Democracia paroquial e soberania energética. Memória da potencia

“-(…)¡O porvir é para os que saben conqueril-o!
-¡Vaguedás! Falade en concreto. ¿Cómo servir â vosa causa?
-Sirve a Galicia a que aproveita un salto de
auga, o que fai froitificar dobremente un campo (…)”
Johán V. Viqueira (1)

O novo Decreto de autoconsumo energético aprovado polo Estado é um passo mais de uma nova enclousure elétrica, que fará do aproveitamento de placas fotovoltaicas vizinhais un ato de desobediência fortemente punido, em aras de garantir os ganhos do oligopólio elétrico, num contexto de suba do preço da luz em 76% e de alarmante pobreza energética (2). Um cercamento dos aproveitamentos energéticos comunais que já se produziu na gênese do atual sistema oligopólico de produção de eletricidade.

Diz Bourdieu que “os efeitos das eleições adoptadas polo Estado rematarom impondo-se tão rotundamente na realidade e nas mentes que as posibilidades inicialmente desbotadas (por exemplo um sistema de produção domêstica de eletricidade análogo ao que prevalece para o aquecimento) parecem absolutamente inconcevíveis” (3). “Um dos efeitos do Estado é fazer crer que não há outra via que o Estado” (4), de modo que hoje nem lembramos que algo tão complexo como a eletrificação das nossas aldeias foi obra da própria comunidade (ao igual que a trazida de água, a inovação tecnológica do agro ou a alfabetização da massas) (5); e, o que é pior, retomar a autogestão da energia parece-nos impossível. Estee feito de amnesia que produz a dependencia estatal é o que Illich e Zaid chamaram “incompetencia planificada” da comunidade. Para o caso dos labregos de Santa Marta de Moreiras exprimiu-no com franqueza Fernández Oxea:

“Están asoballados por un individualismo feroz que fai inútil toda empresa colectiva. A institución oficial e postiza dos auntamentos deu en terra cos enxebres concellos parroquiaes, derradeira lembranza dos costumes coletivistas dos celtas, e hoxe xa se afixeron tamén o nosos labregos a que todo o que lles compre llo arranxe o “poder oficial”, sin se decatar de que con pouco esforzó faríano iles moito millor. Abonda con decir que, a pesares de que en toda a parroquia non hai un soio camiño regular, non hai quen xunte ôs veciños para arranxar vereas e corredoiras, e prefiren atuarse ata as illargas, ou levalos carros a meia carga, denantes de se ocupar en ir ôs camiños un día ou dous dos moitos de invernía que pasan facendo pítelos, esfollando millo ou enredados en angueiras de pouca monta”. (6)

Precisamente a eletrificação das aldeias foi um dos serviços que em muitas paróquias instalarom os concelhos abertos, uma memoria da nossa potencia que compre recuperar como passo fundamental para o empoderamento. Após o seu intenso trabalho de campo na década de 1960, o antropólogo Carmelo Lisón Tolosana enumera a eletrificação das paróquias como uma das competências dos concelhos abertos galegos, e descreve mais polo miúdo como foi o processo no Zebreiro (7). Para umas comunidades já afeitas de sempre à autogestão dos comunais (monte, vezeira, água de rego, fontes e caminhos, etc.), a autogestão da energia elétrica assumiu-se com naturalidade. José Hipólito Santos, num formoso livro sobre o processo revolucionário português “de baixo”, recorda como em muitas freguesias o empoderamento popular começou, à margem de partidos e consignas, recobrando as funções da velha democracia paroquial: arranjo de caminhos, limpeza de fontes e, agora também, autogestão de energia elétrica. (8)

Quer por iniciativa familiar, paroquial (concelho aberto), local (empresas municipais) ou pequeno-empresarial, a luz foi chegando às nossas aldeias (9) sem aguardar polo Estado-providência ou porque as grandes empresas capitalistas achassem o negócio o suficientemente suculento.

Historiar este processo autónomo de eletrificação, e o que pudo ter de exercício de soberania energética, é também fazer uma história política das comunidades galegas sem (e contra o) Estado. Os materiais para esta história mais do que escasos são dispersos, por não serem observados nunca so bum paradigma unificador que parta da realidade de uma viçosa civilização rural, no canto do paradigma liberal do atrasso apenas superado pola ação missionária do Estado e o Capital. Longe de pretensões de exaustividade, este artigo quer estimular com algum exemplo a possibilidade de seguir essa linha de investigação.

Quanto à eletrificação rural por conta da iniciativa familiar, Joám Lopes Facal testemunhou o caso da sua casa familiar de Toba (Corcubião):
“O meu avô paterno instalou a água corrente da casa quando voltou de Cuba e o meu pai tinha umha pequena central com umha dínamo de corrente contínua com a que conseguimos iluminar a casa parcamente mas também ouvir a rádio que fijo construir e instalar –imponente a antena aérea- por um amigo técnico que ele trinha, o senhor Currás. A modesta e altiva linha eléctrica (…) unia o moinho com a casa de Lopes (…)” (10).

No nível local, indo à Estrada, pode fazer-se um pequeno percurso polos antigos moinhos de luz para fazer-se uma ideia do nível de auto-desenvolvimento energético. Na paróquia de Aguions acham-se os restos da Fábrica da Luz Elétrica da Pina, que já produzia em 1900; en Ancorados havia um moinho com obradoiro de torneado e outro com um generador de eletricidade; em Codesseda uma fábrica de luz no regueiro de Quintas; em Ribela a Central Elétrica Ribeirense (e ainda em Currantes Velho um moinho de martinete para trabalhar o ferro, e em Loimil, Arnois e Riobó moinhos de papel, alguns do s. XVIII) (11).

Quanto às posibilidades de usar esta infraestrutura tradicional num novo modelo de produção elétrica, a imprensa recolheu recentemente a intenção de uma família de Negreira para rehabilitar dous moinhos de luz, não sem problemas burocráticos. Em Ordes, na paróquia de Leira, o antigo batám foi adaptado por um particular, há já anos, para intentar producir eletricidade para o autoconsumo.

Também na comarca de Ordes, temos a sorte de contar com as investigações de Gonzalo Veiras Carneiro, que lembram a epopeia eletrificadora de Antonio Gómez Carneiro, agrarista, alcalde republicano de Messia, colaborador do Exército Guerrilheiro da Galiza e preso político. Aproveitando a força do rio Samo a família de Carneiro  levou energia elétrica a várias paróquias dos concelhos de Messia, Frades e Ordes (ao ser absorbida estava a programar uma linha que chegava à Margarida, em Buscás); uma nada desprezável rede autónoma que, em parte, desenhou desde o cárcere do Dueso (12).

Para outra paróquia da mesma comarca, em Xavestre –no concelho de Traço- temos a informação de Carlos Sixirei Paredes, que fai referência ao momento em que estas iniciativas vão sendo fagocitadas polas grandes empresas do oligopólio:

“Nos anos 50 construiu-se no rio Chonia unha pequena central eléctrica que daba luz a Parroquia e incluso a outras de perto. Posteriormente pasou a mans de FENOSA tras unhas tensas negociacións que duraron algún meses e durante as cales os veciños ficaron sin luz ante a mais absoluta despreocupación dos organismos oficiais” (13).

Ainda sem poder confirmá-lo, creio que é este o conflito ao qual elude o Testamento do Antroido recitado em 1979 na paróquia vizinha de Morlám, magnífico exemplo de cómo se resolviam os problemas comunitários através do parlamento poético, grotesto e cómico. As estrofas em questão são as seguintes:

Falamos o outro ano
do problema da corriente
pero o problema sigue
e un caso é o seguinte:

En canto chegue o inverno
e o aire vén por Madrí,
así, sin saber por que,
xa falta a corriente aquí.

Houbo un grupo de veciños
nunha parroquia do lado
que protestaron por esto
e ten o problema arreglado.

Fixeron o trato todos
de non pagar o recibo
hasta que se lle puxera
corrente como é debido.

Ninguén o quixo pagar
ou eso decía a xente,
hasta que un día viñeron
e cortáronlle a corriente.

Pero resulta que algún
o cable non lle cortaron
e entonces descobriuse
quen foron os que pagaron. (14)

Este processo de concentração de redes elétricas paroquiais e municipais em benefício das grandes empresas, que agora se nos apresenta como única opção, não foi nem muito menos natural, mas consequência da decissões políticas. Voltando a olhada à gênese deste modelo elétrico centralizado (o desenho dos tendidos apresenta um projeto nacional tão evidente como a rede radial de estradas e caminhos-de-ferro) é mais fácil perceber a sua arbitrariedade, porque se põe de relevo que um outro sistema, concelho ou municipal, mais autónomo e próximo às usuárias, não só era igualmente possível, senão que de facto era o realmente existente até que o primeiro “cercamento elétrico” reconduziu os beneficios para as grandes empresas, num caso exemplar de acumulação por despossessão. O processo deu no oligopólio atual, em que apenas cinco empresas (Iberdrola, Gas Natural-Fenosa, Endesa, Energias de Portugal e E.ON) acaparam o negócio elétrico no Estado espanhol, com uns beneficios de mais de 7.000 miliões de euros em 2014.

Nas nossas casas, centros sociais, cooperativas, clubes desportivos, concelhos soberanistas e de unidade popular, locais de partidos e sindicatos, etc., já não há pretexto para continuar a alimentar económicamente este monstro económico que desfai a nossa Terra: as cooperativas de energia como Nosa Enerxía, Som Energia ou Goiener, dão nova vida à eletricidade em concelho aberto. Criar soberania popular neste setor, defender a Terra e enfraquecer o oligopólio depende de nós.

 

NOTAS

1. Johán V. Viqueira, “Divagaciós engebristas”, Suplemento Gratuito de Nós, Fascículo XXV, Natal de 1930, p. 10. Curiosamente, apenas três anos antes Walter Benjamin fazia um apontamento semelhante no seu Diário de Moscova: “Agora fijo-se claro para todo comunista que o trabalho revolucionário deste momento não é a história, a guerra civil, mas a eletrificação (…)”.
2. O conceito de “pobreza energética” foi matizado em termos decrecentistas por Manuel Casal Lodeiro. Aqui, mais que nunca, haveria que dizer com Bertolt Brecht que o socialismo não tem de ser tanto o reparto de riqueza quanto o reparto da pobreza.
3. Pierre Bourdieu, Razones prácticas. Sobre la teoría de la acción, Barcelona, Anagrama, 2007, p. 94.
4. Pierre Bourdieu, Sobre el Estado. Cursos en el College de France (1989-1992), Barcelona, Anagrama, 2014, p. 193.
5. Narciso de Gabriel, em Escolantes e escolas de ferrado (Vigo, Xerais, 2001), demonstrou como as autogeridas escolas de ferrado conseguiram que a Galiza atingisse maiores níveis de alfabetização que Espanha sendo a zona com menos escolas estatais (sobretudo Lugo).
6. Xosé Ramón Fernández Oxea, Santa Marta de Moreiras, Sada, Ediciós do Castro, 1982, p. 44.
7. Carmelo Lisón Tolosana, Antropología cultural de Galicia, Madrid, Siglo XXI, 1974 (2ª ed.).
8. José Hipólito Santos, Sem Mestres, nem chefes o povo tomou a rua. Luta dos moradores no pós-25 de Abril, Lisboa, Letra Livre, 2014, p. 96.
9. Não menos importante foi a reação anti-modernizadora contra a eletricidade que se produziu no país, e que tivo empressões ilustres em Castelao ou Otero Pedrayo. As suas razões merecem toda a atenção.
10. Joám Lopes Facal, Percursos sem roteiro, Santiago, Através, 2015, pp. 52-53.
11. VV.AA. O Val do Ulla. Unha comarca natural, Vedra, Asociación Raiceiros, 2006.
12. Gonzalo Veiras Carneiro, “Antonio Gómez Carneiro, o industrial: dos cereais á enerxía eléctrica”, in Manuel Pazos Gómez, A República da Berxa. Antonio Gómez Carneiro e o seu tempo, Ordes, Obradoiro da História, 2014, pp. 188-199.
13. Carlos Sixirei Paredes, San Cristobo de Xabestre, Sada, Ediciós do Castro, 1982, p. 82.
14. O Testamento pode-se ler completo em: Federico Cocho, O carnaval en Galicia, Vigo, Xerais, 1992 (2ª ed.), pp. 284-291.
Villabona, 9 de outubro de 2015

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