Pensar Gaza

Gaza, destruída por Israel © Palestinian News & Information Agency (Wafa)

Dias aziagos. Talvez não seja mau agoiro começar lembrando que não podemos calar diante da infamia genocida. O massacre em Gaza colocou a nu não apenas a violência militar sionista, mas também a falência de parte da teoria crítica europeia, incapaz de enfrentar a materialidade colonial do conflito. Em novembro de 2023, Jürgen Habermas, Rainer Forst, Nicole Deitelhoff e Klaus Günther publicaram a carta Principles of Solidarity. O texto reconhecia o sofrimento civil, mas insistia que Israel tinha “direito de contra-atacar” o Hamas, desde que obedecesse a princípios “orientadores” como proporcionalidade e perspectiva de paz futura. Um ano depois, com mais de 30 mil mortos — quase metade crianças —, com hospitais, escolas e bairros inteiros pulverizados, falar nesses princípios soa como cinismo. A filosofia, quando se refugia em abstrações, corre o risco de se tornar cúmplice da necropolítica. Achille Mbembe chamou necropolítica ao poder de decidir quem deve viver e quem deve morrer. Gaza é hoje um laboratório desse governo pola morte: uma população confinada durante lustros, submetida a bloqueio, bombardeada, privada de água, comida e hospitais. Aimé Césaire já advertira o que o nazismo fez na Europa não foi invenção, mas aplicação interna de métodos coloniais experimentados antes na África e no Caribe e Abiayala. Gaza mostra que o colonialismo não é um vestígio do passado, mas o núcleo ativo da ordem internacional.

O acontecimento e a fidelidade. Para Badiou, a filosofia só existe como escuta dos acontecimentos que rompem o tempo e abrem nova possibilidade. Gaza é um acontecimento nesse sentido. Não apenas porque nos obriga a testemunhar o intolerável, mas porque força uma decisão: ou se está com as vítimas, ou se legitima o colonizador. Badiou insiste que o universal não nasce da abstração, mas do acontecimento concreto que convoca sujeitos a uma fidelidade. A fidelidade a Gaza é o antiimperialismo revolucionario. É reconhecer que o genocídio em curso não é acidente, mas peça da engrenagem capitalista em crise. Como lembrou o economista marxista Michael Roberts, a guerra assegura a reprodução ampliada do capital, movimenta indústrias bélicas e redes de energia, serve de teste para novas formas de controle social.

 

O cinismo europeu. O cinismo não está apenas nas armas vendidas enquanto se condena o massacre em discursos oficiais. Está também no modo como a filosofia europeia tem lidado com a Palestina. Jean-Paul Sartre, por exemplo, foi uma das vozes mais lúcidas contra a guerra da Argélia, o apartheid e a guerra do Vietnã. Mas diante de Israel, manteve silêncio ou ambivalência. Já o moderno sionismo legitimou o Estado judiciário como resolução dos problemas históricos do povo judeu — mas isso ocorreu à custa da opressão palestina. Desde 1948, apoiou a criação do Estado judaico, viu nele uma esperança universal e, mesmo em 1967, após a Guerra dos Seis Dias, Sartre seguiu defendendo a legitimidade de Israel, ainda que preocupado com “excessos”. Mesmo Levinas,  comprometido com a alteridade, se revela “sionista parcial” , em palavras de Dussel— não tendo conseguido pensar o Palestino como “o Outro” legítimo.

Josie Fanon, viúva de Frantz Fanon, rompeu com Sartre por isso, acusando-o de passar “ao campo dos assassinos”. Adam Shatz resumiu: Sartre foi "progressive except for Palestine". Esse impasse não é pessoal. É estrutural. A memória da Shoah ocupa, na Europa, o lugar de universal. A Nakba de 1948 — a expulsão de 700 mil palestinos — nunca teve um estatuto universal. O resultado é que a filosofia crítica europeia, mesmo radicalmente comprometida em outros campos, reproduziu o silêncio seletivo diante do colonialismo sionista. Esse impasse revela um traço estrutural da modernidade europeia: a memória da Shoah ocupa o lugar de universal, impedindo o reconhecimento da Nakba como catástrofe lançada sob a linha do humano (Grosfoguel), como as inúmeras práticas jogadas ao subhumano e a práticas de expulsão e eliminação que foram experimentadas primeiro no Reino de Espanha (pureza de sangue) e despois em África e Abya Yala de braço dado da Modernidade imperial-capitalista. A história é hierarquizada, e a filosofia crítica torna-se cúmplice da colonialidade que continua o seu curso no presente neoliberal. O que emerge é que o antiimperialista Sartre em outras lutas, não conseguiu trair sua própria branquitude, permanecendo preso ao que Houria Bouteldja chama de filosemitismo como último refúgio do humanismo branco.

Habermas prolonga essa tendência em chave normativa. Em 13 de novembro de 2023, junto a tres intelectuais alemães de grande prestígio internacional publicaram a carta “Principles of Solidarity”. O documento foi apresentado como um gesto de sobriedade e prudência em face do novo ciclo de violência desencadeado após os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023. No entanto, o seu conteúdo revelou rapidamente mais do que pretendia esconder: nele, os autores afirmavam que Israel tinha o direito de contra-atacar o Hamas, desde que observasse três princípios “orientadores” — proporcionalidade, evitar vítimas civis e travar a guerra com perspectiva de uma paz futura. O seu universalismo comunicativo, sofisticado e influente, nunca conseguiu incluir a exterioridade das vítimas. Como observou Enrique Dussel, Habermas fala a partir do espaço europeu, não a partir da fronteira colonial. Quando, em 2023, defendeu o direito de Israel à autodefesa, simplesmente ignorou que se trata de um Estado ocupante, condenado em resoluções da ONU há mais de meio século. A abstração universal funciona como dispositivo de neutralização. Parece equilibrada, mas legitima o colonizador. Slavoj Žižek, por sua vez, denuncia as hipocrisias do liberalismo, critica a instrumentalização do Hamas por Israel e chega a propor uma universalidade binacional. Mas, ao insistir que “não se deve demonizar Israel”, relativiza a assimetria colonial. É a ironia do crítico que denuncia a ideologia mas gagueja em solidarizar-se concretamente com os vencidos. Essa simetrização oculta a realidade da potência nuclear, a potência ocupante, apoiada por EUA e Europa quando Gaza é enclave sitiado, submetido a bloqueio e bombardeio.

 

Losurdo, Butler e a coragem de nomear. Domenico Losurdo, ao contrário, não hesitou em caracterizar o sionismo como projeto colonial e racista. Em seu ensaio de 2001, lembrou que a fórmula “uma terra sem povo para um povo sem terra” é, em si, a negação da existência palestina. A diversidade interna do sionismo (religioso, socialista, de direita) não altera sua matriz colonial supremacista. Para Losurdo, não basta falar em “excessos” de Israel. É preciso reconhecer que todo o projeto é colonial. Sua crítica não se apoia em abstrações, mas na materialidade da história. Essa clareza aproxima-se do que Dussel chamou de “universal a partir da exterioridade”. O verdadeiro universal não é aquele que abstrai diferenças, mas o que se constrói desde a voz das vítimas.  Também Judith Butler, com sua teoria das vidas precárias, mostrou como certas vidas — palestinas, árabes, muçulmanas — são sistematicamente tratadas como indignas de luto. Nomear Gaza como genocídio é, portanto, gesto de restituição da dignidade ontológica. Butler tem sido uma das vozes judaicas mais firmes em nomear Gaza como genocídio. A sua teoria das “vidas precárias” mostra que a vida palestina é sistematicamente desvalorizada, tratada como indignidade ontológica. O discurso universalista europeu, ao relativizar Gaza, reproduz essa desvalorização. Gaza é o exemplo contemporâneo do que Federici chama um cercamento permanente, onde um povo é confinado e expropriado de seus meios de vida.

O duplo padrão e contra-insurgência soft. Em 2017, o cientista político Bruce Gilley publicou um ensaio no Third World Quarterly intitulado “The Case for Colonialism”, no qual defendia que o colonialismo ocidental foi, em muitos aspectos, objectivamente benéfico e legitimamente aceito por algumas sociedades. Essa visão contraria frontalmente o consenso acadêmico de que o colonialismo trouxe mais exploração e dano do que progresso. O duplo padrão não se limita à filosofia. Ele estrutura a própria diplomacia e a cobertura midiática. A mídia ocidental é um capítulo à parte. Gaza não é apenas um massacre planificado, mas uma guerra cultural pola hegemonia na contemporaneidade: a mídia, a academia e os discursos jurídicos produzem consenso para normalizar o massacre desde há lustros, arrogando-se o direito de dirimir o limite entre civilização e barbárie, ou entre respeito e violação das normas universais (da modernidade capitalista). Quer dizer, quem se atribui de facto de uma soberania universal, só nos últimos meses de revival colonialista do “nova ordem internacional”,  começou a aceitar que a situação piorou depois de ver crianças destruídas polas bombas ou caçadas por atiradores quando procuravam comida, mas só se tornou insuportável ao ver crianças famintas.Nos primeiros meses após o início da ofensiva israelense em outubro de 2023, muitos meios evitaram termos como "genocídio" ou "limpeza étnica", inclusive sob orientação editorial. Um memo interno do New York Times, vazado em abril de 2024, orientava jornalistas a evitar esses termos, assim como “Palestina” ou “território ocupado” nas suas coberturas. 

Reportagens destacaram que redes como CNN e BBC também evitavam mencionar “genocídio” ou “crimes de guerra” em sua cobertura. Mesmo enquanto a grande imprensa mantinha resguardadas suas palavras, acadêmicos e organismos especializados começaram a usar o termo com seriedade. Em abril de 2024, o Lemkin Institute for Genocide Prevention condenou a forma como a mídia ocidental enquadrava as ações israelenses como “autodefesa”, afirmando que isso escondia a realidade de um possível genocídio. O Brookings Institution, em pesquisa entre especialistas do Oriente Médio, revelou, em meados de 2024, que 34% dos acadêmicos consideraram que o ataque equivalia a genocídio (41% disseram “crimes de guerra semelhantes ao genocídio”). A International Association of Genocide Scholars (IAGS) (maior associação de estudiosos do tema) aprovou em setembro de 2025 uma resolução afirmando que as ações de Israel em Gaza preenchiam os critérios legais para genocídio. Em outubro de 2024, o historiador Amos Goldberg — especialista em estudos do Holocausto na Hebrew University — afirmou que o que acontece em Gaza é genocídio, pois "Gaza deixou de existir" como comunidade viável. Op-eds em grandes jornais mainstream como The Guardian também passaram a usar o termo com mais frequência. 

A reporteira da TVE, Almudena Ariza, declarou em março de 2025 que não usa “genocídio” por posicionamento institucional, mas considera que "é difícil pensar o contrário" diante dos feitos. Em maio de 2025, Arwa Mahdawi escreveu que "o que acontece em Gaza é genocídio", condenando o silêncio ocidental. Organizações como Médicos Sem Fronteiras (junho de 2025) relataram padrões "coerentes com genocídio” e destruição deliberada de infraestrutura vital e bloqueios que ameaçam a vida da população gazá (água, comida, remédios). Em agosto de 2025, um op-ed no The Guardian apontou que os avisos palestinos sobre genocídio em 2023 só foram "aceitos" quando envolveram imagens chocantes reconhecíveis pola consciência ocidental, e não antes. Vários artistas — incluindo Macklemore, Dua Lipa e Greta Thunberg — passaram a usar o termo “genocídio de Gaza” em discursos e redes sociais. Em Espanha,  para além dos Bardem e os Tosar, o reconhecimento de Gaza como genocídio não aconteceu de forma súbita ou uniforme — foi progressivo. A SER, como grande rádio generalista espanhol, não reconhecia oficialmente a palavra “genocídio” para se referir ao acontecido em Gaza nos últimos meses. O tratamento da Nakba (1948) e as Intifadas era geralmente mediado polo enquadramento europeu dominante, isto é, linguagem de “conflito”, “violência cíclica”, “enfrentamento” entre dois lados, mais do que uma denúncia estrutural do colonialismo israelense. A terminologia usada era de “choques”, “escalada de violência” e “radicalização”, tanto na Primeira Intifada (1987–1993) quanto na Segunda (2000–2005). A Nakba aparecia sobretudo em efemérides, e com o cuidado de manter a linguagem “equilibrada” — raramente adotando a perspectiva palestina de “catástrofe” ou “limpeza étnica”. Só a partir de 2023–24, com a guerra em Gaza e os números massivos de mortes civis, a SER começou a adotar de forma clara o termo genocídio e a assumir posição editorial mais crítica, como vimos. El País caminhou de maneira mais reservada — reconheceu a Nakba como catástrofe contínua e referiu-se ao genocídio sobretudo via declarações de especialistas internacionais. Mesmo após reconhecer o Estado da Palestina (maio de 2024) e mesmo com ministros como Margarita Robles e o presidente Pedro Sánchez qualificando a ofensiva israelense como “genocídio” e seguido polo apoio legal na CIJ, a Espanha continuou autorizando exportações de material de defesa a Israel enquanto, semelhava conectar-se com o sentimento popular (manifestantes, sondagens) e ganhou respaldo institucional e mediático (mídia independente, ONGs, justiça em casos concretos). Porém, essa “contra-insurgência soft” neutraliza a solidariedade e organiza a indiferença.

Plataformas como o BDS denunciaram que o governo fazia “diplomacia dupla”: no discurso, solidariedade com a Palestina; na prática, manutenção de negócios militares. O caso espanhol é exemplar do duplo padrão europeu:por um lado, condena publicamente as violações de Israel e se apresenta como mediador da paz. Por outro, mantém laços militares, comerciais e tecnológicos que sustentam a máquina de guerra israelense. Isso significa que, mesmo quando a palavra “genocídio” entrou no vocabulário público e oficial, o complexo militar-industrial seguiu funcionando como antes, revelando que as declarações de princípios não romperam com a materialidade da colonização. A ONU confirma que há uma fome em curso, que não é resultado de desastres naturais, mas de um bloqueio prolongado e ataques sistemáticos. Mais de 98% das terras aráveis estão danificadas ou inacessíveis, e o gado foi dizimado. Estima-se que 2,1 milhões de pessoas passam fome, e a fome está a alastrar-se para outras zonas, como Deir el-Balah e Khan Yunis. Mais de 86% da Faixa de Gaza está sob controlo militar israelita, o que provocou a deslocação em massa de civis.  A ofensiva causou mais de 62 000 mortes, das quais um terço eram crianças.

Um memorando interno do New York Times orientava jornalistas a evitar termos como “Palestina” ou “territórios ocupados”. Só quando imagens de crianças famintas e cadáveres em massa tornaram-se insuportáveis para a opinião pública, o termo genocídio entrou no vocabulário oficial. Durante meses, redes como BBC, CNN e El País evitaram palavras como “genocídio” ou “limpeza étnica”. Em 9 de agosto, mais de 450 pessoas foram presas durante manifestações pró-Palestina em Londres, incluindo idosos e ativistas pacíficos .O grupo Palestine Action foi banido em julho de 2025 e enquadrado na Lei de Terrorismo do Reino Unido, após ações como deitar  pintura em aviões militares britânicos e bloquear a sede da empresa israelense Elbit Systems.   Na Espanha, a SER e El País cobriram por décadas a Nakba e as Intifadas como “conflito”, “escalada de violência”, “choque entre dois lados”. Só em 2024 começaram a falar em genocídio. E mesmo assim, a Espanha continuou exportando armas a Israel. O duplo padrão é evidente: condena-se no discurso o que se financia na prática. Esse mecanismo é parte da tradição cínica europeia em que princípios universais defendidos em abstrato sao aplicados seletivamente. Charles Mills chamou isso de “contrato racial” que opera através do que ele chama de epistemologia da ignorância ou um modo sistemático de não ver, de negar ou de justificar a violência racial e colonial, mantendo o privilégio branco como norma. A universalidade da Modernidade Ocidental sempre incluiu a exclusão racializada. Gaza expôs com crueza essa lógica. O universalismo europeu (direitos humanos, autodeterminação) foi mobilizado em 1948 para legitimar a criação de Israel, apresentado como projeto civilizatório, ao mesmo tempo em que os palestinos eram racializados como "população excedente", “terroristas” ou “bárbaros”. A recusa em nomear a Nakba como limpeza étnica, e hoje a dúvida em chamar Gaza de genocídio, funcionam como exemplos claros dessa ignorância estruturada. Não se trata de ausência de informação, mas de suspensão ativa do conhecimento para preservar privilégios geopolíticos e simbólicos do Ocidente. A carta de Habermas, Forst, Deitelhoff e Günther (2023) é exemplo: fala em princípios universais (proporcionalidade, evitar civis), mas ignora a condição colonial de Gaza. Essa abstração é precisamente o que Mills chama de “universalismo parcial”. Um universal que já vem filtrado para proteger o grupo dominante. A solidariedade universal é sempre parcial, e a Palestina ocupa o lugar racializado de “vida precária” (Butler) ou “vida matável” (Mbembe).


Freio de emergência. Walter Benjamin disse que talvez as revoluções não sejam locomotivas da história, mas gestos de acionar o freio de emergência. Pensar Gaza é isso: puxar o freio diante de uma ordem que naturaliza massacres em nome do direito de autodefesa e da democracia liberal. O que Gaza mostra é que a filosofia não tem objetos próprios — como dizia Canguilhem —, mas tem perguntas próprias. E a pergunta filosófica é como este acontecimento muda o horizonte do possível. Gaza mudou tudo. Escancarou que o universal abstrato europeu é incapaz de responder à colonialidade quando ela própria se amostra com decadente clareza  sob as formas da colonialidade do imperio americano. Escancarou que só uma filosofia marxista decolonial, capaz de partir da exterioridade das vítimas e  reformulado a partir das experiências colonizadas, pode reconstruir um universal concreto. Gaza, nesse sentido, não é apenas uma tragédia, mas um evento que interrompe a narrativa dominante — aquela que justifica violência em nome da democracia liberal e da segurança. Dussel argumenta que o sionismo é fundado em uma falsidade histórica profunda: “Judeus e palestinos conviviam sem problemas” antes de 1948. O sionismo, para ele, fabrica uma narrativa que arroga a construção do Estado israelense como mandato divino, obscurecendo a continuidade histórica e cultural dos palestinos no território. Além disso, ele refuta a ideia de que os judeus “retornaram” a Israel. Dussel explica que muitos eram comunidades judaicas recém-convertidas na Europa e norte da África (sefarditas, ashkenazitas), que não tiverem origem ou presença histórica na Palestina. Isso desmonta o mito de uma expulsão em massa dos judeus do Oriente Médio, oferecendo uma leitura diferente da "diáspora".

A filosofia crítica, que outrora denunciou colonialismos e guerras, mostrou-se hesitante, seletiva ou cínica diante da violência israelense. Habermas encarna o universalismo abstrato; esse abismo entre realidade e discurso que ficou evidente quando, pretendendo um gesto de sobriedade normativa, revelou-se, à luz do massacre, uma forma de racionalização abstrata da violência colonial;  Sartre, o impasse europeu entre Shoah e Nakba; Žižek, a ironia crítica que receia e cambalea. Losurdo e Dussel, entre outros, ao contrário, apontam para uma filosofia que nomeia o colonialismo e toma partido das vítimas. Qualquer ética verdadeiramente universal deve emergir ao jeito benjaminiano da experiência concreta das vítimas colonizadas, não de consensos eurocêntricos tradicionais. Uma proposta ética, como discutido na introdução da Ética da Libertação de Dussel, busca romper com a abstração das éticas dominantes e articular uma política materialmente comprometida com os oprimidos. O capitalismo precisa de zonas de exceção para se reproduzir e Gaza hoje é o nome dessa exceção extrema. Expôs com clareza a falência do universalismo europeu. Por isso é também o nome do universal concreto de nosso tempo. Hoje, o nome da fidelidade é Gaza.

Grazas ás socias e socios editamos un xornal plural

As socias e socios de Praza.gal son esenciais para editarmos cada día un xornal plural. Dende moi pouco a túa achega económica pode axudarnos a soster e ampliar a nosa redacción e, así, a contarmos máis, mellor e sen cancelas.