Já adulto, quase idoso mesmo, ou, como cantava Gabriel Celaya com voz de Paco Ibañez: “cuando ya nada se espera personalmente exaltante” decidim aderir ao reintegracionismo organizado deixando atrás o meu status de reintegracionista implícito. Umha vocaçom tardia, poderíamos dizer. Foi despois dumha semana no Porto praticando o português em agradável convívio com os amigos Carlos e Júlia, companheiros de leituras, quando cheguei à conclusom que nom tinha muitas razons para resistir o discreto convite à adesom de Valentim. De facto estava convencido desde a leitura do seu excelente O galego (im)possível (Laiovento, 2001). Nem recibim instrucçons nem as esperava, simplesmente marquei livremente umha quota de apoio e adoptei sem manual de instruçons a norma ortográfica que acho mais adequada sem por isso fazer votos de estrita observáncia. A norma para mim está unida à circunstáncia. Aderim em definitiva a um reintegracionismo laico no qual me sinto à vontade.
Aderim em definitiva a um reintegracionismo laico no qual me sinto à vontade
O território reintegracionista tem antecedentes e orografia peculiares; como todo território, bem é certo. Há memória difusa de umha infáncia um tanto turbulenta, signo inequívoco daquele tempo, e som manifestos também alguns acidentes orográficos destacados no seu mapa territorial.
A comunidade académica poderia ser qualificada -se desculpam a insistência no uso de terminologia tam desactualizada- como mais super estrutural
Se tivesse que explicar a um neófito a última versom do mapa poderia começar descrevendo o território como umha dilatada planície entre duas montanhas que poderíamos denominar ao estilo dos astrónomos com senhos nomes exóticos: a Agal e a Academia. A primeira procedente de um antigo movimento orogénico e a segunda de outro mais recente. Ao pé de cada montanha convivem laboriosas comunidades dedicadas ao cultivo e melhora da fauna e a flora local. Persoalmente decidim acampar ao pé da agálica e gostaria explicar porquê. Em terminologia política poderíamos qualificar a comunidade acadêmica como partido de quadros e à agálica como organizaçom de massas. Nom se me oculta que o qualificativo “de massas” -um bocadinho arcaico, reconheço- pode suscitar algum sorriso entre eles o meu. Mas bom, como é sabido o aderente tem humana tendência a exagerar um ponto as virtudes da própria congregaçom. Digamos mais modestamente que a vocaçom agálica é a de servir de fermento ou levedura pronta a contagiar o entorno. Vocaçom mui digna mormente em meio pouco propício. A comunidade académica poderia ser qualificada -se desculpam a insistência no uso de terminologia tam desactualizada- como mais super estrutural.
Se passamos do mapa-múndi reintegracionista ao seu manual de usos decontado bateremos cumha linha divisória extremamente ostentosa: a que separa os partidários do “cam” e o “coraçom” dos adeptos ao “cão” e ao “coração”. Há outras preferências secundárias ainda como som a opçom por “umha” e afins em vez de “uma” e derivados a fim de preservar o nosso tam amado e ameaçado “n” velar ou também o gosto polos arcaísmos do português que venhem sendo puro galego genuíno. Declaro-me adepto ao “cam”, à “umha” e a todo arcaísmo léxico, talvez por ter nascido na aldeia. Às vezes custa superá-lo, especialmente quando um nom quer. Som minúcias estilísticas em todo caso que nom impedem gozar de um idioma de 240 milhons de usuários carregado de peculiaridades. A variedade, temos que reconhecer, é um atributo da grandeza e eu gosto da minha própria.
O objectivo final é chegar a formular umha autêntica gramática normativa do galego tam fiel à tradiçom como compatível com a sua dimensom internacional. Umha potente proposta de substituiçom do galego-castelhano que nos abafa polo galego-português que precisamos
A disjuntiva coraçom/coração pode ser conectado ao par conceitual galeguismo/internacionalismo. Ambos extremos com virtudes e inconvenientes complementares. Em favor da opçom “galeguista” está a fidelidade ao galego falado e a maior aceitabilidade social, razons nada irrelevantes se pretendemos abrir um horizonte de consenso e persuasom social. A perspectiva “internacionalista” é o seu par dialéctico. Como a alteridade e a identidade. Confesso a minha querença galeguista, além de ser a originária da Agal. Umha opçom talvez próxima ao magistério do professor Carlos Garrido, actual presidente da Comissom Lingüística da AGAL. Devemos-lhe a ele e aos seus colaboradores a abordagem do ambicioso projecto de rigorosa delimitaçom do núcleo lexical comum ao galego e ao português: O modelo lexical galego, Através Editora 2012. O objectivo final do empenho é chegar a formular umha autêntica gramática normativa do galego tam fiel à tradiçom como compatível com a sua dimensom internacional. Umha potente proposta de substituiçom do galego-castelhano que nos abafa polo galego-português que precisamos.
A cultura reintegracionista avança discretamente mas com firmeza, quer nas disciplinas linguísticas, como o insuperável Dicionário de Espanhol-Português (Porto Editora, 2008) do professor Álvaro Iriarte, quer noutros campos da cultura; aí está Parecia não pisar o chão (Através Editora, 2010) do professor Carlos Taibo, o melhor prontuário de Pessoa do que tenhamos notícia. Essoutro dia pudemos ler ainda a afoutada declaraçom de princípios reintegracionistas de Teresa Moure. Aludia a mui prezada romancista à coragem do trabalho à intempérie do movimento reintegracionista em favor da língua. É unha voz mais, esta já consagrada, em favor da liberaçom do idioma das pejas e postiços que sobre ele foi depositando umha história ruim.
O movimento reintegracionista é recente, de facto está ensaiando ainda as vias mais aptas para a sua socializaçom. Todos somos pioneiros e aprendizes no mesmo, a única hierarquia admitida é a do máximo compromisso
O movimento reintegracionista é recente, de facto está ensaiando ainda as vias mais aptas para a sua socializaçom. Todos somos pioneiros e aprendizes no mesmo, a única hierarquia admitida é a do máximo compromisso. O caminho empreendido aponta ao futuro e este é sempre incerto. Boa razom para adaptar o passo à imprevisível orografia do terreno. Persoalmente sinto-me à vontade praticando um reintegracionismo pragmático. Escrevo em português quando acho a oportunidade, pratico a (minha) norma Agal quando sei que é bem-vinda como acontece em Praça Pública e nom tenho o menor reparo a optar pola norma ortográfica oficial quando o requer a prudência ou a cortesia. Andar caminhos exige medir forças e mesmo desfrutar do caminho sem renunciar à meta. No reintegracionismo esta é a resistência activa à assimilaçom e a promoçom desinibida de um idioma apto para a comunicaçom internacional.