Do escessivo amor das Montagnais-Naskápi

Há muitos anos as naskápi viviam felizes na parte oriental da península do Lavrador, quando esta ainda nom se chamava assim. Eram gente nómada que vivia da caça e a pesca, desprezando o egoísmo e as hierarquias.

O homem branco estimava a generosidade e espírito de coperaçom dos naskápi, mas preocupava-lhe –como se nom fossem a mesma cousa- o nulo interesse que tinham na propriedade privada

Até que chegou a colonizaçom do homem branco. Este, preocupado polo selvagismo da naçom Montagnais-Naskápi, elaborou todo um programa de civilizaçom. O homem branco estimava a generosidade e espírito de coperaçom dos naskápi, mas preocupava-lhe –como se nom fossem a mesma cousa- o nulo interesse que tinham na propriedade privada, na dominaçom masculina ou em qualquer outra autoridade.

O homem branco enviou Paul Le Jeune, jesuíta para além de homem e branco, para tam importante missom. A primeira liçom do seu programa civilizatório foi inculcar-lhes aos homens naskápi o elementar princípio da superioridade masculina, a propriedade das mulheres, e a fim do bárbaro costume da uniom livre e o singelo divórcio.

A primeira liçom do seu programa civilizatório foi inculcar-lhes aos homens naskápi o elementar princípio da superioridade masculina, a propriedade das mulheres

Como mestre metódico que era, Le Jeune apontava os progressos dos seus alunos num diário: “Dixem-lhe –a um homem naskápi- que nom era honorável para umha mulher amar qualquer um que nom fosse o seu marido, e porque este mal estava entre eles, ele próprio nom estava seguro de que o seu filho, que estava presente, fosse o seu filho. Ele contestou: “Você nom tem juízo. Vocês os franceses amam só os seus filhos; mas nós amamos todos os filhos da nossa tribo”. Comecei a rir –escreve Le Jeune- vendo que ele filosofava como os cavalos e mulas”.

A seguinte liçom foi a de rematar com o bárbaro igualitarismo naskápi e criar as necessárias autoridades e os imprescindíveis chefes. Chefes como os homens brancos, e ainda que entre os naskápi nom havia brancos, sim havia homens. O primeiro problema das primeiras autoridades foi a de pôr ordem entre as mulheres. Para a liçom, o governador da Nova França proporcionou as subvençons necessárias.

As mulheres naskápi, que nom conheceram outra autoridade do que a da liberdade e o bem comum, fugírom dos seus instruídos homens

Mas as mulheres naskápi, que nom conheceram outra autoridade do que a da liberdade e o bem comum, fugírom dos seus instruídos homens. Alguns deles, os menos dotados para o estudo, tentárom marchar dos povoados coma elas, mas os jesuítas ameaçárom com a prisom masculina. O novo centro educativo dos naskápi. Le Jeune, diligente, aponta no seu diário: “Actos de justiça como estes nom causam surpresa na França, porque é comum lá que a gente actue dessa maneira. Mas entre esta gente (…) onde qualquer um se considera de nascimento tam livre como os animais selvagens que rondam os seus vastos bosques (…) é umha maravilha, ou talvez umha milagre, ver obedecer umha ordem peremptória ou que se realize um acto de severidade ou de justiça”.

Pouco a pouco a civilizaçom ia entrando na naçom Montagnais-Naskápi, e os selvagens transformando-se em cidadaos cristaos com os que poder manter relaçons comerciais estáveis no negócio peleteiro

Pouco a pouco a civilizaçom ia entrando na naçom Montagnais-Naskápi, e os selvagens transformando-se em cidadaos cristaos com os que poder manter relaçons comerciais estáveis no negócio peleteiro. Nom obstante, um obstáculo continuava a impedir o avanço pedagógico: o excessivo amor que os naskápi lhe tinham às crianças e que lhes impedia bater-lhes. Le Jeune recolhe gozoso no seu diário a que foi a sua mais importante vitória: a primeira vez que golpeárom publicamente umha nena.

E assim foi como, com paciência e meticulosidade pedagógica, o povo Montagnais-Naskápi abandonou para sempre o selvagismo para abraçar a civilizaçom do homem branco e o seu justo amor.

NOTA: O Diário de Paul Le Jeune foi resgatado pola antropóloga Eleanor B. Leacock no seu Myths of Male Domination: Collected Articles on Women Cross-Culturally, Nova Iorque, Monthly Review Press, 1981.

Terra Ancha, 5 de novembro de 2013

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