Morreu o último grande ditador, dim alguns referindo-se a Fidel Castro, suponho que equiparando-o com Stroessner, Videla, Trujillo, Duvalier ou Pinochet, e até com Franco. Muito atrevimento me parece fazer essa táboa rassa, como se a história fosse um facto líquido e intrascendente e a análise um luxo prescindível. Equiparar ao líder de umha revoluçom que respondeu ao auto-golpe de Batista e à deriva autoritária que a oligarquia lhe estava imprimindo à república burguesa vigorante naquele momento com ditadores nazi-fascistas que sobirom ao poder para cumprir o mesmo papel histórico que precisamente estava destinado a cumprir o próprio Batista é umha ousadia e um calote dialético que unicamente se lhe pode colocar a quem simplesmente renuncia a compreender o mundo no que vive e decide entregar-se à comodidade do pensamento liberal. Mas semelhante equiparaçom nom resiste o mais superficial contraste histórico.
Acho que de todas as repetitivas tertúlias televisivas e radiofônicas que terei escuitado nestes dias, só numha puidem ouvir a distinçom mais evidente entre Fidel Castro e Franco, que é a que precisamente a maioria dos altofalantes do liberalismo eludem: a de como chegarom ao poder. Um, por um levantamento popular que derrocou a um Batista convertido em ditador e o outro por umha sublevaçom militar que se rebelou contra a legalidade da II República espanhola. Pois este “detalhe” , polo menos a mim, parece-me decisório. Sobre tudo porque se um analiza as circunstâncias nas que os outros mandatários chegam ao poder nos seus respetivos países, mais bem os parecidos encontra-os com Franco e nom com Fidel Castro.
O problema dos liberais é que acham que pensar como eles é obrigatório. As ditaduras “tanto de esquerda como de direita” som más, isso sim, as “ditaduras de esquerda” som piores. A nível de discurso dá-se a entender que há equidistância, mas na prática o ruído é contra todos esses governos de esquerda que eles consideram ditatoriais, ainda que esses governos exerçam em virtude de vitórias eleitorais em democracias burguesas. Assim, eram perversíssimas ditaduras de direita como a de Franco, a de Salazar, a de Stroessner, a de Pinochet, mas som ditaduras do passado, felizmente. Também eram muito más as ditaduras da Europa do Leste...Romênia, a RDA, a URSS...essas, mais. Mas hoje por hoje, a ditadura total, icônica, o símbolo por excelência do totalitarismo, é Cuba. E, por extensom, todos esses governos terroríficos de presidentes que ganham eleiçons mas que, já se sabe, som os tentáculos de Cuba na América Latina. Chávez era um ditador, ainda que ganhasse eleiçons e reconhecesse as derrotas eleitorais do seu partido quando as havia. Evo, já se sabe, outro ditador. Correa, mais um ditador. A festa da democracia será quando eles perdam o poder. Nom há tanta preocupaçom sobre qual é a situaçom política na Tailândia ou na Guiné Equatorial, onde o que seguramente nom há é democracia. A gente que vai fazer roteiros em quad polo deserto da Arábia Saudita, nom comenta nada nem da situaçom política nem da situaçom econômica que há nesse país, deve ser que nom é certo que lá sim que há umha ditadura e também deve ser um mito que trás a opulência, o luxo e a ultramodernidade que este país mostra ao mundo, há umha realidade de exploraçom, opressom, terror e fame. Devem ser tudo patranhas.
O relato liberal da atualidade provoca essa sensaçom: a de que a história tem umha única direçom obrigatória. Morre Fidel, é “o final do castrismo”...a partir de já...bom, a partir de dentro de umhas horas, quando a populaçom cubana se inteire...bom, se calhar nuns dias...ou messes, ou nuns poucos anos...a perplexidade que provoca nos consomidores de discurso liberal o facto de que os acontecimentos nom acompanhem o guiom que foi marcando a propaganda pró-capitalista, resulta às vezes mesmo cómica. Desde que era pública a enfermidade de Fidel, há dez anos, fala-se dos “últimos dias do castrismo” e da “agonia de Fidel”.
Os liberais também nos dim quando nos temos que indignar com umha ditadura, quando temos que “descobrir” que um governo é ditatorial. Umha prova desse discurso hipócrita está nas “primaveras árabes”. Ah! De súvito regimes que levavam quatro décadas instalados na Tunícia, na Argélia, no Egipto...eram ditaduras!!!! Eram países onde nom acontecia nada, com os que Europa e os USA tinham relaçons econômicas e políticas muito estreitas...e um dia, resultarom ser ditaduras...por certo, que a gente que ia de férias a esses países nom comentava nada da situaçom do Egipto ou da Tunícia, sem dúvida porque daqueles lugares a gente nom fogia, lá ninguém se prostituia, nem mendigava, nem passava fame. Aquelas nom eram ditaduras, porque ainda os que decidem quem é ditadura e quem nom, nom nos avisaram de que o eram.
Os liberais também “decidem” por nós quem som presos políticos e quem nom som...o paradigma de preso político é Nelson Mandela, claro que é um Nelson Mandela passado polo filtro do humanitarismo burguês, santurronaria pura, naturalmente esse Nelson Mandela nom praticou a luita armada nem estivo filiado ao Partido Comunista. Era um utópico que pensava numha Arcádia Feliz de nom violência e cuja principal virtude era ser vítima. Segundo os liberais, o opositor venezuelano Leopoldo López também é preso político, mas negam-lhe tal condiçom aos presos independentistas bascos e galegos ou aos presos comunistas e anti-fascistas espanhois. Pois com efeito, Leopoldo López é um preso político, porque está em prisom por motivos políticos: a motivaçom dos crimes que cometeu e mandou cometer é claramente política. Outra questom é se todos os presos políticos som reivindicáveis, claro. Os presos independentistas bascos e galegos, os presos comunistas e anti-fascistas espanhois, os sindicalistas presos a raíz das últimas greves gerais no estado espanhol, som presos políticos, porque forom detidos por atividades ilegais ou nom, mas com motivaçom política...se por cima se lhes aplicam políticas carcerárias de excepçom e estám em prisom em virtude de sentenças políticas, definitivamente som presos políticos. Há umha crença um bocado absurda de que um preso político é “umha pessoa que nom fixo nada”, mas tal crença nom é mais do que isso, um absurdo...reforçado pola caricatura que o pensamento burguês fai da figura do preso político, que segundo eles é umha espécie de Ana Frank...um utópico inofensivo que chega à virtude polo caminho de converter-se em vítima, como já dixem. A passividade é a atitude a aplaudir em alguém de esquerda.
E, sobre tudo, os liberais sabem por qual caminho tenhem que ir povos que nem conhecem. Já diziam os cristaos, que a fé era conhecimento. E, sobre Cuba, está claríssimo que o que tem que acontecer é que “o regime se descomponha” e chegue a democracia...qual democracia? Pois essa na que a representaçom política está em maos de partidos e de políticos profissionais, onde há campanhas eleitorais com orçamentos milionários...na cachola de um liberal tudo casa e funciona perfeitamente segundo essa lógica tam simples que divide o mundo entre bons e maus, e onde sempre está perfeitamente marcado qual é o caminho correto. O problema é que o povo cubano por enquanto nom parece excessivamente convencido de que o caminho a seguir seja esse. Como continuem assim, ainda vai haver que bombardeá-los para libertá-los, pensará algum.
Quanto a Venezuela, esse país onde há umha ditadura apesar de ter um governo e umha assembleia nacional saidos das eleiçons, também está claro o que se tem que passar: que de umha vez por todas ganhe as eleiçons a direita, para que assim os resultados das eleiçons sejam válidos. E entom Venezuela passará a ser um país democrático como México ou Colômbia, onde se assassina a pessoas de esquerda a diário, mas tranquilos que enquanto sejam governos de direita em países capitalistas os que assassinem ninguém falará da falta de liberdade nesses países.
Vaia, que a liberdade, a democracia, os direitos humanos e estas cousas há que defendê-las “com estilo”...estilo liberal; que estes conceitos sejam um pretexto para defender o capitalismo, que é o importante.