Falavam os clássicos gregos da História como cíclica ─ o ‘eterno retorno’ ─ e vários séculos depois ainda vamos ter que dar-lhes a razom, porque a dia de hoje voltamos a ouvir umha linguagem que alguns achavam que estava totalmente esquecida e que nunca voltaria a ser usada. O triunfo político da democracia capitalista e liberal chegou a proclamar que a História tinha chegado ao seu fim, com tudo o que esta sentença poda ter de contrassentido em si própria.
Permitide-me que comece este artigo com esta pequena divagaçom, até porque vem ao caso com o que quero explicar já a seguir. Falo do eterno retorno ou história cíclica porque hoje há sectores importantes da populaçom que sentimos a necessidade de recuperar propostas, que semelham de mui atrás, como a da existência da banca pública, novas entidades como as que desaparecérom nom há tanto tempo.
Retrocedamos só um par de décadas, coincidindo justo com a pretendida proclamaçom do fim da História: naquele momento eram muitas as famílias que podiam aceder ao crédito através da banca estatal, entre elas a minha. Assim era que, enquanto o meu pai e a minha mãe assinavam a hipoteca da sua primeira e única vivenda com o Banco de Crédito Hipotecario, eu próprio abria a minha primeira conta na Caja Postal, para cobrar a minha primeira bolsa como estudante.
A cidadania do Estado espanhol iniciou o século XXI sem banca de titularidade estatal, sendo as Caixas de Aforros o mais semelhante a umha entidade creditaria de carácter público
Estamos a falar de finais da década de 80 e princípios da de 90, há bem poucos anos. Ambas entidades faziam parte do sistema financeiro de titularidade estatal, que junto com o Banco Exterior de España, o Banco de Crédito Local e o Banco de Crédito Agrícola fórom agrupadas em Argentaria em 1991. Este património colectivo foi privatizado através da venda deste grupo público á banca privada, concretamente ao BBV, em 1999. Tanto eu como os meus pais acabámos com as nossas antigas contas, da Postal e do Hipotecário, numha mesma entidade, primeiro pública e depois já privatizada sendo parte do BBVA.
Assim a cidadania do Estado espanhol iniciou o século XXI sem banca de titularidade estatal, sendo as Caixas de Aforros o mais semelhante a umha entidade creditaria de carácter público. Umhas entidades com umha enorme inserçom social, captadoras de grande parte da poupança dos seus territórios originários, e com umha responsabilidade comunitária cristalizada através das suas obras sociais. Nesta primeira década, o boom da construçom funcionou como combustível dumha banca privada que conseguia impor o seu modelo de capitalismo financeiro frente ao modelo produtivista. Mesmo as caixas participárom desta voragem escapando de qualquer controlo democrático, isto é, público.
Só ficou de fora a Caixa Rural de Lugo, mudada em Caixa Rural Galega, e que está chamada a ser umha nova ferramenta financeira a ter em conta
Mas com o estouro desta borbulha imobiliária, acompanhada dumha crise mundial de carácter sistémico, chegamos até o ponto de que a grande banca repare nesse último reduto do público que som as caixas, e decida fazer-se com elas, novamente com a cumplicidade do governo espanhol da alternáncia. No caso galego significou, em primeiro termo, culminar a fusom das caixas galegas. Com a uniom de Caixa Galicia e Caixanova acabava um processo que se tinha iniciado, como mínimo, havia mais de 30 anos. Há que lembrar que a entidade do norte era o resultado da fusom das caixas da Coruña e Lugo, de Ferrol e de Santiago, ao que se sumou a provincial de Lugo, e a rural da Coruña, rural de Pontevedra e rural de Ourense. Enquanto que a do sul significava a mais recente fusom das caixas de Vigo, de Ourense e de Pontevedra. Só ficou de fora a Caixa Rural de Lugo, mudada em Caixa Rural Galega, e que está chamada a ser umha nova ferramenta financeira a ter em conta.
Novacaixagalicia ou, agora já Nova Galicia Banco, passou a ser umha entidade que, segundo dados que achegava recentemente o professor Xavier Vence, conta com uns activos equivalentes a 1,5 vezes o PIB galego, com mais de 2,5 milhões de clientes, quase 300.000 empresas -somando pemes, microempresas e autónomos-, e que administra 40 % das poupanças galegas, concedendo mais da metade dos créditos do dia-a-dia deste pais. Qualquer empreendedor galego sabe que nom é fácil conseguir financiamento nesses bancos e caixas que só venhem à Galiza a captar aforro, oferecendo bons rendimentos para conseguir esse capital, mas arriscando muito pouco fora do seu território de origem.
Chegamos, pois, ao ponto decisivo. Umha vez que Nova Galicia Banco tem sido nacionalizado através da injecçom de 2.400 milhões de euros, procedentes do FROB, para a sua recapitalizaçom, agora o governo de Rajoy pretende vender, mais umha vez, o nosso património colectivo para colocá-lo em mãos da grande banca privada. Evidentemente as finanças de um pais de aforradores, como é o caso da Galiza, é um bocado mui apetecível. Com muitas e muitos pequenos aforradores, e ainda por cima com um índice de morosidade bastante baixo, nom é de estranhar que a nossa ex-caixa tenha já vários pretendentes, sobretudo quando é de esperar que a venda nom seja por um preço demasiado elevado.
Ligando com o título deste artigo - nom é sem tempo, direis - nom será o momento de converter esta enorme AMEAÇA, que se cerne sobre a sociedade galega, numha OPORTUNIDADE a aproveitar? Nom será o momento de propor que seja a administraçom galega quem pague ao FROB esses 2.400 milhões? Segundo as contas galegas para este ano, com só dedicar 2 % do orçamento da Xunta a este fim, poderíamos pagar em menos de 13 anos. Dedicando 1,5 % pagaríamos em menos de 20 anos, em todo caso. E isto sem ter em conta a importante ferramenta com que poderíamos contar para o futuro, tanto para o crédito público como para o privado. O músculo financeiro galego ficaria aqui, e os juros que se pagassem, desde a própria administraçom galega ou desde a cidadania, repercutiriam no benefício colectivo. Nom há dúvida de que poderia ser umha grande operaçom, e crucial, se houvesse vontade política.
Entom, e chegados a esta altura, deveríamos mudar a pergunta do título e plantejá-la assim: Por que nom pode ser Nova Galicia Banco a Nova Banca Pública galega? Talvez é tempo de que a sociedade civil tome a palavra e exija que se imponha o sentido comum e a lógica do bem-estar colectivo. Exigir que se adapte a legislaçom a esta situaçom e que o governo galego aja como tal. Parece um pedido sensato e útil para o futuro. Será que alguém vai propor a ideia fora destas linhas? Ou é que só se aceitam as propostas quando quem ganha nom somos todos?