O alento do dragom chega a Galiza

O cauteloso capital chinês chegou a Galiza. O reino do centro, como se denominou em tempos, topou finalmente com a rota atlántica europeia. Bem mirado era inevitável depois de os sábios do celeste império terem descoberto a bússola. Desde esta ponta de Europa que olha para América recebemos os recém-chegados com a esperança de que seja para bem. Afinal, pode que nom haja tanta diferença entre nós se acreditamos na sumária sentença de Manuel del Palacio: “en cuestión de desatinos nada hay como los gallegos y los chinos”. Algumha razom teria o burlador jornalista catalám oitocentista porque consta ter residido na Corunha e em Pontevedra. Ainda bem que nom andou por Lalim, viveiro de gente singular. Sei-no bem porque a oitava parte de mim dali vem.

A imagem de bazar e restaurante com que identificamos os filhos do celeste império central está experimentando rápidas mudanças desde que se acercam aqui em traje de negócios. Som negociantes, devemos reconhecer, muito diferentes daquele esquivo mister Marshall que tanta expectativa levantou na cinzenta Espanha dos cinquenta. O entusiasmo é agora mais medido nesta Espanha dos cortes orçamentais a nom ser algum episódio em que a miragem se reaviva da mao esperta de algum mago das finanças que vem anunciar o fim da era de austeridade em forma de casino multinacional. Inaugurar Las Vegas em Alcorcom é o último refúgio do senhor Marshall quando a gente perde a fé na lotaria nacional.

Aqui, nas cercanias, nom falta quem sonhe na glória e ventura que concede a fortuna em forma de esfera balom-pédica lançada por Carlos Mourinho. O presidente do Celta sustém que o capital chinês anda tolo pola gloriosa história do clube celeste. O único obstáculo a tam venturosa aproximaçom está na exigência presidencial de que lhe seja transferida a titularidade do estádio de Balaídos. O Concelho viguês nom parece entusiasmado com a perspectiva renunciando desta maneira a pôr Vigo no mapa, como costumam dizer os tenores da política. Ficamos atentos à reacçom da fiel torcida celeste, sempre comprometida com o destino universal do clube.

Como quer que seja, a presença empresarial chinesa em Galiza é incipiente. O portal informático ICEX do Ministério de Economia para assuntos de internacionalizaçom empresarial nom regista actualmente empresas chinesas na Galiza apesar de oferecer umha generosa listagem de filiais de Alemanha, Dinamarca, os EUA, França, Japom, Noruega, Venezuela, Reino Unido e Suíça. Por enquanto, a China é um sócio praticamente quase inédito, foi a sua repentina irrupçom no tecido empresarial galego em pouco tempo, e sobre todo o assunto do Celta, o que agitou a atençom pública.

No lapso temporal que vai de 1993 ao segundo semestre de 2016 — vinte e três anos e meio — o capital corporativo internacional afluente à Galiza, excluídas as entradas via ETVE (entidades de tença de valores estrangeiros com objectivos fiscais), alcança os 3.700 milhons de euros. Destes, apenas 120 milhons procedem da China mediante operaçons concentradas no breve período: 2011-2016. É bom lembrarmos que de momento a Galiza nom deixa de ser umha pequena peça no opulento jogo do monopoly internacional.

Em 2011, o Citic Group China International Trust adquiria por 50 milhons a histórica factoria de Gándara Censa (1965) em Porrinho que tinha por sócio maioritário ao senhor Mourinho. A final de 2016, o Citic Group procedeu a reforçar o património da companhia com 15 milhons adicionais o qual confirma o compromisso de estabilidade assumido pola companhia chinesa.

O seguinte episódio foi a incursom de capital chinês-angolano na construçom naval viguesa aproveitando o atractivo do seu know-how e a manifesta fragilidade financeira do sector. Em 2015 a China Sonangol International — holding misto 70 % chinês e 30 % angolano — assinava a compra do grupo viguês Rodman Polyships (Metalships & Docks, em Vigo, Rodman Polyships, em Moanha, e Rodman Lusitánia, em Portugal) numha operaçom inconclusa que se materializou na compra do 60% do grupo por 78 milhons. O motivo do aborto da operaçom foi o apresamento do misterioso negociador chinês Sam Pa por parte das autoridades do seu país. O inesperado acontecimento abre interrogantes sobre o futuro do grupo Rodman e a problemática culminaçom da operaçom de compra que poderia chegar a ter alcançado os 130 milhons. No curso das negociaçons especulou-se com o possível interesse de China Sonangol polos estaleiros Barreras de Vigo afectados na actualidade pola crise sobrevinda ao grupo petroleiro público mexicano Pemex que é o actual proprietário. Umha confusa colónia de abutres parece sobrevoar a ria em procura de oportunidades.

Data também de 2015 a instalaçom de Daxiong Spain nas Pontes para produzir arame de aceiro. O projecto derivou em conflituosidade laboral e esfriamento de expectativas, quer fosse pola contracçom das previsons da demanda quer pola competência do grupo galego Megasa, líder na produçom de arame para a construçom.

O último episódio de investimento corporativo chinês em Galiza tivo alvo conserveiro, Conservas Albo. Os antecedentes da firma remetem a Santoña, Cantábria, ano de 1869. O promotor da iniciativa foi um singular personagem de ascendência cántabro-irlandesa e nome Carlos Albo Kay. A escassez de sardinha no Cantábrico conduziu posteriormente o fundador à Corunha no ano de 1906. Falecido este em 1909, a viúva e os filhos continuárom o programa de expansom abrindo novas fábricas polo litoral norte adiante. Em 1929, a família Albo escolhe a cidade de Vigo para abrir nova fábrica que acabaria por converter-se na sede central do grupo. O projecto do edifício foi-lhe encomendado ao arquitecto Jenaro de la Fuente que desenhou para a ocasiom umha fachada neo regionalista muito no gosto da época que seguramente seria do gosto da gente da geraçon Nós. Também encarregou um airoso ranha céus neo racionalista que luz hoje na esquina Urzáiz com Gram Via conhecido como Edifício Albo. A torre foi projectada polo arquitecto Francisco Castro Represas em 1940 com remate em 1949. Pura crónica conserveira que agora passa à propriedade de Shangai Keichuang Deep Sea Fisheries.

A operaçom de traspasso do grupo Albo formalizou-se no verao de 2016, século e meio depois da fundaçom da primeira factoria da firma. O grupo, que mantém plantas produtivas em Celeiro e Tápia de Casariego (Astúrias), ocupa 230 trabalhadoras e factura por volta dos 85 a 90 milhons de euros. A venda ascendeu a 61 milhons de euros. Prestígio de marca, fidelidade da demanda e potencialidade expansiva nos mercados internacionais som poderosos factores de atracçom. Um excelente piano familiar esquecido num salom doméstico pode ser, penso eu, umha irresistível tentaçom para um virtuoso pianista internacional em plena gira.

O alento do dragom vai deixando rasto. Em 2009, a empresa pública chinesa Cosco fazia-se com a explotaçom do porto do Pireu por 35 anos mediante desembolso de 500 milhons de euros. Falamos do maior porto de Grécia, com importante volume de tráfico de contentores e estrategicamente situado frente ao Canal de Suez. No início do 2016 anunciava-se a assinatura dum protocolo de acordo entre as administraçons argeliana e a chinesa para construir o maior porto comercial de Argélia, orçado de 3.000 milhons de euros. Galiza é um bom ancoradoiro na rota que une o Mediterráneo das desgraças com o opulento Norte europeu. Somos umha potência pesqueira e madeireira, sabemos fazer barcos e automóveis e mantemos umha fronteira permeável com dous países membros da UE. Em frente, o Atlántico, como bem sabia Paz Andrade. Quê teria ele pensado dos chineses deambulando por Vigo?

Galiza imita-se-nos um pouco àquele esquivo Teodoro, modesto escrevente céptico que vegetava numha modesta hospedagem lisboeta ao qual Eça apresentou um mandarim fabulosamente rico que vivia na China. Esperamos que a miragem corra melhor agora. A Galiza conta com um esperto sinólogo de nome Júlio Rios dedicado a observar o enigmático visitante desde o seu observatório do IGADI. Mau será que o alento do dragom nos colha desprevenidos desta vez.

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.