Na democracia participativa, um dos principais objectivos é desenhar e construir mecanismos que permitam abrir ao conjunto da cidadania a toma de decisões políticas. Os orçamentos participativos (OP) são um desses mecanismos e, nos últimos anos, estão a por-se em marcha em algumas cidades galegas com algumas dificuldades. A cidadania não responde como se esperava. Em Compostela, por exemplo, só houvo 2000 votos emitidos nos últimos OP. Estamos a falar de que só esse grupo reduzido de pessoas decide sobre um orçamento de 1,5 milhões de euros. Para que a democracia seja realmente participativa é preciso que se envolva muita mais gente, com mais transversalidade ideológica, e que a difusão se faga com mais apoio de grupos sociais, instituições e médios de comunicação. Votar os OP deveria ser como votar num referendo ou numas eleições para escolher um governo. Se o fim último da política é gerir o dinheiro dos contribuintes, o que se vota nos OP é tão importante para a vida da gente como o que se vota numas eleições. Para dar mais visibilidade e flexibilidade ao processo, seria interessante oferecer a possibilidade de votar fisicamente, e não só por via digital, especialmente nos bairros mais rurais dos concelhos.
Este ano enviei uma proposta titulada “A bici pacifica Compostela”, na que enumero um conjunto de medidas concretas, orçamentadas em 40 mil euros, para adaptarmos o tráfico urbano à circulação em bicicleta
Depois desta pequena introdução genérica queria comentar uma anedota que me aconteceu no último processo de OP em Compostela. Este ano enviei uma proposta titulada “A bici pacifica Compostela”, na que enumero um conjunto de medidas concretas, orçamentadas em 40 mil euros, para adaptarmos o tráfico urbano à circulação em bicicleta. Esta proposta, com 228 votos, foi uma das escolhidas para ser financiada. O dia 19 de outubro, o jornal El Correo Gallego recolhe a notícia do seguinte jeito:
Surrealista: el proyecto más solicitado por los vecinos es la bicicleta “pacífica”.
O nosso jornalista escreveu um artigo crítico sem ler a fonte sobre a qual emitia a crítica, descumprindo, por tanto, o código deontológico da sua profissão
O erro que comete o jornalista é mui interessante. Troca “pacífica” por “pacifica”. Este erro não é uma simples gralha, pois é ressaltado mediante aspas e serve-lhe para justificar o seu juízo de valor: o adjectivo “surrealista”. O erro que comete é mui interessante porque foi cometido quando leu a breve nota de imprensa do Concelho no que se citava o projecto com o título abreviado “A bicicleta pacifica”. Quer isto dizer que, o jornalista, para escrever o seu pungente, mordaz e incisivo artigo, não foi ler a proposta que criticava, e na que aparecia o título completo: “A bicicleta pacifica Compostela”. Se tivesse lido o texto original da proposta nunca teria cometido o erro acima descrito, pois nesse contexto linguístico, com um sujeito, verbo e complemento, não é possível activar a possibilidade de interpretar o verbo como um adjectivo. O nosso jornalista escreveu um artigo crítico sem ler a fonte sobre a qual emitia a crítica, descumprindo, por tanto, o código deontológico da sua profissão.
O jornalista e o diário para o que trabalha fam esta crítica porque não concordam nem com a democracia participativa nem, mais concretamente, com medidas de pacificação do tráfico urbano. Mas, quando uma pessoa não concorda com algo, deve ser rigoroso e argumentar a sua posição
É evidente que o jornalista e o diário para o que trabalha fam esta crítica porque não concordam nem com a democracia participativa nem, mais concretamente, com medidas de pacificação do tráfico urbano. Entendo perfeitamente que se poda estar em desacordo com estas duas ideias. Mas, quando uma pessoa não concorda com algo, deve ser rigoroso e argumentar a sua posição. Eu sou científico e forma parte das minhas tarefas diárias avaliar os trabalhos doutras investigadoras. Quando não concordo com o trabalho duma colega, fago um esforço muito mais grande para argumentar com solidez a minha posição desfavorável que quando tenho uma opinião favorável. Para mim, como suponho que tamém para muitas outras pessoas, é mais difícil criticar que louvar. Se perdemos esta perspectiva caímos facilmente no sectarismo.