Jovem filósofo na ponte do dianho

Semana final de Fevereiro, Paço de Bendanha, já de anoitecida, a carom das fantasias de Eugénio Granell, apresentava-se o livro de monólogos dialogados Pontes co diaño, encontros com Ignácio Castro de Corsárias Edicións. Oficiavam na mesa Ignácio Castro, o filósofo autor, Pepe Árias, editor corsário e Eva Garea, professora de filosofia e introdutora do acto.

A carom das fantasias de Eugénio Granell apresentava-se o livro de monólogos dialogados Pontes co diaño, encontros com Ignácio Castro de Corsárias Edicións

Vinte e cinco de fevereiro foi um desses raros dias em que a agenda cultural compostelana parece concentrar-se. Á primeira hora da tarde dissertava no Conselho da Cultura Galega Isabel Burdiel inaugurando o ciclo anual sobre os sentidos da cultura. O tema proposto era sugestivo: por quê os historiadores devem ler novelas. A pertinência do assunto e o facto de a ilustre professora estar preparando umha biografia da condessa de Pardo Bazán depois de ter radiografado com lucidez reconhecida a nom menos imponente figura da rainha Isabel II, convocou em Rajoi a atenta assistência habitual nestas convocatórias, acrescentada na ocasiom polos motivos aludidos.

Coincidim na sala do Conselho com Vilhar Trilho, conterrâneo fisterrám, reintegracionista em exercício e colega em algum tipo de leituras infrequentes. Também ele tinha pensado assistir à apresentaçom de Ignácio Castro, que era conhecido por nós por assistência casual a algum dos Encontros de Filosofia da Costa da Morte. De Rajoi a Bendanha. A sala, que ecoa na actualidade do espírito transgressor daquele pintor vanguardista e militante do POUM, ficou cheia em breve e o número de assistentes nom tardou em ultrapassar o de cadeiras disponíveis; quer por cumplicidade intelectual quer por amizade. O Ignácio é compostelano e jogava na casa.

Quase estou tentado de descrever ao Ignácio Castro como “jovem filósofo” apesar de obra já publicada e da vida vivida. O escritor de pensamento, como o músico, há-de afrontar grandes dificuldades para ganhar em apreço e audiência; incomparavelmente mais do que o criador de ficçom ou o jornalista. Foi um “jovem arquitecto” muito próximo a mim quem me introduziu na subtil semántica do sintagma “jovem arquitecto” como designativo do profissional que se pretende manter encerrado em tal denominaçom para isolá-lo prudentemente dos happy few da profissom. A diário observamos como proliferam os jovens-o-que-quer-que-seja motivo polo qual nada teria de estranho que Ignácio Castro nom fosse outra cousa que um jovem filósofo sem mais.

Quase estou tentado de descrever ao Ignácio Castro como “jovem filósofo” apesar de obra já publicada e da vida vivida

A minha iniciaçom em Ignácio Castro foi o livro Sociedade y barbárie editado pola Editorial Melusina e do qual deixei referência escrita em Praça Pública. S e B é um desses panfletos que todo intelectual gostaria de ter escrito. Um autêntico filho das Intempestivas de Nietzsche, para entender-nos. Quem quer que saiba subir-se às barbas do avô profeta merece um respeito, mesmo na céptica república do pensamento pós-moderno. Tampouco é qualquer cousa decidir emboscar-se por um tempo numha choupana do Courel para escuitar o vento e o passo do tempo. Ignácio Castro superou esta prova também e a deixou por escrito em “Roxe de Sebes”, um memorando de divagaçons entre Novoneyra e Thoreau.

O ensaísta compostelano exerce de analista do mal-estar da sociedade contemporánea em Votos de Riqueza onde pretende mostrar a brecha existente entre o consumo compulsivo e compensatório e a soledade da existência desconectada. Exerce também de cinéfilo atento e de espectador de produtos artísticos e exposiçons várias. Compostelano de naçom, I. C. pertence à categoria do galego-em-madrid, como Carlos Taibo ou como Fermim Bouça, ou como tantos outros, como eu mesmo, e em tempos mais remotos como Rosalia e Murguia. Citadinos todos em processo mais ou menos bem-sucedido de assimilaçom, transterrados também quase sempre. Todo galego-em-madrid guarda o seu Roxe de Sebes privado.

O ensaísta compostelano exerce de analista do mal-estar da sociedade contemporánea em Votos de Riqueza onde pretende mostrar a brecha existente entre o consumo compulsivo e compensatório e a soledade da existência desconectada

Nom é tarefa doada resumir a obra em curso de Ignácio Castro, tam fragmentária e aberta como o húmus filosófico em que vive: o da filosofia posterior aos mestres da suspeita e a denúncia, Marx, Nietzsche, Freud. A sombra por eles projectada tem hoje umha tonalidade fragmentária e jovialmente niilista que mal oculta o mal-estar de raiz.

As Pontes com o dianho pode servir de abordagem à escrita poliédrica e fragmentária de Castro. Trata-se dumha colecçom de doze entrevistas onde o autor deambula polas suas ideias a perguntas de doze entrevistadores competentes e em mais dum caso incursos em manifesta cumplicidade intelectual. Abriu o debate em Bendanha como era previsível a secçom da audiência mais interessada no debate de ideias, entre eles Marcos Lorenzo, um dos entrevistadores do livro, e Roberto Abuim de Axóuxere Editora, que tem em catálogo um dos ensaios de Castro. Foi Abuim quem formulou a aguda interpretaçom do estranho título da obra. O dianho que nele aparece nom seria outro que o daimom grego, que alude tanto à índole individual de cada quem como ao lado escuro do real. Um pleno.

O dianho que nele aparece nom seria outro que o daimom grego, que alude tanto à índole individual de cada quem como ao lado escuro do real

Tal como eu vejo, as aproximaçons intelectuais de Ignácio Castro apontam a dous espaços de sentido: a análise do mal-estar da cultura e a socialidade e o convite a umha retirada à nossa singularidade solitária. Crítica Castro o insidioso domínio do poder que nos circunda e propom em voz baixa a retirada do ego desconcertado e acolhedor ao refúgio mais íntimo. Os mestres da suspeita prolongados até hoje na estirpe dos Foucault como itinerário inevitável, os haiku de Novoneyra como meta implícita.

O encapsulamento na bocha digital em que estamos instalados, que nos conecta e nos isola do universo social circundante, é uma metáfora recorrente para designar o estado de sítio em que nos mantenhem instáncias superiores

O encapsulamento na bocha digital em que estamos instalados, que nos conecta e nos isola do universo social circundante, é uma metáfora recorrente para designar o estado de sítio em que nos mantenhem instáncias superiores: o Estado, o Mercado, a Técnica, , o Consumo, o Progresso.

O ego acaçapado que resiste é o contraponto necessário. Como fazer coexistir ambos? Essa foi a pergunta. Ignácio respondeu que mediante o uso alternativo de ambas as duas maos sem que saiba a direita o que fai a esquerda como a velha sabedoria aconselhava. Talvez nom seja tam fácil.

Quero celebrar a subtil conjura de jovens editoriais marginais empenhadas em editar cavilaçons de jovens filósofos para leitores de toda idade

Casualidades. Nesse mesmo fim-de-semana fum ver ao cinema o filme Ex machina que me prendeu por vários motivos, algum musical. O protagonista fica encerrado numha bocha virtual que o conduzirá a um paraíso de sílice que prolonga a sua existência de carbono. Levava eu no bolso nesse momento um livrinho que estava a ler: Deus ex machina do também “jovem filósofo” galego Antom Fernández de Rota, o qual explora várias linhas argumentais de Ignácio Castro e abre outras mais. A editorial que edita este opúsculo filosófico é a mesma que publicou Sociedade y barbarie, a Editorial Melusina. Demasiadas coincidências para umha só semana, pensei.

Quero celebrar a subtil conjura de jovens editoriais marginais empenhadas em editar cavilaçons de jovens filósofos para leitores de toda idade. O revoltalho de incertezas e ansiedades que nos rodeia quase o demanda.

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