Democracia participativa e novas tecnologias

No mundo das novas tecnologias, as inovações costumam chegar com a adaptação de velhas ideias a novas necessidades. O já célebre Big Data não é um novo conceito que rompe com o passado. É  a adaptação da velha computação de altas prestações e da programação em paralelo à nova necessidade de popularizar o processamento de muitos dados. Neste contexto, surge novo software que faz o mesmo que o antigo mas que se adapta a qualquer microprocessador, fazendo mais acessível, popular e democrático o processamento de muitos dados em paralelo.  De jeito análogo, o novo termo Internet das Cousas refere-se à integração de velhas realidades: sistemas embebidos, tecnologias sensoriais e redes. Lembremos também como os blogues surgiram com a popularização da web dinâmica, ou como as redes sociais representaram uma nova adaptação, algo mais evoluída, dos primeiros foros em Internet.

No mundo das novas tecnologias, as inovações costumam chegar com a adaptação de velhas ideias a novas necessidades

Em todos os casos de inovação, surge um ecossistema de novas ferramentas que adaptam e popularizam uma velha ideia ou conceito. No mundo da política, o velho conceito da democracia participativa e assemblear começa a espalhar-se e popularizar-se graças a um novo ecossistema de ferramentas e plataformas, em código aberto, de fácil instalação. A democracia participativa fundamenta-se em três tarefas sequenciais: debate em foros, criação de propostas/iniciativas e votação das mesmas.  Na atualidade, existem numerosas ferramentas livres que permitem efectuar todas ou algumas destas três tarefas. Passo a continuação a citar algumas delas:

As mais ambiciosas de todas são DemocracyOS, usada polo Partido de la Red (em Buenos Aires) e LiquidFeedback, utilizada polo Partido Pirata alemão. Estas duas plataformas integram as três tarefas num único software. LiquidFeedback integra também uma funcionalidade adicional no processo de votação: a possibilidade de delegar o voto a um perito ou especialista no tema da proposta. Esta funcionalidade torna a democracia participativa em algo novo, chamado democracia líquida, que é um sistema de toma de decisões que se situa entre a democracia direta e a representativa.

No mundo da política, o velho conceito da democracia participativa e assemblear começa a espalhar-se e popularizar-se graças a um novo ecossistema de ferramentas e plataformas, em código aberto, de fácil instalação

Outras ferramentas de participação em plena expansão são Reddit, PHPBB3 e Loomio, focadas na gestão de debates e foros de discussão, com a possibilidade de selecionar as propostas mais populares mediante métodos tradicionais de ponderação. Cumpre sublinhar também uma ferramenta de debate de código privativo, Appgree, que inclui um algoritmo patentado, DemoRank, orientado à seleção das propostas melhor valoradas mediante microsondagens. Por último, uma ferramenta muito popular utilizada no processo de votação é Agora Voting, que também inclui a possibilidade de delegar o voto. Os problemas de seguridade que acarreta a votação electrónica irão reduzindo-se a medida que se digitalizem as administrações. O caso recente das primárias de Ourense en Común mostra que é preciso o uso de mecanismos mais personalizados, como o certificado digital ou mesmo um empadronamento digital, de tal jeito que se possam restringir as votações a uma área territorial ou Concelho específico.

Não existem grandes inovações técnicas nem conceptuais nestas ferramentas. Todas elas herdam as ideias básicas de plataformas e projetos colaborativos, como a Wikipédia, ou de agregadores comunitários de notícias: chuza, digg, etc.

Dado o interesse atual na democracia participativa, é o momento de construir projetos e consórcios internacionais focados na melhora das ferramentas de participação, nos que se envolvam peritos em ciências políticas, engenheiros informáticos e linguistas

O movimento Pirata internacional, formado por numerosos desenvolvedores informáticos, fomentou a criação de muitas destas ferramentas. No entanto, a principais achegas teóricas e conceptuais sobre a democracia participativa encontramo-las nos documentos organizativos do Partido X, de Democracia Participativa e do Partido de la Red, mais focados nas estratégias de participação que na construção ideológica. Cumpre sublinhar também que um número crescente de agrupações cidadãs e de partidos começam a usar massivamente estas estratégias, assim como as ferramentas que as implementam. A maioria de agrupamentos cidadãs para as Municipais de Maio e partidos como Compromís, Equo, ou Podemos são alguns exemplos de utentes habituais de tais ferramentas.

A minha previsão é que esta vai derivar cara a democracia líquida, é dizer, as propostas e votações serão feitas mediante delegação a expertos, pois, excepto os tertulianos, ninguém pode saber tudo sobre tudo

Existem numerosos desafios para que a democracia participativa seja finalmente operativa e eficaz.  Um deles é permitir a construção de propostas ou iniciativas limpas, prontas para ser votadas a partir de debates intermináveis cheios de argumentos e contra-argumentos. Na atualidade, os mecanismos que dão relevância às melhores ideias nos foros de debates baseiam-se em técnicas básicas de ponderação por parte dos utentes, que poucas vezes conseguem separar as achegas interessantes e bem fundamentadas dos comentários destrutivos. Para além disso, é habitual encontrar as mesmas ideias formuladas de jeitos diversos em diferentes fios de debate, situação que faz com que se perda a coesão necessária para organizar corretamente toda a diversidade temática. Desde o meu ponto de vista, as ferramentas de participação precisam integrar no software outros módulos mais básicos de organização, baseados em técnicas de processamento da linguagem natural, extração de informação, análise de opinião e aprendizagem automática. Estes módulos poderiam permitir juntar automaticamente fios com conteúdo semelhante, extrair ideias e asserções básicas, identificar opiniões sobre as mesmas, etc. Estas técnicas estão a aplicar-se atualmente noutros domínios, como a economia, a medicina, o direito ou a organização da empresa, dando lugar a projetos de investigação pluridisciplinares. Dado o interesse atual na democracia participativa, é o momento de construir projetos e consórcios internacionais focados na melhora das ferramentas de participação, nos que se envolvam peritos em ciências políticas, engenheiros informáticos e linguistas. Os programas europeus do Horizon 2020 podem ser uma fonte de financiamento para este tipo de projetos. 

Como no caso do debate ecológico, que foi integrando-se aos poucos nos programas de muitos partidos, a democracia participativa vai ir apropriando-se do espaço organizativo de todos os partidos a curto e meio prazo. A minha previsão é que esta vai derivar cara a democracia líquida, é dizer, as propostas e votações serão feitas mediante delegação a expertos, pois, excepto os tertulianos, ninguém pode saber tudo sobre tudo.  Espero também que, mais cedo que tarde, mude de nome. Ninguém vai querer apresentar-me como um 'demócrata líquido' não polo conceito que representa, senão pola estética do termo.

As novas tecnologias permitem abrir a democracia a uma nova estratégia colaborativa focada no jogo diário do pim pam debate, pim pam proposta, pim pam votemos

Em resumo, frente à democracia representativa que agasalha ao povo, de quando em vez, com o pim pam proposta desde a tribuna de uns poucos iluminados, as novas tecnologias permitem abrir a democracia a uma nova estratégia colaborativa focada no jogo diário do pim pam debate, pim pam proposta, pim pam votemos.

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