O indeciso processo da nova política galega

Qualquer aproximaçom á génese e composiçom da nova esquerda galega deveria partir de um conhecimento directo e experiencial do movimento como requisito prévio para a plena compreenssom do mesmo.

Contamos por fortuna com um actor que une vocaçom analítica com experiência política acumulada, um activista reflexivo, em suma. Referimo-nos a Xoán Hermida, que reúne os requisitos necessários de observador privilegiado da nova política.

O livro recém-saído de Xoán Hermida  — ou Ermida, se nos atemos à etimologia, é umha apertada síntese da sua tese doutoral, tutelada e distinguida com a máxima qualificaçom por Nieves Lagares e Ramón Máiz. Submeter-se à exigente disciplina académica de umha tese é a melhor prova de compromisso e rigor com o tema elegido. Um doutorando, ensinou Umberto Eco, deve assumir o papel de notário da humanidade no tema elegido.

Cumpre apontar que a síntese oferecida remete para informaçom complementar por via informática para quem se interessar. Umha plausível soluçom de compromisso para conjugar rigor académico com legibilidade que acabamos de encontrar também em outra obra recente de crítica política de Manuel Castells .

Dispomos já por sorte dum sólido elenco de politólogos na Galiza, tanto de máximo nível académico, como os directores da tese de X.H., como de praticantes de analítica política quotidiana, presentes, muitos deles, no livro como actores comprometidos no movimento de renovaçom política em curso na Galiza. Fazer e pensar a política honra um e outro ofício e contribui a desbotar a retórica do barulho e repetiçom de argumentários pré-cozinhados que poluem sem remédio a informaçom diária.

O informe de Hermida pretende conjugar as múltiplas dimensons e paradigmas implícitos no movimento, tarefa nada fácil e propensa a cair em inevitáveis reiteraçons e a demandar esclarecimentos circunstanciais a rodapé para dar conta da complexidade da tarefa: Perspectivas sincrónica e diacrónica, tipologia dos agentes implicados, protagonismos individuais, ideologias em pugna, convocatórias e eventos colectivos, agendas particulares, enchentes e devalos de um movimento activo e multiforme.

O recurso ao índice do livro como fio condutor da leitura e a consulta à selva de siglas em jogo resumidas no mesmo início da obra, som apoios imprescindíveis para transitar pola acidentada orografia do movimento. Som muito de agradecer os esclarecedores quadros interpretativos oferecidos como inestimável ajuda à conceitualizaçom do magma examinado. Destacamos as figuras 1, 2 e 3, explicativas da origem do movimento através do 15-M e a posterior concentraçom de expectativas na fugaz plataforma da AGE (p.92 e seguintes) e, mui especialmente, o perspicaz quadro interpretativo da crise da velha política e a emergência da nova, incluída a diagnose da caducidade da primeira e a prognose da segunda e da sua agenda alternativa (p. 94). Outro excelente modelo de gnosiologia política é o oferecido na figura 5, p. 287, em forma de diagrama interpretativo da disjuntiva [nova ↔ velha política] sobre dous eixos de polarizaçom: o de pertença, [unidade ideológica versus unidade política], e o de exercício de poder interno, [centro decisor hierarquizado frente a participativo]. Diagrama interpretativo básico para entender a axiologia dos novos sujeitos políticos.

O calendário de nascimentos e diversificaçom do movimento e dos seus agentes tem data fundacional em Galiza: ano 2003, na espontánea maré de indignaçom social do Nunca Mais, de índole inequivocamente nacional e apartidária consagrada na bandeira galega enegrecida da indignaçom transversal. É bom insistirmos neste precedente simbólico de mal-estar cívico e no seu carácter nacional como antecedente á memorável acampada na Porta do Sol de Madrid de 15-03-2011, de inegável releváncia simbólica para o nascimento de Podemos três anos depois. A indignaçom galega precedeu á madrilena de igual maneira que a implosom do BNG na Assembleia de Ámio em janeiro de 2012 — que sentenciou o monopólio político central sobre a organizaçom — precedeu em dous anos à apariçom de Podemos. As raízes e dinámica da emergência da nova política em Galiza pouco devem ao magistério madrileno por mais que a preeminência precursora fosse dilapidada no tortuoso processo [Anova → AGE → Marés → Em Maré] com Podemos no meio. Se a nova política adoece de passividade e subordinaçom a pulsons externas nom será por falta de valiosos antecedentes originais. As sombras chinesas precisam sempre de mám que as projecte.

Os lemas mobilizadores da nova política, som três como os da revoluçom francesa segundo hipótese de Hermida: radicalidade democrática (chamam-lhe democracia e nom é), regeneraçom ética e representativa (nom nos representam) e reformismo social forte (maioria contra casta). Todas elas de inequívoco sabor epocal, onde ecoa a mobilizaçom nas ruas do Nunca Mais, a acampada inaugural da Porta do Sol e o colapso sistémico provocado pola detonaçom de Lehman Brothers em 2008. Tomar a rua e entoar o no future formam parte da génese do movimento.

A consciência excedente — energia social livre e disponível (Rudolf Bahro: A Alternativa) — ramifica-se no processo contestatário em múltiplas direcçons: feminismo, ecologismo, pacifismo, altermundismo, secessionismo (até 25 centros sociais independentistas operantes na Galiza no período 2002-2012, p. 169), demandas do colectivo LGTB, pensionistas na rua, resistência aos despejos hipotecários. Umha autêntica eclosom do mal-estar latente que as velhas organizaçons se esforçárom em vão em capturar.

A efervescência ubíqua e efémera oculta a fragilidade inerente aos grupos em fusom — passo prévio aos ritos de juramento, disciplina repressiva e institucionalizaçom, na teoria grupal de Sartre — que configuram a sociabilidade líquida que caracteriza o movimento, em metáfora certeira de Zygmunt Bauman.

O objectivo de institucionalizaçom — meios, quadros, reconhecimento, persistência — e de articulaçom intergrupal, som afinal o autêntico teste de validez do passo do horizonte utópico à prática social transformadora. Tránsito árduo em qualquer circunstáncia e mais ainda em tempos de integraçom plural, de transversalidade como gostam de proclamar os adeptos à nova política ligados apenas polo delgado fio da democracia telemática.

O mapa actual da nova política galega nom dá para muita celebraçom. Superado o trauma do 2012, o BNG, volve ao seu refúgio doméstico de fidelidade provada sem prognósticos de renovaçom ideológica e expansom inclusiva. O celebrado motor do movimento das cidades rebeldes parece acomodar-se a um modesto neo-cantonalismo com nefastos antecedentes no país sem agenda galega conhecida. EU e Anova parecem empenhados em competir na renúncia a qualquer projecto de país tutelados polo fulgor mediático procedente de Madrid ou Barcelona.

No meio da volúvel congregaçom mareira, Luís Villares pretende coordenar forças e expectativa em perspectiva galega. O cerco hostil, patente no plenário de 27 de outubro, convida a pendurar o cartel de "Por favor, nom disparem sobre o pianista".

No entanto, a história, esse processo contingente, sem mais sentido que o que lhe outorga a conflitividade quotidiana, segue amontoando desafios diante da porta: O dissenso disruptivo da comunidade de vizinhos da UE, as multitudes do sul que se concentram nas praias solicitando um lugar na humanidade, o Oriente próximo, a América do Sul de novo, e em meio, a agenda política e social de Galiza paralisada entre nuvens de autosatisfaçom oficial. Nom é tarefa o que falta na agenda da nova política.

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1Xoán Hermida (2018): Galicia no labirinto da nova política. De nunca máis à nova política, Editorial Galaxia, Vigo. Síntese divulgativa da tese Movementos Sociais e Altermundismo en Galicia. De Nunca Máis a AGE (2002-2012), 2015.

2Manuel Castells (2018): Ruptura. La crisis de la democracia liberal, Alianza Editorial, Madrid.

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