Europa, o nosso aquário

Colocava o filólogo português Fernando Venâncio estoutro dia no Facebook umha breve fábula do escritor norte-americano David Foster Wallace, aquele escritor que decidia suicidar-se em 2008 em meio dumha profunda depressom. A fábula é esta: Dous peixes cruzam-se nadando com um terceiro, este lhes di: “Bom dia rapazes, como está a água?”, os interpelados seguem nadando até que um lhe di ao outro “Que demo é isso da água”. Europa, apontava agudamente Venâncio, é a água”. O espaço exterior é inóspito, mas ninguém repara nisso, as mais valiosas pertenças só som apreciadas quando perdidas, acontece mesmo com os membros amputados.

Há gente por aí a regozijar-se da lambada desfechada polo eleitorado británico sobre a castigada face da Europa. Nom faltam eurófobos de convicçom entre nós. A eurofobia é unha tentaçom permanente, sem ir mais longe, nas filas do patriotismo galego. Nom é fácil explicar tal fixaçom; sessenta e umha vezes, nada menos, evoca Castelao à Europa no Sempre em Galiza e lhe reserva lugar preferente na página final da obra como pódio definitivo da Galiza soberana que sonhou. O Castelao da autonomia e o europeísmo ficaria perplexo de ver como alguns dos seus herdeiros proclamados identificam autonomia com doença da auto anemia (reparem no gracejo) e a UE com açougue de mercadores desalmados. Somos conscientes do desdém e a desesperança disseminados por umha autonomia abafada pola ralé provinciana que a rege e por um projecto europeu profundamente degradado pola mesquinha filosofia germánica de signo ordo liberal. Mas, aspiramos a reverter a situaçom, nom é essa porventura a funçom da política ou é que estamos virando todos em apolíticos confessos por cansaço insuperável?

O Brexit prejudica a todos, embora as vítimas principais sejam os euro-británicos, a começar por escoceses e cosmopolitas londrinenses. Passa como no jihadismo, as vítimas principais estám na sociedade que criou os verdugos de Alá. Regozijam-se polo éxito do Brexit, polo contrário, os Trump, os Le Pen, os Geert Wilders, os extravagantes padanos e grilos italianos e os rejos alemáns da AfD, junto com a confusa ralé de patriotas angustiados pola perda da alma nacional, que confundem com a ansiedade económica.

Falamos da Europa dos mercadores. O professor Barreiro Gil informava lá polo 2008 que a Galiza tinha já recebido recursos comunitários por valor de 12.895 milhons de euros no período 1986 e 20061. A generosidade comunitária continuou em sucessivos programas. Nos seguintes --2007-2013 e 2014-2020-- a UE injectou 4.150 milhons mais só no programa FEDER. Mais de 17.000 milhons no total. Nom está mal para tratar-se de desapiedados mercadores sem entranhas.

Admiramos a insularidade británica que capaz de trancar a porta a Napoleom e a Hitler e de criar um império comercial exclusivo onde se bebia chá e se cantavam hinos à rainha. Admiramos mesmo o ordenancismo germánico --em doses prudentes, bem se entende-- e a sua inesgotável paixom de reformular Europa. Mas é agora quando toca afrontar o fruto mais podre do insularismo antropológico, o estúpido capricho narcisista de pretender desfazer o mais potente projecto político do século XX.

Um projecto encalhado nas contradiçons da moeda única e a tolice ordenancista prussiana, decidida desta vez a fazer pagar os réditos do virtuoso aforro germánico aos irremediáveis países do sul. A Europa de Castelao coincidia com a concebida polos pais fundadores: a Europa da liberdade, a equidade e a solidariedade. Um espaço comum para europeus cansos de matanças e para dissidentes e párias de todo o mundo. Aqueles que se amontoam hoje no vestíbulo italiano ou afogam por centos no Mare Nostrum.

Democraticamente, nada a reprochar ao impecável exercício que proclamou o leave: 72% de participaçom, 52% a favor. Outra cousa é que os votantes tenham medido nem de longe as consequências internas e externas do seu voto. Contra o pio relato da infalibilidade do corpo eleitoral, a verdade é que o santo corpo legitima com frequência resultados irracionais. O eleitorado é propenso a cair nas armadilhas tendidas por fala-baratos e xamáns que sempre abundam nos jardins da política, sobre todo quando esta ameaça tormenta.

Retroceder da condiçom de sócio à de afiliado ao clube EEE (Espaço Económico Europeu), na extravagante companhia de Islándia, Noruega e a Suíça, nom parece um prodígio de perspicácia. Incitar as pulsons independentistas internas e abaixar o papel do idioma inglês no continente europeu som as consequências imediatas, indignas de um país que converteu a diplomacia em bela arte. “Aquele a quem os deuses querem perder, primeiro tornam-no cego”, rezava um sábio provérbio antigo.

Admiramos a gloriosa insularidade británica, mas a questom agora é: tem algum sentido a hipótese de existirem ilhas por descobrir ainda no ancho mundo? O Get control of our lives! da campanha soa demasiado parecido com: Save Our Souls, SOS, salvem as nossas almas.

A democracia plebiscitária é um perigoso instrumento de emergência e uso restrito para casos contados. Assemelha-se demasiado ao procedimento da governaçom por decreto, o instrumento preferida do despotismo quartelário. A racionalidade política demanda mais bem o exercício da democracia representativa, instrumento provado para dirimir questons complexas num contexto de incerteza como é o caso do impacto da globalizaçom sobre a cidadania inerme.

Democracia plebiscitária? Nom se enganem, simples fracasso do corpo político em exercício, défice de liderado, triunfo do juízo salomónico, ou pior ainda, do juízo confiado ás leis do acaso por incomparecência do tribunal em pleno.

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