo galego vivo que contamina amplas camadas da nossa sociedade. O segundo é servir de coarctada eximente aos praticantes  por inércia os conveniência  da opçom oficialista, relevados agora do confronto com o movimento reintegracionista e absolvidos com generosidade dos estigmas de derrotismo e claudicaçom ante o espanhol. Afinal, o português é umha língua europeia mais; nada conflituosa na polémica normalizadora.

Na primeira perspectiva, a migraçom para o português funciona como um “kit pronto a usar” que permite aos utentes desprenderem-se do incomodo de um idioma de escasso prestígio social e submetido à abrasiva capacidade de erosom do espanhol transmitido polos meios: rádio, cinema, livros, TV. O português concede-lhes um código de comunicaçom socialmente irreprochável, acessível, asséptico, com corrector ortográfico incorporado se tal é a preferência. Nom contaminado pola insuportável rusticidade do idioma que a família falava até há pouco.

Sob a segunda perspectiva, o substituto português inflige um severo debilitamento à capacidade de interpelaçom da estratégia reabilitadora do galego do reintegracionismo diante dos segmentos mais activos da nossa sociedade: agentes culturais, docentes e escritores, usuários do standard oficial da Xunta com má consciência, que alguns há e mais que há-de haver. Um excelente subsídio em definitivo para a ansiedade que paira sobre os agentes mais sensíveis ao futuro do idioma. Português como kit e português como ansiolítico, duas boas maneiras de sobrevoar os infortúnios da língua neste mar em calma podre em que há tempo flutua.

Nom é momento de discutir factos consumados como a discutível oportunidade da eliminaçom de algum grupo consonântico etimológico, mas sim de insistir em que a pretendida aglutinaçom normativa é umha volta mais de parafuso sobre a sólida estrutura etimológica da língua mediante o esbatimento propugnado das terminaçons em [-ám] (capitam, Morquintiám), [-om] (nom, ocasiom) e [ao] (irmao, limiao) para confluírem em [–ão]: capitão, não, irmão, Morquintião?

O mestre Fernando Venâncio já dedicou um luminoso artigo ao invasivo ditongo nasalizado que solicita agora passaporte galego em O indesejado ditongo ão (Grial, 2011, número 192)  de obrigada leitura para quem queira formar umha sólida opiniom ao respeito.

As paixons irrefreáveis gostam de retóricas exaltadas. É por isso que o galego passa a ser denominado agora “português da Galiza” com gratuito sacrifício da sua secular identidade no miraculoso altar cosmopolita. Os partidários mais entusiastas do new deal gostam de argumentar ainda que o galego é ao português como o valenciano ao catalám. Pois será se tal afirmam nom obstante o facto comprovado de a Galiza nunca ter sido colonizada por Portugal nem os seus escolares educados em português.

Umha cousa fica clara no processo em curso: a deriva cosmopolita será bem recebida polos administradores do idioma. O português, língua estrangeira, nom colide com a normativa oficial e supera os mais exigentes filtros sanitários instalados para blindar o galego de curso legal. 

Contodo, o programa originário de reabilitaçom e desespanholizaçom do galego vivo no espelho do português como língua teito em substitutiçom do espanhol da AGAL, continua felizmente o seu curso: aí estám os centros cívicos e as escolas Semente para confirmá-lo.

Na Assembleia de 24 de outubro, apresentou-se apenas umha única candidatura, explicitamente favorável à tese da aglutinaçom normativa. O seu triunfo foi irreprochável e esmagador e a vitória, recebida com euforia pola concorrência. Nada que objectar à limpeza da vitória a nom ser as dúvidas sobre a sua aptidom para resgatar o galego do processo de deterioramento acelerado em que se debate. O caminho alternativo de alcançar a plena soberania lingüística da Galiza inscreve-se inevitavelmente num processo de construçom nacional, hoje ilusório. Mas nom impossível. Nom era a política, afinal, a arte do impossível? Catalunha pode servir hoje de exemplo da ténue e cambiante fronteira da im/possibilidade nos tempos da sociedade líquida pós crise.

O new deal da AGAL provocou a imediata demissom de quatro membros da Comissom Lingüística: Carlos Garrido, Beatriz Peres, Maurício Castro e Paulo Valério; o primeiro, presidente da Comissom. O facto prova a severidade da ferida societária seja qual for a aritmética da Assembleia. Afinal, persiste o problema do resgate do galego e do quadro político que pode fazê-lo possível porque, obviamente, a prática da escrita em português, acho eu, nom que precise de qualquer tutela.

Seja bem-vindo em todo o caso o flamante coração lusitano que late agora no movimento reintegracionista na medida em que contribua a esbater a servil dependência do espanhol que nos incapacita para pronunciar correctamente Rajói e Feijó mas nom Jordi Pujol e Oriol Jonqueras, como manda a TVE que nos tutela e educa. Analfabetos em galego, competentes em espanhol depois de 35 anos de autogoverno.

Sobre a lusofonia há muito a falar. Das suas miragens já nos tem prevenido o filósofo Fernando Lourenço, mestre do pensamento português. O nosso contributo á constelaçom da cultura portuguesa nom vai depender afinal de qualquer fantasia imitativa; os Cancioneiros fôrom escritos a duas maos e assi queremos seguir contribuindo, com a nossa voz singular e irrenunciável.

Quanto a mim, pretendo seguir mantendo por enquanto a dupla afiliaçom. O meu coraçom cívico e nacional está com Beatriz, a minha animosa e cara professora de português na EOI e o meu coração português nom gostaria de prescindir do Eduardo, meu prezado professor também na EOI e actual presidente da AGAL. Que a sorte acompanhe às duas congregaçons nas frentes de batalha que as ocupam: do Ortegal ao Minho, que é a nossa tarefa ineludível, e daí às longínquas fontes da eterna juventude dos países da nossa mesma fala.

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