Depois de Escócia (e II)

Segue a direita empenhada em procurar atalhos para consolidar a desmaiada hegemonia do bipartidismo. O que urge agora nom é já potenciar o voto da montanha por cima do voto litoral senom travar a ameaça de sequestro da democracia por “forças minoritárias”: o perigo da ingovernabilidade, no argot do ofício. Em economia, a pretensom seria qualificada de “abuso de posiçom dominante de mercado”, mas, em política, o monopólio é um alvo plausível porque assegura o clima de estabilidade que reclamam ao uníssono os poderes económicos e a confraria dos beneficiários do sistema.

O mapa eleitoral foi-se simplificando de mais com a perda de um centro e de umha esquerda transformadora e europeísta. O meu partido, Esquerda Galega, era umha formaçom que pretendia a mudança do quotidiano

Exercim transitoriamente de parlamentário do PSG-EG durante a III Legislatura, 1990-1993. Compunham o hemiciclo na altura, um PP “em coaligaçom” com Centristas de Galicia (leia-se de Ourense) e umha oposiçom fragmentária onde mal conviviam PSdG, BNG, PSG-EG e CG; com 38, 28, 5, 2 e 2 escanos respectivamente. As duas últimas formaçons iniciavam na altura a seu declínio irreversível. O mapa eleitoral foi-se simplificando de mais com a perda de um centro e de umha esquerda transformadora e europeísta. O meu partido, Esquerda Galega, era umha formaçom que pretendia a mudança do quotidiano. Lembram o frete do Xurelo, de Corunha à Fossa Atlántica, patroneado por Angel Vila e patrocinado por EG? O seu legado político permanece esquecido nos arquivos do Parlamento Galego. Acabará por ser reconhecido.

O BNG tentava reformular na altura a sua estratégia da casa comum, apoiado numha base militante activa e disciplinada, potenciada ainda pola retórica de Beiras, sempre um bocado estridente de mais, que a imprensa adorava. A crise definitiva da EG e o desvario habitual do PSdeG facilitárom a tarefa.

De eleiçom em eleiçom o arco parlamentar foi-se simplificando e virando para a direita. Finalmente, Fraga acabou por reformar-se (leiam, por favor, por jubilar-se) em qualquer poltrona madrilena nom sem antes elevar a exigência de acesso ao Parlamento Galego do 3% para o 5%. Em benefício da “maioria natural”, “como é natural”.

A casa comum do BNG acabou acomodando umha notável concorrência, nom sem deixar de revelar os limites políticos do heterogéneo convívio. Nom é fácil manter a harmonia familiar da casa quando o patriarca, há tempo encamado mas activo, pretende seguir regendo a família e os irmaos andam o mais do tempo em liortas fraternais. O proclamado princípio assemblear que organizava a convivência produzia, contodo, os resultados esperados enquanto as imagens de concórdia das grandes festividades confortavam a militáncia. No fondo, o verdadeiro aglomerante ideológico que legitimava o organismo nom era outro que o grande relato fundacional da UPG, potenciado polas cumplicidades orgánicas e políticas que se iam tecendo segundo as circustáncias. O partido guia, embora implícito, garantia, em última instáncia, a resoluçom de conflitos ao tempo que orientava o discurso, as listas, e, chegado o caso, as coaligaçons.

Os salons com cámaras reservadas som proclives a gerar camarilhas e estas a degenerarem em desavenças, nom raro, irreversíveis. Finalmente, em 26 de Janeiro de 2012 os alicerces da casa comum cedérom no curso de uma Assembleia irreprochávelmente democrática. Qualquer técnico em estruturas teria diagnosticado a causa do afundamento: “fadiga de materiais”. Porque, impacto externo nom houve. A organizaçom levava tempo consumindo doses crescentes de energia em vigilar e neutralizar dissidências internas.

A mudança necessária há-de ser mais radical e comporta a abertura de um processo constituinte mediante convocatória aberta, com capacidade para interpelar os segmentos sociais mais comprometidos com o futuro nacional de Galiza

O núcleo da organizaçom, a UPG, ficou na companhia circunstancial de Abrente (Aymerich) e, sobre todo, do caudal de militáncia mais fiel e tolerante com a estratificaçom interna de poder. O BNG-2012 encara agora o imperativo de umha radical mutaçom orgánica e programática, ainda que por mais nom seja que pola necessidade de resistir os potentes movimentos sociais de carácter transversal emergentes.

O objectivo último é, decerto, mais exigente: revitalizar o movimento nacionalista, ameaçado hoje de inaniçom e irrelevância. A mudança necessária há-de ser mais radical e comporta a abertura de um processo constituinte mediante convocatória aberta, com capacidade para interpelar os segmentos sociais mais comprometidos com o futuro nacional de Galiza. O obstáculo previsível a tal estratégia é a inércia inerente a qualquer núcleo de poder. É conhecida a tendência de todo estado-maior a formular exclusivamente a estratégia da última guerra travada. Aquela que nunca se vai repetir. Prever os modos da nova guerra, pôr de lado o armamento obsoleto, nom som tarefas fáceis de abordar.

O continente político esgalhado do BNG: AGE, é polo momento umha agrupaçom heterogénea sem projecto político definido

O continente político esgalhado do BNG: AGE, é polo momento umha agrupaçom heterogénea sem projecto político definido. O seu perfil identificativo tem a inevitável conotaçom persoal infundida por Beiras, em quem se delega sem aparente conflito, além da imagem, a validaçom em última instancia de objectivos e estratégias. O difuso federalismo proclamado tem como receptor privilegiado EU. Para completar a complexidade organizativa, AGE conta ademais com a ala de signo comunista patriótico da FPG que acrescenta, dito seja de passagem, um segundo ícone como é Ferrin. A convivência política de Beiras e Ferrin é umha clara manifestaçom dessa lealdade de fondo que uniu sempre a fratria nacionalista.

Frentes ou partidos? As frentes ou assembleias som organismos transitórios por essência, inevitavelmente vinculados à circunstáncia histórica que os suscitou. A sua metáfora religiosa som as congregaçons com ampla dispensa ao aderente que nom deu o passo ao voto perpétuo. O partido é o instrumento da acçom política por excelência.

Em 1960 formulou Sartre a sua dialéctica grupal cunhando o conceito de grupo em fusom como umha fase superior da serialidade organizativa no seu processo de institucionalizaçom. Sartre identificava serialidade com burocratizaçom (PCF e PCUS) e grupo em fusom com espontaneidade criativa (estudantado do 68, processos de libertaçom). Em terminologia sartreana, Podemos e as Marés som grupos em fusom em avanço para umha eventual institucionalizaçom ou de recuo para a definitiva dissoluçom.

O projecto de acometer a formaçom de um partido de esquerda nacional soberano e plural nom é novo e foi já ensaiado por Camilo Nogueira e Ángelo Gerreiro nos noventa

AGE é mais informal, instalada de momento num status de coaligaçom eleitoral sem perspectiva de evoluçom claramente predecível. Só o Espaço Eco-socialista Galego mostra o empenho explícito de configurar um partido nacional sólido, na esteira de ICV. O facto de se ter dado já de baixa o grupo Cerna, nom é um bom augúrio neste impasse entre as tensons centrípeta e centrífuga que ameaçam a organizaçom. Quanto A Cerna, o razoável seria esperar umha reintegraçom condicionada no BNG ou a simples entrada em Compromisso.

O projecto de acometer a formaçom de um partido de esquerda nacional soberano e plural nom é novo e foi já ensaiado por Camilo Nogueira e Ángelo Gerreiro nos noventa. Infelizmente, as circunstáncias nom ajudárom. A repetiçom do intento por parte de AGE dificilmente terá maior sucesso. Iolanda Díaz nom é Guerreiro, nem sequer Rafael Ribó; e Beiras e Ferrin – além da sua patente dessemelhança política – carecem do teimosia determinada de Nogueira e Guerreiro.

O tempo actual soa a vésperas e mudanças. É hora de decisons. Nestas circunstáncias, antecipar-se é a melhor opçom

Comparemos a aparente justaposiçom das biografias políticas de Beiras, Ferrin e Díaz com a cordial cumplicidade que conectava Camilo com Geluco. Desde a negociaçom do Estatuto nos corredores do Congresso dos Deputados – com mais coragem que representatividade por parte de ambos – até a sua contiguidade de escanos na Primeira Legislatura e a mútua simpatia manifesta. Ambos compartiam umha antropologia política similar: optimista, resolutiva, pactista.

O tempo actual soa a vésperas e mudanças. É hora de decisons. Nestas circunstáncias, antecipar-se é a melhor opçom. Crise de confiança nos dous grandes partidos, no texto constitucional, na instituiçom monárquica. Catalunha em rebeldia. Umha crise económica interminável que expropriou já o futuro da juventude e a esperança dos seus pais. A estabilidade cota à baixa. Estabilidade, para quê, se foi ela a que estercou de depredadores públicos as instituiçons? É o momento de proclamar: “Estamos fartos de realidades, queremos promessas”. Nom há mais que ver como os grupos em fusom batem em retirada os grupos de pressom.

Compromisso poderia consolidar-se como a formaçom galeguista e social liberal que o país demanda

O nacionalismo galego tem todo a ganhar. Galiza é a única comunidade histórica que nom conseguiu formar ainda governo de domináncia nacionalista. Umha anomalia, digam o que dixerem as carpideiras do povo hostil e descomprometido.

Compromisso poderia consolidar-se como a formaçom galeguista e social liberal que o país demanda. O segmento social alvo é variado e começa a estar desenganado dos relatos subalternos e as trapalhadas de Madrid. A gente de ordem, o pequeno negócio abafado polas grandes cadeias, está pronta para receber um discurso regeneracionista de raiz galeguista. Escusado reivindicar o espaço centrista. O centro nom se proclama, exercita-se.

O núcleo da UPG prestaria um grande serviço ao país se decidisse guardar na gaveta a partida de nascimento das velhas certidons para acometer um novo discurso de amplo espectro

A tradiçom cinquentenária do BNG deveria servir-lhe para rever as tradiçons inoperantes e proceder a mergulhar-se na sociedade contemporánea, complexa e porosa. A decisom é peremptória. O núcleo da UPG prestaria um grande serviço ao país se decidisse guardar na gaveta a partida de nascimento das velhas certidons para acometer um novo discurso de amplo espectro, que, sem perda de radicalidade, fosse capaz de conectar com os segmentos sociais mais activos e comprometidos com a construcçom nacional. O PNV, que tem alguns mais anos que a UPG, guardou na gaveta há anos o delirante legado aranista com notável sucesso. A memória social é compreensiva com os documentos velhos sempre que nom estorvem o trabalho quotidiano. Num partido laico é muito aconselhável limitar as zonas de sombra para uso de iniciados.

O Bloco é a formaçom mais capacitada para formular umha convocatória nacional constituinte adaptada aos tempos. Legitimidade social reconhecida, implantaçom sindical sólida, militáncia provada, lealdade identitária, capacidade de mobilizaçom

O Bloco é a formaçom mais capacitada para formular umha convocatória nacional constituinte adaptada aos tempos. Legitimidade social reconhecida, implantaçom sindical sólida, militáncia provada, lealdade identitária, capacidade de mobilizaçom. O obstáculo principal, tal como o eu vejo, estriba no rechaço habitual de qualquer hierarquia simbólica perante a sua de-gradaçom. Porém, a cidadania informada tolera mal qualquer tutela alheia á legitimidade do voto igualitário. É o princípio do republicanismo. Num partido democrático e inevitavelmente plural, a autêntica ortodoxia dissolve-se em simples ortopraxe.

A insubmissom que inspira a esquerda independentista tem, decerto, umha funçom destacada na renovaçom do nacionalismo. Significativamente, umha das suas formaçons, a AMI, acaba de fazer pública a sua dissoluçom por causa da inadequaçom do discurso que vinha mantendo com as exigências do tempo. Um admirável convite à reflexom colectiva. O discurso político da vanguarda independentista – república galega independente, democracia popular directa, monolinguismo, reintegracionismo – tem a sua raiz evidente no Bloco. A diferença é apenas geracional e assenta na antinomia “apocalípticos ↔ integrados” formulada por Umberto Eco. O apocalipse pode ser em todo o caso umha saudável aguilhada contra a acomodaçom ao sistema.

Será capaz o nacionalismo galego de apreender a liçom da hegemonia ou seguirá enredado nos fantasmas do passado e nas estratégias das guerras que nunca voltarám?

O poder de convocatória do nacionalismo galego nom baixa de 25 % como já foi demonstrado. Trata-se agora de consolidar e desenvolver a posiçom. Seria bom contar com um centro centro de gravidade político, capaz de rodear-se de quadros técnicos aptos para gerir a complexidade do mundo em volta e de argumentar as razons da Galiza em qualquer foro. O BNG é o candidato mais verosímil.

É bom lembrar o percurso eleitoral do Partido Nacional Escocês: 2003, 23,8% de apoio, 27 escanos; 2007, 37,0%, 47 escanos; 2011, 44,04 %, 69 escanos. Este foi o ano da maioria absoluta. Em 2014 convocava um exemplar e pacífico referendo de autodeterminaçom. Será capaz o nacionalismo galego de apreender a liçom da hegemonia ou seguirá enredado nos fantasmas do passado e nas estratégias das guerras que nunca voltarám?

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