Europeísmo e reintegracionismo: o insidioso inimigo interior

Estoutro dia passou-me o meu irmao que vive em Vigo um artigo de Ferrín publicado no Faro na sua série No fondo dos espelhos acerca do grande arquitecto brasileiro recentemente falecido Oscar Niemeyer. Como era de esperar, Ferrín exalta as insignes virtudes do grande criador: o seu génio arquitectónico e o seu comunismo. Cabem opinons sobre a tese de as convicçons dos artistas -políticas neste caso- serem elemento essencial para a plena compreensom da sua obra. Niemeyer, comunista, stalinista e ateu declarado, vai ser lembrado para sempre como o grande arquitecto que foi, quanto às suas opinions políticas estám submetidas já ao inevitável juízo histórico. A estética tem o seu discurso, a ciência histórica o deu. Picasso e Shostakhovitch som dous grandes artistas do século XX que, ademais, eram comunistas.

Ferrín nom se explica a presença de umha catedral católica no meio da cidade da cidade sonhada do futuro que abriría -abrirá?- o final da história prognosticada polo Marx mais romántico

Nada cabe objectar à interpretaçom de Brasília como cidade futurista de umha sociedade emancipada do domínio capitalista. A invençom da cidade guarda códigos políticos e ideais sociais e estéticos, tal acontece no ideal renascentista florentino ou no Berlim ilustrado e helenizante de Schinkel que podemos admirar hoje na Avenida Unter den Linden e na Ilha dos Museus. Contodo, convém nom esquecer de todo que o projecto de Brasília foi resultado da estreita colaboraçom com o urbanista Lúcio Costa e o paisagista Robert Burle Marx; ambos excelentes. Cooperaçom que em nada diminui os espléndidos monumentos do Congresso Nacional, a ponte Juscelino Kubitschek, o Palácio da Alvorada ou a Catedral de Brasília de Niemeyer. A catedral, aqui vem o problema. Ferrín nom se explica a presença de umha catedral católica no meio da cidade da cidade sonhada do futuro que abriría -abrirá?- o final da história prognosticada polo Marx mais romántico.

O único que abordou com rigor o problema do internacionalismo dentro das aspiraçons nacionais foi António Gramsci

O argumento explicativo da flagrante debilidade de Niemeyer estaria na força das circunstáncias temperada pola astúcia comunista. Stalin -comunista sem mácula para quem assi o quiger ver- pode servir de exemplo. Conta Ferrín a habilidade do grande líder quando se viu obrigado a utilizar os serviços e espaços sagrados da Igreja Ortodoxa como achega conveniente à tarefa de ganhar a Grande Guerra Pátria, curiosa denominaçom, por certo, para um mestre de filosofia marxista. O único que abordou com rigor o problema do internacionalismo dentro das aspiraçons nacionais foi António Gramsci. Nom amedrontou tam incómoda colusom ao montanhês do Kremlim com bigodes de cascuda como ousou descrevê-lo o grande poeta Madelstam em memorável poema de 1933 que acabará valendo-lhe desterro perpétuo e morte no gulag siberiano. O engenheiro de almas fijo bordar, segundo Ferrín nos informa, fouces e martelos nos panos e ornamentos que vestem o esplendor bizantino das igrejas russas. Nom me digam que nom é um caso típico de restricçom mental, essa subtileza que associamos ao jesuitismo.

De acusaçons de formalismo algo sabia Shostakhovitch e talvez chegaria a saber Niemeyer se tiver a acorrência de desenhar umha cidade futurista para a URSS; necessidade que Stalin nunca experimentou

Talvez nom esteja de mais assinalar de passada o mau gosto constitutivo do tal montanhês do Kremlim. Lembro ainda os lambidinhos retratos com que o líder gostava imortalizar-se que podem contemplar-se na Galeria Tretiakov que custódia a arte moderna do Museu moscovita do mesmo nome. Comentava Vázquez Montalbán -um marxista que nunca deixou estacionada a cabeça na porta do Comité Central- no seu estupendo guía de Moscóvia: “La Academia de las Artes de la URSS estaba convencida todavía a finales de los años setenta que la superación del llamado formalismo significaba la superación de la influencia de la ideología burguesa en el arte”. Las academias y los maridos siempre son los últimos en enterarse”. Perfeito. De acusaçons de formalismo algo sabia Shostakhovitch e talvez chegaria a saber Niemeyer se tiver a acorrência de desenhar umha cidade futurista para a URSS; necessidade que Stalin nunca experimentou.

Bom, no politeísmo pós moderno todo vale sempre que evitemos a agressom física. Mesmo o culto ao socialismo real de Stalin como simples versom actualizada do projecto internacionalista de Lenin. A terceira internacional fundada por este em 1919 foi dissolvida por Stalin em 1943 em obsequioso presente a Churchill e Roosevelt. No mesmo ano, um novo hino nacional substituiu para sempre À Internacional e a pátria russa de Pedro e Catarina a Grande prevaleceu definitivamente sobre o proletariado. Minúcias que no merecem resenha nos devocionários.

Evocava o eminente intelectual e professor italiano Lucio Colletti -que acabou abandonando o PCI no seu XX Congresso pola insuficiência da crítica a Stalin- no ensaio A questom de Stalin o inequívoco tom de ladainha religiosa que impregna o discurso proferido polo líder ante o cadáver de Lenin: “...juramos-te camarada Lenin...juramos-te camarada Lenin...”. Stalin, comenta Colletti, apresenta-se ante o Partido como vicário do Deus defunto na terra e testamenteiro único nom obstante ter sido o único dirigente bolchevique que jamais estivo em Europa nem leu outra língua que a própria.

Por rematar com o assunto de igrejas e comunistas, queremos lembrar umha maravilhosa, a de Álvaro Siza em Marco de Canavezes. Desculpem a referência a Portugal, espaço bem amado polos reintegracionistas -como saberám- mas incómodo a mais nom poder para o nacionalismo autista. Se a catedral de Niemeyer é umha incômoda nódoa na glória materialista e revolucionária de Niemeyer o movimento reintegracionista é um autêntico pesadelo. Precisamos com urgência um psicanalista argentino. Lemos no artigo do Faro de 29 de dezembro: “Brasil...volve a suscitar os entusiasmos de moitos galegos desafiuzados para sempre de Europa e dun Portugal caduco que errenega de nós tapando os ollos co manteu da ignorancia. Nunca tan tristes, por non dicir ridículos, me pareceron os reintegracionistas e os europeistas de Galicia”.

No último número de A Trabe de Ouro insire Ferrín um interessante diálogo entre Lampetusa -umha das ninfas irmás de Faeton polo que pudem averiguar- e Sponsor, um discreto discípulo da ninfa filosófica no ofício de absorto discípulo.

O estimulante artigo do Faro nom é umha arroutada circunstancial do nosso prezado criador de ficçons. No último número de A Trabe de Ouro, a excelente revista de pensamento crítico dirigida por ele mesmo, insire Ferrín um interessante diálogo entre Lampetusa -umha das ninfas irmás de Faeton polo que pudem averiguar- e Sponsor, um discreto discípulo da ninfa filosófica no ofício de absorto discípulo. O texto procede da intervençom de Ferrín na XXIX semana de Filosofia de Ponte Vedra (2012). A conversa entre Lampetusa e Sponsor decorre no Chao da Parafita, nos altos de Ponte Vedra em homenagem explícito ao padre Sarmiento. Lampetusa, convertida em sentenciosa Zaratustra nacionalista é um transunto auto irónico do próprio Ferrín que muito agradece o leitor; Sponsor pode ser qualquer aprendiz da sabedoria oracular da mestra. A conversa tem como fondo a grandeza das rias e as desventuras da pátria.

O agente das desventuras é, como já adivinham, Ramón Piñeiro e sua a córte de conspiradores enfrentados às forças da emancipaçom nacional e social. Uns e outros listados por nome para futura memória. O conflito que daquela se dirimia era, como sabemos, a confrontaçom de dous impérios que pretendiam arrogar-se a liberdade um (E.U.A.) e a igualdade e a fraternidade o outro (U.R.S.S.). No meio a reconstruçom do nacionalismo galego em plena ditadura. A U.R.S.S. foi derrotada finalmente com grave prejuízo para a esquerda de todo o mundo. Estámos vivindo agora mesmo as suas consequências na insolente ofensiva do capital financeiro contra os direitos cidadaos e a democracia. Quanto ao nacionalismo, bom, igual que no caso de Asterix no seu burgo galo nascei a UPG em 1964 para içar a bandeira do comunismo patriótico, substituída agora com toda garantia pola FPG que é a actual UPG, como tem a bem informar-nos Ferrín.

A lógica binária e o relato conspirativo som férteis ferramentas para explicar desventuras mas nom deixam de ter inconvenientes. Por exemplo, deixar fôra de quadro figuras secundárias como Carvalho Calero, Guerra da Cal, Dieste, Seoane e, se me apuram, o proprio Paz Andrade

O pequeno escolho de como um discreto intelectual galeguista e os seus coligados fôrom capazes de perpetrar tamanho estropício no nacionalismo que se converteu em definitiva hecatombe fica sem explicaçom; lamentamo-lo. A lógica binária e o relato conspirativo som férteis ferramentas para explicar desventuras mas nom deixam de ter inconvenientes. Por exemplo, deixar fôra de quadro figuras secundárias como Carvalho Calero, Guerra da Cal, Dieste, Seoane e, se me apuram, o proprio Paz Andrade, recentemente resgatado para o panteom patriótico, decissom que celebro. O Plano Marshall e a Secretaria de Estado norte-americana conseguírim frustrar qualquer intento de expansom soviética. O PCI e os viçosos marxismos europeus como o británico e o italiano, os resistentes comunistas de todos os países, sofrérom as consequências. Eles som Europa também e raiz perene de qualquer autêntico europeísmo.

Podemos reescrever a história quanto quigermos, afinal a questom segue sendo: vai ser capaz o nacionalismo galego de oferecer qualquer soluçom, nom já para o país que seria muito pedir, mas para a sua própria supervivência e reconhecimento social ou prefere imolar-se na pira das suas escuras teogonias? Dizia Keynes que os homes prácticos, que se crêem libres de toda influencia intelectual, som geralmente esclavos de algum filósofo -economista- morto. Julguem vocês o caso dos que subordinam a praxe derivada da compreensom da realidade a gloriosas ortodoxias pretéritas.

Vai ser capaz o nacionalismo galego de oferecer qualquer soluçom, nom já para o país que seria muito pedir, mas para a sua própria supervivência e reconhecimento social ou prefere imolar-se na pira das suas escuras teogonias?

A situaçom de Europa é péssima, a distribuiçom selectiva de bilhetes de identidade nacionalista e de boa conduta no correcto uso do idioma comum, práctica habitual. É por isso polo que me sento tam a gosto no europeísmo, no nacionalismo crítico e no reintegracionismo. Tristeza, ridiculez?: simple projecçons de olhada alhéia. E ademais, como bem dizia o Zeca, “tenho mais de mil amigos”.

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