Gramsci em Loureda

Para Juan

1. Assegurava Georg Steiner que “sem a tradução viviríamos em províncias lindeiras com o silêncio” e, com certeza, é assim como nos afigemos a vive rem muitos movimentos sociais. O talento para isso que Gramsci chamava a tradução política, é uma qualidade impagável para qualquer projeto social que aspire a romper os valados das linguagens privadas, sair da comodidade dos monólogo e tornar-se hegemónico.

2. Um destes artistas do nacional-popular foi o incansável C.L.R. James, diretor na década de 50 do periódico The Nation, vozeiro do People’s National Movement de Trinidade. James tinha uma habilidade natural para falar do socialismo anti-colonial através de artigos sobre temas populares no país, como o entruido, a música Calipso ou o cricket, desenvolvendo uma sorte de “populismo marxista” compreensível por qualquer pessoa (1).

3. Num ambiente tão hostil como os EUA, Michael Moore ensaiou todo tipo de formas de chegar com a sua crítica ao maior número de pessoas possível. O talento do cineasta não é casual, senão que tem por tras uma estratégia mui pensada e trabalhada: “Uma vez ouvi dizer ao linguista e politólogo Noam Chomsky que para comprobar que o povo americano não é idiota basta com sintonizar qualquer programa de desportos na rádio e escuitar o rosário incrível de factos que os seus participantes são capazes de recordar. Resulta portentoso e prova, sem dúvida alguma, que a mente estadounidense está viva e pletórica de saúde. O que sucede é que não recebe estímulos suficientemente interessantes ou sugestivos. O nosso repto, dixo Chomsky, consiste em encontrar a maneira de converter a política em algo tão apaixonante e atrativo como os desportos. Quando cheguemos a ese estremo, veremos os americanos a discutirem acaloradamente acerca de quem fijo quê a quem na cimeira da OMC” (2).

4. No terreno do feminismo Caitlin Moran produziu um grande terremoto em 2011 com a publicação do seu polémico (3) How To Be a Woman, onde fala da libertação das mulheres com a linguagem fresca e provocadora da cultura pop: “aquí tês o modo mais rápido de averiguar se és feminista. Põe-te mãos à obra:

a) Tês vagina?
b) Queres responsabilizar-te dela?

Se em ambos casos contestache “sim”, então, parabéns! És feminista.

Porque temos que reivindicar a palavra “feminismo”. Necesitamos recuperar urgentemente a palavra “feminismo”. Quando as estatísticas sinalam que apenas 29% das mulheres estadounidenses se descreviam a si mesmas como feministas, e só 42% das británicas, eu costumava pensar: Que credes que é o feminismo, senhoras? Que aspecto da “libertação da mulher” não vai com vós? O direito ao voto? O direito a não ser propriedade do homem com quem cases? A campanha pola igualdade de salários? O Vogue de Madonna? Os jeans? Tudo iso tão caralhudo [sic] PÕE-TE DOS NERVOS? OU SÓ ESTAVAS BÊBEDA NO DIA QUE FIGEROM O INQUÉRITO?” (4).

5. O talento tradutor na mina família levou-no todo o meu curmão Juan Candal. Acordo-me de um dia da Santa Eufémia em Loureda, lá polos 90, quando Juan nem sequer esperou a rematar os calhos para explicar ao sector mais conservador dos nossos patriarcas porque Cuba –no dia da festa fala-se de Fidel como quem fala de um exitoso vizinho emigrado- tinha direito a autodeterminar-se sem injerências externas. “Pero a ver, Vinculeiro, escoita!” –interpelou diretamente ao meu avô-. “Na tua casa cando se apanham as patacas? Cando mandas ti ou cando manda o vizinho? E Angelita cando vos pom caldo? Nos dias que quere ela ou nos dias que quere a vizinha?”; e após uns segundos para preparar o golpe final: “Pois em Cuba ighual caralho!”.

Discutir de política com eles não é fácil. As contrapartidas guerrilheiras dos anos 40 e 50 na nossa zona foram tão eficazes, que a gente criada então continua a chamar “foucelhas” aos falangistas, numa confussão total. Por não falar de quantidade de gente que crê que temos que agradecer-lhe a Manuel Fraga a oficialidade do galego. E nessas condições impossíveis, Juan traduzia, traduzia sem parar.

6. Muitos anos depois o Eduardo Maragoto contou-me como Bernardo Penabade se figera famoso nos mitins das tabernas da Marinha por explicar da mesma maneira o conceito de autodeterminação. Temos ainda por fazer uma história dos talentos gramscianos do movimento galego (5).
Quando o Partido Galeguista entrou em crescimento exponencial, no período da Frente Popular, estas questões práticas ganhavam espaço nas páginas de A Nosa Terra. Um jovencíssimo Carvalho Calero reclamava uma técnica do mitim rural eficaz, que penetre “a palloza de indiferencia que cobre ao auditorio campesino” (6), e que os grandes oradores se viam incapazes de salvar. M. Pardiñeiro, um militante de Paradela (Meis), não deixava de gabar-se da sua habilidade populista. Conta, por exemplo, o que lhe sucedeu num dia camino da casa, quando topou com uns vizinhos a fazer um descanso na arada. O homem fumava e a mulher dava de mamar ao menino, quando Pardiñeiro lhes começou a falar do triste que é viver colonizados. “É si señor, é, debe ser ben triste…” –concordou o paisano- “Porque, iso é así un caso parecido, por exemplo: Eu son dono da miña casa, mando n-ela e gobérnoa como podo; pero mañán dalle a gana a un veciño de apoderárseme d-ela i-eu quedo sin casa, teño que acatar as súas ordens, e máis axudar a mantelo. ¿Non é eisi?

- Iso mesmo é.
[…]
- ¿De maneira que iso chámase Galeguismo?”.

Claro que o tal Pardiñeiro era um fenómeno da construção nacional-popular. Noutra crónica sua conta como organizou o Dia da Galiza de 1935 em Baiom, unindo a reivindicação política à festa mais marchosa, de jeito que os aturujos não só eran de ledícia vital senão “um berro de rebeldía, contra os ladróns de Galicia”. Orgulhava-se especialmente Pardiñeiro de que até alguma pija da vila se acercasse à festa, e com tanta moça não podia senão compadecer-se dos velhos que já não tinham corpo para bailar. “Foi tanto esta festa que organizamos os galeguistas, que hasta teño a convencencia que inspiraría a cualquier centralista para seguir roubando a Galicia só pretexto de que as mozas galegas poñen vestidos de distintos colores. Tocan a pandereta, bailan ó son da gaita, e entréganse ó amor, como si as calamidades d-o futuro matrimonio, fora verbo da felicidade”.

“Demasiada liberdade sexual converterá-vos em terroristas”, advertirá o retranqueiro Pasolini.

 

NOTAS

1. Matthieu Renault, “El negro dócil es un mito”, Le Monde Diplomatique en español, nº 231, janeiro de 2015, p. 26.
2. Michael Moore, Estúpidos hombres blancos, Barcelona, Ediciones B, 2003, p. 108.
3. As traduções políticas –como as divulgações culturais- costumam contrariar porque diminuem o valor de distinção dos originais possessores das ideias. Com certeza é esta uma das explicações de algumas reações brutais entre a estrema esquerda perante a vaga repolitizadora do 15-M. Sobre este fenómeno da distinction também na política, veja-se: Roi Ribeira, “Um pequeno círculo de amigos e amigas”, Novas da Galiza, nº 135.
4. Caitlin Moran, Cómo ser mujer, Barcelona, Anagrama, 2014.
5. Um capítulo imprescindível seria o espetáculo do mago Antón com o boneco Farruco, que podemos recordar graças às filmações de Carlos Varela.
6. Ricardo Carballo Calero, “Téimica do mitin rural”, A Nosa Terra, nº 382, 14 de setembro de 1935, p. 4.
7. M. Pardiñeiro, “Notas de alarmante realidade”, A Nosa Terra, nº 418, 12 de junho de 1936, p. 3.

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