O anúncio do re-estabelecimento de relaçons entre os EUA e Cuba, altera absolutamente os esquemas que tínhamos sobre o que está a acontecer no mundo e sobre o que está a acontecer em Cuba. Cuba, essa grande desconhecida. Porque, sim, certo é que a história social da Galiza está muito ligada a Cuba, mas os galegos e as galegas de hoje em dia pouco ou nada sabem de Cuba.
Umha sondagem rápida e superficial de testemunhas aleatórias em qualquer lugar muito concorrido ou transitado sobre quê opinam estas testemunhas acerca de “Cuba”, ou “a situaçom de Cuba”, ou “o futuro de Cuba” levara-nos, salvo excepçons muito afortunadas, aos lugares comuns de sempre, esses aos que nos leva a mídia constantemente. As ideias “ditadura”, “turismo sexual”, “fame”, “gente a fogir”...vam ser as mais recorrentes.
Fora disso tudo, absolutamente nada. Incapacidade total para fazer umha análise de qual é a situaçom geral desse país caribenho, e já nom digamos para analizar qualquer situaçom concreta ou qualquer facto concreto. Da solidariedade internacional cubana, em forma de apoio militar em muitas guerras de libertaçom no século passado, da presença de médicos cubanos em todo o mundo, dos avançados métodos pedagógicos desenvolvidos pola revoluçom, dos logros desportivos, disso ninguém dirá nada de nada. Se há que dizer algumha cousa positiva, será que está no Caribe, que tem um clima excelente, boas praias, e que a noite de La Habana tem umha grande animaçom, além do físico espetacular de cubanos e cubanas e a sua predisposiçom a ter relaçons sexuais com indivíduos europeus a cámbio de pequenos favores (isso contam algumhas línguas de intençom duvidosa) ainda que isto último nom fica claro se é positivo ou negativo. Vai ao cadro do positivo ou ao do negativo, segundo a conveniência dos contra-revolucionários, temo eu.
Vaia, que fazendo síntese: Cuba é umha ditadura onde se passa fame e a gente foge ou se prostitui, há boas praias e bom clima e até ócio nocturno, também umha grande promiscuidade sexual que facilita achar homens e mulheres com físico gostoso dispostos e dispostas a curtir (e como é possível, numha sociedade onde o ítem “fame” parece que condiciona tudo, isto último?) a cámbio de umhas cuecas, mandar-lhe umha carta à família ou umha quantia ridícula de dólares.
Este cúmulo de tópicos pejorativos é a todas luzes absurdo, porque o que nom se explica é como um regime ditatorial onde por cima parece que todo o mundo passa fame e, no desespero da fame e a falta de liberdade, lançam-se à mercé do mar ou se entregam a práticas que se aproximam à prostituçom, ou diretamente som prostituçom, resistira cinco cumpridas décadas, e passando por conjunturas internacionais nada favoráveis. Segundo muitos, Cuba desde o 59 e até a queda do Muro de Berlim era o pontal inadmissível do bloco pró-soviético no Caribe. Diante dos fozinhos do gigante americano. Um quarto de século depois da desapariçom desse bloco, acho que Cuba mereceria que a olhassem como algumha cousa mais do que isso.
Porque Cuba hoje fai parte do ALBA, com o Equador, com Bolívia, com Venezuela, mas...também houvo um tempo no que Cuba nom tinha aliados oficiais na América nem na Europa; lembremos os duros anos noventas. E resistiu.
O que acontece é que é impossível formar umha opiniom sobre Cuba com elementos de juízo tais como: os testemunhos de turistas que só vam da praia ao hotel e do hotel à praia, a propaganda da mídia espanhola, a fiçom norte-americana, e ante tudo os preconceitos etnocéntricos e racistas com os que olhamos Latinoamérica, e que se acentuam quando se trata de países com regimes nom simpáticos ao imperialismo ianque.
A revoluçom cubana resistiu porque o povo cubano a entende como própria. Nom é obra de umha elite que cuida de maneira zelosa as essências do regime, é obra de um povo que a constrói no dia a dia. O bloqueio nom contribuiu a que essa identificaçom do povo com a revoluçom se debilitasse, todo o contrário. O povo entendeu o bloqueio como umha agressom à soberania cubana. Como de facto é.
O bloqueio foi concevido como um mecanismo para doblegar ao povo, para provocar a sua desmoralizaçom, o seu divórcio com a revoluçom e a sua sublevaçom contra o governo de Cuba. Nada disso se conseguiu. E, entretanto, Cuba, que se tem que adaptar a umha situaçom que já nom é a de há de vinte e cinco anos para atrás, leva tempo empreendendo reformas económicas que lhe fam concissons à economia de livre mercado, ainda que para quem quer que este país abrace definitivamente o capitalismo, essas reformas nunca serám suficientes. Em contraposiçom, para quem defende o socialismo como via oposta ao capitalismo, essas reformas som passos atrás. E os Estados Unidos, que, como digo, nom lograrom derrocar o regime, que era o alvo que perseguiam as leis do bloqueio, olhou nestes ultimos anos como outras potências, nalgum caso antagónicas, penetravam no mercado cubano. Isso fixo com que nos EUA, progressivamente, foram somando vozes em favor de derogar o bloqueio. Porque evidentemente, nom fazê-lo significava renunciar a um terreno de expansom apetecível para o poderoso vizinho ianqui.
Evidentemente as cousas já nom vam ser como até o de agora forom, e nom digo que tudo vaia ser à partir deste momento positivo. Mas nom se lhe pode negar politica e moralmente esta vitória à revoluçom. O levantamento do bloqueio nom é umha medida de graça que concede Obama, é um final por esgotamento. Insisto, o bloqueio nom logrou o seu alvo.
Alguns interpretam que é o final “do castrismo”. Se o “castrismo” é o regime atual, acho que os detratores dele estám a cantar vitória antes de tempo. Nom falta quem já fai a sua “carta aos reis magos” e insinua ou manifesta sem complexos que “o que tem que vir agora” é umha democracia burguesa com partidos políticos análogos aos de umha democracia burguesa. Nom é de estranhar desde posicionamentos pró-capitalistas e reacionários, surpreende mais desde incardinamentos ideológicos mais progressistas. Precisamente num momento no que protestamos contra a partitocracia, pretendemos que Cuba copie as democracias burguesas europeias e que a participaçom política tenha como catalizadoras essas organizaçons que consideramos carentes de democacia interna impermeáveis às sensibilidades do povo? Se estamos a chegar à conclusom de que as pretensas democracias nas que vivemos nom som democracias reais, quê nos fai pensar que os nossos regimes som melhores e devem ser modelo a seguir para Cuba?
Eu defendo a legitimidade da revoluçom cubana e dos seus valores supremos; portanto do seu governo e as suas instituçons. Impôr um sistema de partidos com financiamento privado, campanhas eleitorais milionárias, classe política profissional hauspiciada pola oligarquia empresarial, profissionalizada e com salários milionários, nom parece a melhor soluçom para Cuba, por muitas deficiências que tenha o regime atual. Isso de presupôr que o que temos aquí é por definiçom melhor do que tenhem lá parece quando menos xenófobo; o quê estamos a insinuar, que a sociedade cubana nom é quem de gerar soluçons próprias? Que porque moram numha ilha do terceiro mundo som intrinsecamente idiotas?
O que é umha mesquindade e umha ruindade é negar-lhe à revoluçom cubana umha vitória que ganhou a pulso. Falso o humanismo de quem compadece ao povo cubano polo bloqueio e as privaçons que este trai consigo e nom respeita a sua vontade, além de escamotear a identidade do agressor, que se chama Estados Unidos da América. Que haja pessoal progressista que incorra na mentira e a manipulaçom da propaganda pró-imperialista é indignante e devemos denunciá-lo energicamente. Esta é umha vitória do povo cubano e a sua revoluçom.