Por um galeguismo do Século XXI: Assembleia Nacional Galega

Vivemos num tempo em que infelizmente as ideias do galeguismo linguístico, cultural, social e político, nas suas formulações atuais, as que se deram nos últimos quarenta anos, hoje socialmente minoritárias demais, além de divididas, em permanente confronto e carentes de uma cultura da cooperação, e sem um projeto social conhecido e acreditável para o futuro da Galiza, sofrem uma profunda decadência e mesmo uma crise terminal. A nossa língua, a nossa cultura, o nosso meio ambiente, a nossa sociedade, em resumo, toda nossa nação está a padecer cada vez em maior grau as consequências dessa lamentável situação, da que parece que, pelo tempo que se prolonga, não se quer ou não se sabe sair.

No entando, apesar de tudo isso, convém repararmos que os momentos de crise podem ser vistos também como períodos de  oportunidade para as mudanças. Neste caso, uma grande oportunidade para que todos e todas os galegos e as galegas repensemos e desenhemos outros modelos de organização social mais ajeitados, atendendo às novas formas democráticas, para procurarmos a sério um projeto nacional possível, mas à vez ambicioso -sem mesquinhas e mediocres políticas interesseiras e a curto prazo-, e para elaborarmos e conseguirmos um novo sentido transcendente para a Galiza, atualizado e compartilhado pela maioria do povo galego, e que oriente os nossos passos vindouros. 

A nossa língua é cada vez menos falada e com maior grau de castelhanização, evidenciando-se a ausência de profundidade e a incorreção dos planos de normalização linguística estabelecidos, dados os nulos ou escassos resultados obtidos. Depois de quarenta anos de práticas litúrgicas e oportunistas, de uma defesa da sua continuidade só com argumentos de tipo sentimental, explica-se bem, como consequência, que ainda o povo galego não fosse capaz de orgulhar-se dela, e de ver e conhecer a sua indiscutível utilidade nacional e internacional. A nossa língua, sem dúvida um dos nossos maiores tesouros, uma língua que, a pesar de ser internacional, foi desvalorizada de seguido e levada conscientemente pelos distintos poderes “oficiais” ao mais estéril e desprestigiado dos isolacionismos.

Por todo o anterior, o novo galeguismo organizado que pretendemos, além de regaleguizar o País, deve ajudar a solucionar de uma vez, com coerência, o insuportável discurso contraditório de certo galeguismo dos últimos anos, quando afirmava que Galego e Português são a mesma língua, mas mantinha uma praxe que visava exatamente o contrário. E nos documentos oficiais o novo galeguismo soberanista tem de expressar-se em Galego Internacional, ainda que os seus membros, a título particular, o possam fazer com outras normativas.

A nossa mocidade, hoje com a melhor preparação da história, continua emigrando ou fica precarizada. O nosso meio rural, durante séculos reserva da nossa identidade cultural e social, fértil e esplêndido, sem que ainda desenvolvesse as suas enormes potencialidades, acha-se próximo à desaparição. O nosso meio natural, degradado pela falta de cuidados e os abusos especulativos e extrativos que se acostumam cometer nele. A nossa economía e a nossa sociedade, que tradicionalmente padeceram uma dependência alheia, agravada no presente pela globalização europeia e mundial, e pela crise económica, necessitam também uma defesa firme e um estímulo unitário e organizado socialmente, inteligente e decidido, perante os desafios do futuro. E como resumo que exprime a nossa delicada situação atual, o devalo populacional, pelo que a Galiza perde ano após ano mais e mais habitantes, sem que ninguém, a partir das instituições, nunca procurasse encontrar o remédio. Só os galegos e as galegas, dotados de soberania, com a plena disposição dos nossos recursos e meios, poderemo-la algum dia solucionar. E, se calhar, vermos tornar-se real o sonho de que todos os galegos e as galegas espalhados pelo mundo possam voltar, se o desejarem, ao seu lar nacional.

Não seria racional nem produtivo ficarmos paralisados, vendo dia a dia, com impotencia, lamentos ou resignação, como esses modelos há já muito tempo caducos e fracassados de áspero e sectário galeguismo partidista, institucionalizado, oportunista e de curto prazo, que conhecimos nas últimas décadas, caminha veloz para a sua própria autodestruição, sem que nasça algum tipo de alternativa. Melhor seria analisarmos, repararmos e inspirarmo-nos nas iniciativas galeguistas nadas nas bases cidadãs e nos movimentos sociais, derivadas do ativismo e do trabalho voluntário, cooperativo e desinteressado de muitas pessoas que houve nesse período, e que tiveram, sem dúvida, um grande sucesso. Seguramente serão as únicas iniciativas sociais que vão sobreviver ao nosso tempo. Referimo-nos aos centros sociais, às associações reintegracionistas, às iniciativas escolares e a alguns outros exemplos de bem sucedido empreendorismo social galeguista, que, talvez mais que nenhuma medida de carácter político-institucional das até hoje praticadas, contribuiram de verdade a “fazer País”.

É necessário passarmos da crítica à ação, a regaleguizarmos íntegralmente o nosso País. Há muitas pessoas hoje que à sua maneira querem colaborar na construção de uma Galiza mais livre, dona de si própria, democrática e progresista, e não encontram as vias necessárias e das que gostariam para participar e inverter as suas energias. Que não se acredite de jeito derrotista que só é possível o que existente. Está só nas nossas mãos construirmos o nosso futuro como povo galego. Que a nossa consciência fique tranquila porque cumprimos com a tarefa de intentá-lo. Poderemos ser capazes, com o otimismo pragmático do que vê que aos poucos, passo a passo,  vai edificando, de criarmos esse novo galeguismo do ativismo, que recupere o melhor do nosso pasado e da nossa história, com seriedade, com as características que sempre desejamos, fazendo as coisas bem desde o princípio, partindo de zero, sem hipotecas e dependências, com novos vimes, com bons alicerces, sem pastores, desde a base social, como corresponde ao que deve ser uma fase inaugural no tempo contemporâneo. O  galeguismo do e para o século XXI.

Um galeguismo progressista, republicano, feminista, laicista, defensor dos direitos dos homossexuais e transexuais, com o seu “essencialismo” únicamente estabelecido na democracia e na participação popular, que se constitua como um vasto movimiento social nacional, radicalmente assembleário e participativo, em que, eliminando qualquer forma de sectarismo, de verticalismo grupal ou individual e de personalismo, as pessoas das freguesias, dos concelhos e das comarcas galegas se possam entender e colaborar mutuamente, ainda que tenham de início presupostos ideológicos diversos e não plenamente coincidentes, sempre que queiram procurar pontos de encontro, dialogar e trabalhar em comum, fraternalmente, em irmandade, e de forma ativista, voluntária e desinteressada, para fazer coisas pela liberdade, a soberanía e o progresso integral da mátria nacional galega e do povo galego.

Não se trata de criarmos um novo partido ou uma nova frente política para chegar às instituições. Não seria oportuno, dada a divisão partidista e política, o “politiqueio” barato e habitual tão praticado, e a desgaleguização atual da sociedade galega. Porém, com um tempo já de atividade e com uma presença social consolidada, os associados e associadas irão decidindo coletivamente a evolução da organização galeguista e soberanista. Também não se trata de montarmos uma nova estrutura permanente e profissional de liberados ou de mantermos, com novas formulações, alguma das que existam.

Trata-se de organizarmos um grande movimiento cidadão galego de massas, uma espécie de grande centro social que abranja toda a geografia do País –também a Galiza estremeira-, e que possa estar presente nos seus principais acontecimentos e reivindicações. A atividade seria a de desenvolver atos comemorativos,  divulgativos, culturais e reivindicativos, realizar consultas telemáticas aos associados e à população, atuar nas ruas e nas redes sociais, influindo positivamente na sociedade, nas instituições, nos seus coletivos e nos meios de comunicação social. Trabalhar pela língua galega, pela cultura da Galiza, pelas relações com Portugal e a Lusofonia –uma política lusófona até agora nunca executada- e com os povos das outras nações da Península, pela economia galega, pela sociedade e pelo futuro da nação galega. E realizar as iniciativas culturais, midiaticas,  económicas e sociais que para o bem comum do povo galego determinem democratica e assemblearmente os seus membros em cada momento, e que vá evoluindo, se o tem de fazer, da mesma maneira. Sem descuidar aliás os aspetos convivenciais e festivos que contribuam a gerar umas relações agradáveis e cada vez mais fraternas entre as pessoas.

Um movimiento galeguista patriótico, aberto, em que qualquer galego ou galega de nascimento ou adoção –também os da Galiza estremeira- possa estar cómod@, sentindo-se útil, desenvolvendo as suas ideias e energias para bem do nosso País, sempre que reconheça o carácter nacional da Galiza, e deseje a sua sobernia, a sua livre determinação, e queira o desenvolvimento sustentável das suas potencialidades e uma economia nacional ou galeguista. Um amplo movimiento social, uma casa comum e fraterna para todos os galegos e galegas de coração, em que possa haver pessoas independentes e mesmo filiados aos partidos políticos e sindicatos atuais e futuros, sempre que respeitem o carácter diferente deste âmbito associativo, que deve manter-se com completa autonomia de todos eles sem exceção. Um movimiento popular por construirmos, com galegos e galegas dispostos a colaborar entre eles, em diálogo constante e de jeito cooperativo, dentro das suas possibilidades e desejos, superando com crítica e debate os infecundos ideologismos infantis e os dogmatismos incertos e estéreis que houver, aceitando os critérios democráticos e de horizontalidade próprios de uma organização radicalmente assemblear.

Esse movimiento popular galego e de massas teria a formulação e a sua concreção como Assembleia Nacional Galega (ANG), porque o que se procuraria seria o objetivo de atuarmos da maneira mais aberta e integradora, e nunca renunciando a contarmos com a associação e o apoio da maioria social dos galegos e galegas. NACIONAL, enfim, porque a velha fórmula de “nacionalista” já está desgastada e esgotada, e já não revela popular, por causa do manuseado em excesso uso institucionalizado, ambíguo, nada ambicioso e transformador que teve nas últimas décadas.

A Assembleia Nacional Galega (ANG) manteria na sua atividade interna uma cultura do diálogo, do acordo, da cooperação e da irmandade. Contaria com uns estatutos, uns círculos ou irmandades locais –respeitando a estrutura parroquial e comarcal-, uns grupos de trabalho ou comissões, umas coordenadoras rotatórias locais e uma nacional, e uma seção juvenil: Mocidades da Assembleia Nacional Galega.

Haveria de establecer um logótipo, uma bandeira –poderia ter o escudo pintado por Castelão ao meio- e uns bilhetes de identificação para os seus asociados e associadas.

Há cem anos, o 18 de maio de 1916, na cidade da Crunha, reunindo um grupo de pessoas galeguistas até então espalhadas, surgiram as Irmandades da Fala, que foram acrescentando-se e chegaram a cumprir um papel fundamental em muitos terrenos e que deu frutos históricos para a Galiza.

Debatamos entre todos e todas o futuro do galeguismo linguístico, cultural, social e político. Assumamos uma responsabilidade solidária e patriótica. Procuremos soluções definitivas à sua atual decadência e à falta de vias para a participação. Para que todas as boas e ativas pessoas galeguistas, hoje sacrificadas por causa de fórmulas impossíveis e às vezes sem saberem que fazer, para que todos os galegos e galegas, possam estar dentro de um projeto galeguista, de construção nacional. Nós podemos criar o galeguismo do século XXI.

E que melhor maneira de celebrarmos o centenário das Irmandades da Fala que constituindo este mesmo ano uma unitária, aglutinadora e entusiasmante Assembleia Nacional Galega (ANG)!!!

“Os galegos e as galegas seremos o que só nós queiramos.”

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