O viés padánico

O discurso soberanista, a proclamaçom do direito a separar-se, parece refugiar-se actualmente na reivindicaçom pecuniária como cifra e argumento supremo da reivindicaçom identitária. Os tempos que correm, marcados pola crise económica, o pragmatismo mercantilista e o darwinismo social, alimentam esta deriva que poderíamos qualificar de viés padánico. Em aberto contraste, o empenho da Geraçom Nós, de Castelao e a sua gente, adquire umha pátina de irreal romantismo.

Os tempos que correm, marcados pola crise económica, o pragmatismo mercantilista e o darwinismo social, alimentam esta deriva que poderíamos qualificar de viés padánico

O argumento económico prevalece sobre o relato histórico. O cidadao devém consumidor a tal ponto que um dos argumentos preferidos para denunciar o sofrimento social é que este contribui a deprimir o consumo e, como consequência, a actividade económica. O consumidor prevalece sobre o cidadao. A capacidade de adaptaçom, a eficiência mercantil, o empreendimento – esse novo talismám oferecido à juventude– som valores em alça quando o mercado prevalece sobre as demandas sociais.

O argumento económico prevalece sobre o relato histórico. O consumidor prevalece sobre o cidadao

Observemos a deriva do catalanismo político. Som i serem gent catalana/ tant si es vol com si no es vol/ que no hi ha terra més ufana/ sota la capa del sol era o canto de desafio da primeira estrofe de “La Santa Espina", a mais patriótica das sardanas. A letra procede dumha zarzuela do mesmo nome estreada em 1907 que alcançou o singular honor de ser sucessivamente proibida polos ditadores Primo de Rivera e Francisco Franco. “Som i serem” evoca-nos outro vibrante aturuxo identitário “viva Lalim com razom ou sen ela!” que vem sendo a nossa versom particular de tant si es vol com si no es vol.

Catalunha atravessa um período de intensa revivescência nacionalista. O movimento cívico que o sustenta é de signo admiravelmente transversal

Catalunha atravessa um período de intensa revivescência nacionalista. O movimento cívico que o sustenta é de signo admiravelmente transversal, com ampla participaçom social, tanto de cataláns de origem como de destino. Convoca também a todo o arco político, fora da diarquia turnante e de algumha força emergente que nom crê em pátrias pequenas mas nom oculta o seu fervor polas grandes.

O exemplar movimento soberanista catalám padece, infelizmente, dumha doença aguda de sintomas padánicos. Evidencia-se no recurso à espúria justificaçom economicista que contribui a reduzir a aspiraçom independentista a mero expediente de corte de gastos e ajustamento de contas, mais próprio de um negócio em dificuldades que da honra nacional. “Som i serem” apela ao berço, “vamo-nos de aqui que estes nos estám roubando”, à contabilidade financeira. A pretensom de tirar pola borda os tripulantes menos aplicados na arte da remada nom parece a melhor via para concitar adesons senom, mais bem, a soluçom de um case study de benefit cost analysis de escola de negócios.

Argumentar o abandono do Estado em termos do fiscal relief, promocionado polo conservadorismo norte-americano, evoca o prosaico Roma ladra da reaccionária Lega Nord

Acode à mente a famosa declaraçom de princípios "No taxation without representation" que desencadeou a Revoluçom Americana das Treze Colónias. Mas é outro estilo, o da insubmissom fiscal como denúncia da submissom política: a reclamaçom da voz e o voto contra exacçom coercitiva. Argumentar o abandono do Estado em termos do fiscal relief, promocionado polo conservadorismo norte-americano, mais evoca o prosaico Roma ladra da reaccionária Lega Nord que os austeros pais da pátria americana. Filosofia de lojista em tempo de refluxo comunitário e social.

Cousas como estas, baralhava eu na cabeça estoutro dia quando decidim perguntar-lhe a um dos honoráveis universitários cataláns da mesa se considerava razoável o troco do inveterado som i serem polo argumento fiscal de sabor padánico. Infelizmente, nom tivem resposta adequada, quer por nom ter entendido a pergunta quer por considerá-la impertinente. Formulava-a eu no tempo de colóquio do simpósio celebrado na Faculdade de Políticas da USC sobre “O futuro político de Catalunha: consulta cidadá e marco legal”. O acto contou com a participaçom do “Consell de Diplomàcia Pública de Catalunya, Diplocat”, com participaçom galega de qualidade, entre eles, Suso de Toro, recentemente reconhecido com a Creu de Sant Jordi polo seu compromisso com a melhor Catalunha. A jornada decorreu com a cordialidade habitual nas relaçons galaico catalanas, nom obstante a diferença de nível económico que separa ambas comunidades. A inquietaçom polas consequências do processo soberanista catalám tivo também o seu momento por boca do jornalista galaico-catalám Ángelo Lugilde que evocou em tom pessimista e irónico o inquietante cenário dumha Galiza encerrada numha Espanha autista e incorrigível sem o cívico contrapeso do povo catalám.

O argumentário padanista nom é a via mais prometedora para suscitar compromissos militantes fortes. Ninguém vai oferecer “até a última gota do próprio sangue” por atributos pátrios como o PIB, a Balança de Pagamentos ou o tipo marginal do IRPF

Ousei destacar de passada ainda a significativa presença de umha formaçom de inequívoca trajectória democrática e popular como ICV, que actualiza a tradiçom do velho PSUC. Também nom mereceu atençom da mesa, visivelmente escorada para o nacionalismo conservador catalám.

O argumentário padanista nom é a via mais prometedora para suscitar compromissos militantes fortes. Ninguém vai oferecer “até a última gota do próprio sangue” -- como nos demandavam na jura de bandeira -- por atributos pátrios como o PIB, a Balança de Pagamentos ou o tipo marginal do IRPF que, sem negar-lhes méritos, dificilmente podem competir com a lacerante ladainha dos males da pátria.

Persoalmente, prefiro o cordial discurso de Castelao e a sua magnífica tropa de perdedores, ou, já postos, a visom projectiva de um Paz Andrade que apontava para o mar quando queria convocar o país polos caminhos da prosperidade; nunca à Delegaçom de Fazenda. Nom podemos negar a importáncia do argumento económico no discurso político, mas reduzir este a um requintado exercício de contabilidade parece mais um signo dos tempos de indigência económica e política que nos toca viver que umha convocatória à liberdade.

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